Internet Society critica pressa do Congresso em criar lei contra “fake news”

Projetos em tramitação na Câmara e no Senado ameaçam a inserção do Brasil na economia digital mundial, observa a organização.
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O Capítulo brasileiro da Internet Society (ISOC Brasil) emitiu nota ontem, 9, na qual critica a tramitação no Congresso Nacional de dois projetos de lei (2.927/2020, da Câmara, e  2.630/2020 do Senado) que pretendem combater a disseminação de desinformação – popularmente conhecida como “fake news”.

No entender da entidade, o Congresso tem conferido “tratamento apressado e com pouco espaço para o diálogo público” ao tema.

“Se em tempos de normalidade qualquer avanço a respeito do tema impõe cautela, no contexto excepcional vivido hoje em função da Covid-19 a cautela deve ser ainda maior para evitar que medidas irrefletidas em relação à internet possam amplificar a quantidade de prejuízos que podem decorrer da desconsideração dos itens apresentados anteriormente”, afirma.

Por esse motivo, a ISOC elaborou uma lista de pontos que devem ser pensados na formulação da lei.

1. A internet é (e deve continuar a ser) uma rede aberta e de alcance global, que permite o desenvolvimento de aplicações e serviços variados. Os princípios que orientaram o desenvolvimento do Marco Civil da Internet devem ser observados quando se aborda o fenômeno da desinformação e o funcionamento de serviços e aplicações na internet.

2. O PL não deve considerar certa aplicação ou serviço em particular como a internet em geral. Este “é um atentado à diversidade e à pluralidade existente em uma rede de alcance global”, afirma a ISOC. Por isso, a lei não não deve ser construída com foco em aplicações específicas, sob pena de tornarem-se obsoletos rapidamente em virtude do avanço da tecnologia e dos modelos de negócio, e de acabarem tendo seu escopo de incidência aplicado a aplicações ou serviços distintos do originalmente previsto, o que gera insegurança jurídica.

3. Nenhuma lei ou norma no Brasil deveria gerar óbices ao uso de serviços e aplicações disponíveis globalmente na internet para usuários individuais e institucionais (no setor público e privado) no país. Tal medida poderia resultar em fragmentação da internet global, criando um ecossistema digital alinhado com fronteiras físicas, o que vai de encontro ao conceito de internet aberta.

4. O PL 2630/2020 preocupa por prever a “rastreabilidade das comunicações privadas” em aplicativos de mensageria instantânea. “A rastreabilidade, nos termos propostos por este PL, prevê a geração e o armazenamento de metadados diretamente associados ao teor de mensagens privadas, o que dificilmente poderá ser conciliado de forma segura e infalível com a preservação plena da privacidade e confidencialidade das comunicações privadas”, observa a entidade.

A ISOC lembra que, pela proposta, essa retenção de dados seria indiscriminada, resultando em rastreamento que poderá ser usado na esfera penal e cível. Em última instância, afasta a presunção de inocência. Além disso, traz problemas técnicos aos aplicativos, que passam a ter de pensar na estrutura para gestão dessas grandes bases de metadados, “o que favorece os grandes atores em detrimento dos pequenos”, e pode levar também a vazamentos.

O projeto de lei, diz a ISOC, inverte “a lógica do devido processo legal na persecução penal, que não impede o monitoramento de comunicações privadas, mas o restringe para que seja feito, após autorização judicial, de forma prospectiva e para pessoas individualizadas identificadas como suspeitas de determinado ilícito, como garantia de necessidade e proporcionalidade da ação do aparato repressor do Estado”.

5. Por fim, a organização ressalta que a rastreabilidade impedirá que os usuários confiem nos serviços e aplicações. E lembra que, se provedores de aplicação que operam (com e sem fins lucrativos) no Brasil forem obrigados a oferecer serviços menos confiáveis, é possível que percam competitividade no mercado global, “prejudicando direta e indiretamente a inserção do país na economia digital”.

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Rafael Bucco

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