Governo fará lei de TIC para evitar retaliações da OMC e ações judiciais das empresas
Até agosto deste ano, o governo vai enviar ao Congresso Nacional o projeto da Lei de TIC que irá substituir a Lei de Informática. O novo marco de política industrial do setor deverá estar aprovado e sancionado pelo presidente da República até 31 de dezembro para entrar em vigor a partir do início de 2020. Terá dois objetivos principais: evitar retaliações da OMC (Organização Mundial de Comércio) e a judicialização do impasse por parte das 670 empresas que têm incentivos fiscais, na ordem de R$ 5,2 bilhões/ano, assegurados até 2029.
Essa previsão para o envio da nova lei consta de cronograma montado para atender as exigências da OMC, disse o coordenador-geral de Estímulo ao Desenvolvimento de Negócios Inovadores do MCTIC, Henrique de Oliveira Miguel. Ele faz parte do grupo de trabalho criado pelo governo para propor soluções ao impasse gerado por ações do Japão e da União Europeia, juntamente com representantes do Ministério da Economia e do Itamaraty. “Mudar a legislação significa que não haverá mais incentivos de IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados]”, afirmou.
A ideia, segundo o coordenador, é substituir essa modalidade por outro benefício, desta vez para empresa e não mais para produto, como a criação programa de crédito, com a troca de incentivos fiscais por investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). “Algo parecido com o modelo do Rota 2030 [de incentivos fiscais ao setor automotivo]”, apontou. Sancionado pelo ex-presidente Michel Temer, no final de 2018, esse programa substituiu o Inovar-Auto, que foi condenado pela OMC. “O programa Inovar-Auto acabou e foi alterado e se transformou em um programa de crédito”, disse.
Adiantou que está totalmente descartada a ideia de expandir os incentivos fiscais do setor por conta da ausência de projeções nesse sentido para atender as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal. A intenção é manter o volume dos incentivos fiscais.
Migração para Manaus
Na entrevista, Miguel destacou que, se não for mantido um equilíbrio entre o regime de incentivos da Zona Franca de Manaus com o do restante do País, poderá haver uma migração para esse parque industrial. “No caso da Lei de Informática, nós temos um outro componente que preocupa muito as empresas e os governos estaduais, que é uma possível migração para Manaus. Mas é uma decisão das empresas.”, apontou.
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Nesta semana, a equipe técnica do MCTIC e do ME finalizam as portarias que devem ser publicadas até 21 de junho para cumprir o primeiro prazo das exigências da OMC com o fim do chamado “nested” PPB (Processo Produtivo Básico) e da obrigatoriedade de conteúdo local.
Ao todo, 40 portarias relativas à Lei de Informática serão alteradas. A prioridade é para sete portarias que envolvem os produtos responsáveis por 80% do volume de incentivos fiscais concedidos. São para: celular; notebook e ultrabook; desktop; all in one; equipamentos para telefonia celular; as impressoras jato de tinta; servidor; e tablet. Essas e outras portarias de PPB estão sob consultas públicas.
Veja os principais trechos da entrevista com o coordenador-geral de Estímulo ao Desenvolvimento de Negócios Inovadores do MCTIC:
Tele.Síntese: O que o Brasil já fez para atender as exigências da OMC? E o que pretende fazer até o dia 21 de junho?
Henrique de Oliveira Miguel: Basicamente são dois pontos principais que afetam alguns programas que estão em andamento. Primeiro a Lei de Informática e o outro é o Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores). O benefício via IPI e outros tributos que incidem sobre a comercialização do bem final foram condenados . Isso foi considerado ofensivo às regras da OMC e Gatt [acordo internacional de tarifas e comércio que vigorou até 1995 antes de surgir a OMC).
