Imagens de satélite e IA vão apontar as escolas “invisíveis” do Brasil

Projeto Giga, do Unicef e da UIT, será utilizado no Brasil em parceria com o MCOM para geolocalizar as escolas públicas e descobrir unidades "invisíveis", cujo endereço não é conhecido do governo federal. Objetivo é tornar as bases de dados sobre as instituições de ensino mais confiáveis.

Exemplos de imagens captadas por satélites que podem indicar escolas e são utilizadas no treinamento de IA

O Brasil deve ser o décimo país do mundo a utilizar imagens de satélite e inteligência artificial para identificar escolas públicas “invisíveis”, dizendo onde fica cada unidade em funcionamento. Com isso, há expectativa de identificar de 3 mil a 5 mil estabelecimentos de ensino de endereço incerto nas bases governamentais, ou que não eram conhecidos devido à descentralização das bases de dados que contêm este tipo de informação.

Mas isso só acontecerá quando o governo colocar em prática o Projeto Giga, criado pelo Unicef e pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), que utiliza as tecnologias para identificar os prédios de escolas dispersos no território.

Até hoje, Colômbia, Quênia, Ruanda, Serra Leoa, Níger, Honduras, Gana, Cazaquistão e Uzbequistão participaram da iniciativa usando tais tecnologias. O Projeto Giga surgiu em 2019 com o objetivo de mapear e conectar todas as escolas do planeta, usando diferentes ferramentas, inclusive de crowdsourcing (com a autoidentificação no OpenstreetMaps pelos docentes ou alunos).

No Brasil, há diferentes iniciativas para levantar as escolas públicas em atividades, uma vez que elas se dividem entre municipais, estaduais e federais, em áreas urbanas e rurais. O NIC.br, por exemplo, tem o Medidor Educação Conectada, que identifica as unidades com banta larga. Mas depende da administração da unidade acessar a ferramenta. O MEC organiza o Censo Escolar e o INEP também reúne dados das unidades existentes. Mas nenhuma base traz dados precisos de geolocalização.

“É um esforço, não só do Brasil, ter inteligência de escolas para planejamento de políticas públicas. Saber exatamente onde está a escola resulta em condições melhores para planejamento de políticas públicas. Entre outras coisas, saber exatamente onde está a escola ajuda na contratação da conexão de internet”, ressalta Jardiel Nogueira, oficial de programas do Giga no Unicef Brasil.

Convergência de ações

Atualmente, o GAPE, grupo da Anatel que supervisiona o programa Aprender Conectado, de entrega de banda larga em escolas sem internet com recursos do Edital do 5G, está vistoriando 7.661 escolas públicas, das 183 mil conhecidas. Dessas, 2.316 mil foram vistoriadas e 177 foram conectadas em projeto piloto, com recursos do leilão 5G. A vistoria é necessária para o plano de conexão.

Uma fonte das operadoras, que são responsáveis pelo financiamento da EACE, entidade executiva do Aprender Conectado, diz que já casos de escolas listadas não encontradas, embora em baixo percentual. Calcula que mais de 3 mil unidades, do total de 138 mil, não estejam nos endereços hoje conhecidos.

A geolocalização proposta pelo Projeto Giga vai evitar que a escola seja dada como inexistente e, com endereço atualizado, possa de fato ser conectada. “A gente não sabe o tamanho do problema por não termos as informações e faltar centralização. Imagino que as bases atuais não apontem onde estão de 3 mil até 5 mil escolas”, estima Nogueira.

Mapeamento

No caso local, o Ministério das Comunicações assinou em abril Memorando de Entendimento com o Unicef, com validade de dois anos.

Pelo documento, Unicef e MCOM vão trabalhar em iniciativas de conectividade que beneficiem crianças e jovens. O trabalho mais avançado é justamente o de adesão ao Projeto Giga.

Está em elaboração o plano de trabalho, que define atribuições e responsabilidades de cada parte, cronograma e como o projeto será executado.

Por enquanto, ficou definido que caberá ao MCOM contratar um profissional para treinar o sistema de inteligência artificial, criado e fornecido pelo Giga, diz Maximiliano Martinhão, secretário de telecomunicações do MCOM.

A pasta ainda não definiu prazo para a contratação. Este será o único recurso necessário. Não haverá nenhum outro desembolso por parte do governo, nem por parte do Unicef.

Treinando o robô

O profissional, uma vez selecionado, vai receber acesso via API à plataforma de IA e ao banco de dados do Giga, contendo milhões de fotografias feitas por satélites. Vai então treinar a IA, identificando o que são edificações comuns de escolas brasileiras.

“O Brasil tem uma extensão muito grande e muita diversidade. As escolas indígenas têm uma característica diferente. No Sudão, a geografia é desértica. Se rodarmos o mesmo algoritmo utilizado lá sem adaptação, não vamos identificar todas as escolas”, salienta Nogueira.

O profissional vai treinar a plataforma para diferenciar os tipos de escolas públicas brasileiras, tanto em ambiente rural, como em urbano. A ferramenta vai determinar as coordenadas de latitude e longitude.

Também caberá a este profissional cruzar os dados com os do MEC, INEP, NIC.br e outras bases públicas para não contabilizar escolas privadas e identificar se há falhas de endereço ou escolas que ainda eram invisíveis.

Como funciona o Projeto Giga, iniciativa de mapeamento e conexão de todas as escolas do mundo do Unicef em parceria com a UIT
Como funciona o Projeto Giga, iniciativa de mapeamento e conexão de todas as escolas do mundo do Unicef em parceria com a UIT (Trecho de apresentação feita por representantes ao governo)

Segundo Nogueira, uma vez contratado, o profissional precisará de cerca de seis meses para treinar a ferramenta e então criar o primeiro documento, uma relação de todas as escolas públicas do país contendo localização exata – longitude e latitude, com precisão acima de 90%.

Ainda não está definido se a adesão brasileira ao Projeto Giga será permanente. Para Nogueira, isso permitiria rodar a IA todo ano, a fim de identificar alterações no ambiente escolar local. Mas ele reconhece que tal compromisso de longo prazo depende ainda de mostrar que ideia é viável e resulta em dados tão confiáveis quanto os obtidos nos outros países. “O Brasil tem realidades muito diversas”, resume.

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Rafael Bucco

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