Prefeituras têm até agosto para regulamentar imposto sobre streaming de vídeo
Na virada do ano, Michel Temer sancionou uma lei que redefine a cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) nas cidades brasileiras. Por trás da aprovação havia o interesse de reduzir a guerra fiscal entre os municípios, que ficam proibidos de cobrar alíquota inferior a 2% ou maior que 5% em uma série de serviços. A grande inovação foi o acréscimo à lista dos serviços tributáveis do streaming de áudio e vídeo.
Não existem estudos que mostrem o quanto a tributação do streaming pode gerar em arrecadação para as cidades. A prefeitura de São Paulo crê em R$ 22 milhões apenas na capital paulista. De certo, só se sabe que a cobrança vai impactar empresas OTT, como Netflix, Spotify, e também parte dos serviços de valor adicionado das operadoras de telecomunicações, uma vez que quase todas oferecem produtos próprios ou desenvolvidos com parceiros. A Claro, por exemplo, tem o Claro Vídeo e o Claro Música; a Vivo tem parceria com o Napster e Studio+; a TIM revende planos de assinatura do Deezer; e a Oi lançou no Brasil o serviço HBO Go, para citar alguns exemplos.
Em comunicado conjunto, emitido pelo SindiTelebrasil, as operadoras se dizem atentas, mas consideram que ainda é cedo para reagir à lei. “As prestadoras de telecomunicações ainda estão avaliando os impactos e desdobramentos da Lei Complementar 157/2016, que modifica o ISS, permitindo a cobrança deste imposto sobre serviços de streaming”, se limita a dizer o sindicato.
A posição faz sentido, uma vez que a Lei ainda precisa ser regulamentada pelas prefeituras. “Os municípios deverão aprovar as alterações nos respectivos códigos tributários até fim de agosto de 2017 para poder efetivar as cobranças a partir de 2018”, explica François Bremaeker, economista da Abrap (Associação Brasileira de Prefeituras). Se perderem o timing, só em 2019 poderão cobrar.
Além disso, o artigo da lei que insere os serviços de streaming na cobrança pode ser alvo de ação no Superior Tribunal Federal (STF) ou na Justiça Estadual, conforme as cidades soltem suas regras, explica o advogado Evandro Grili, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes. “Uma confederação nacional poderia propor uma ADIN [ação direta de inconstitucionalidade no STF] dessa lei. Mas é uma estratégia arriscada porque o momento político e financeiro está fazendo o tribunal deixar os aspectos jurídicos de lado”, analisa.
O fundamento para ADIN seria o debate sobre se streaming é ou não um serviço prestado ao cliente final. “Essa cobrança é inconstitucional porque Netflix e Spotify compram dos autores das obras o direito de uso, não têm a cessão definitiva. O contrato do usuário com a empresa de streaming prevê apenas a cessão dos direitos que elas detêm, não se trata de uma obrigação de fazer o conteúdo para o cliente, mas de ceder seu uso. Já existe súmula do STF que segundo a qual locadoras não precisam pagar ISS. Se for mantida esta premissa, temos algo semelhante com o streaming”, explica Grili.
O melhor, no entanto, seria as empresas aguardarem a legislação municipal e entrarem na Justiça Estadual contra a cobrança. Neste caso, evitam o debate político sobre crise fiscal que vem permeando as decisões do STF e que poderia resultar em decisão contrária, em sua avaliação. Outro ponto que será alvo de debate é o local de cobrança. No entender de Grili, como a lei federal deixou isso em aberto, caberá às cidades onde as empresas têm sede arrecadar o imposto.
Mas o tema pode esquentar com a pressão das prefeituras que têm muitos usuários das plataformas de streaming. A Confederação Nacional dos Municípios (CMN) está trabalhando no Congresso para recuperar artigo vetado por Michel Temer que determinava a descentralização da cobrança do imposto, mudando a tarifação da cidade sede da empresas para a cidade geradora da receita. A entidade não visa, porém, os serviços de streaming. Almeja os ganhos de arrecadação que viriam dos planos de saúde, leasing e cartões, que se incluídos (também foram vetados), fariam a nova lei gerar quase R$ 6 bilhões em receita para as cidades. O Congresso deve aprovar, ou negar, os vetos presidencial até o final deste mês.
As OTTs não se manifestam sobre o assunto. A Netflix prefere não dizer se o imposto seria integralmente repassado ao consumidor. “A Netflix coleta e paga impostos em todos os lugares em que é legalmente obrigada a fazê-lo”, se limita a falar. O Spotify vai pelo mesmo caminho: “por enquanto, não temos previstas mudanças nos valores das assinaturas Premium e Premium Familiar”, resume.