Então, a primeira questão, que é realmente complexa, porque envolve alteração na lei, é a mudança desses regimes. Tudo que é incentivo, nessa modalidade de tributo indireto, tem que ser transformado nas modalidades aceitas pela OMC, que, na sua maioria são tributos diretos, ou seja, benefício para a empresa e não para o produto. Resumidamente, essa é a grande questão. É a concessão do incentivo em troca de investimentos em P&D. O estabelecimento de etapas produtivas também foi aprovado pela OMC. A segunda questão que nós vamos ter que alterar, ainda bem que essas são só alterações infralegais, é o que ficou denominado “nested PPB”. Ou seja, processo produtivo dentro do próprio processo produtivo (PPB). Isso também foi considerado ofensivo ao Gatt e é necessário que se altere.
Nós já publicamos, via o grupo técnico GTPPB, coordenado pelo Ministério da Economia, pela Secretaria da Indústria, 15 consultas públicas dos principais processos produtivos básicos que contêm cláusulas conhecidas por essa denominação de nested” PPB. Há 40 portarias que precisavam ser alteradas em decorrência da decisão da OMC. O prazo acordado, no final das contas, se encerra agora no dia 21 de Junho.
Tele.Síntese: Vai afetar a Zona Franca de Manaus?
Miguel: Manaus não foi afetada pela decisão da OMC. Está em estudo a utilização do mesmo processo produtivo da Lei de Informática para Manaus porque, até antes da decisão da OMC, todo o PPB para Manaus tinha um PPB para a área de informática, porque há aí correspondência entre os processos produtivos e entre os incentivos.
Tele.Síntese: Mas, se a OMC rejeita determinado incentivo e se faz uma reviravolta nessas portarias em uma norma infralegal, não muda nada?
Miguel: Não é não mudar nada. A primeira condição para empresa ter o benefício é cumprir etapa produtiva. Qual foi a decisão da OMC? Reconheceu que o processo produtivo básico é equivalente a etapa produtiva, e isso está previsto, você pode conceder incentivos vinculado a exigência de cumprimento de etapa produtiva. Então, o processo produtivo básico é válido. Agora o que que é a OMC disse? Ora, o Brasil fez na sua legislação que não é possível é exigir conteúdo local, que é o chamado “nested” PPB. Então, nós estamos tirando esses PPBs. No entanto, a produção de um equipamento usa aqueles componentes. Não tem outro jeito.Não tem como produzir um celular se não usar uma placa na qual são montados os componentes, uma bateria, um display.
Tele.Síntese: Acabando a exigência do conteúdo local, essas empresas podem comprar no exterior?
Miguel: Podem comprar no exterior, podem usar os fornecedores que estão aqui no Brasil. Agora a pergunta é: as empresas podem continuar comprando os seus componentes aqui no Brasil? Não tem nenhuma restrição quanto a isso. O que o PPB fez? O PPB deixou de conter cláusulas de exclusividade destinadas ao produto local para se fixar em etapa produtiva. É bem sutil a diferença, mas ela existe.
Tele.Síntese: Ainda assim, os produtos locais continuarão a ser mais competitivos, porque serão mantidos benefícios fiscais para as empresas?
Miguel: Sim, serão mantidos os benefícios fiscais. Vai haver maior liberdade de opção entre etapas produtivas que podem ser realizadas aqui no Brasil ou não. Essa mudança realmente vai fazer as empresas avaliarem situações.
Tele.Síntese: De qualquer maneira, isso abre um leque de maior concorrência com o mercado exterior?
Miguel: Não só com o exterior. Mas também, por outro lado, chama mais atenção para que essas empresas venham fazer essas etapas produtivas no Brasil para atender a demanda do fabricante do bem final.
Tele.Síntese: Quantas empresas são beneficiadas com esses incentivos?
Miguel: Nós temos incentivadas 670 empresas e 550 empresas usufruindo. Tem empresa que é beneficiária, mas às vezes o produto defasou. Isso é só a Lei de Informática e só fora Manaus. Mas há empresas que atuam em Manaus e fora de Manaus. Por exemplo, Samsung tem fábrica em Campinas e tem fábrica em Manaus. A Flextronics também tem fábrica em Manaus e em São Paulo.
Tele.Síntese: Quanto é a renúncia fiscal para esses bens incentivados?
Miguel: A renúncia do governo é de R$ 5,2 bilhões. Só que a arrecadação com outros tributos é de R$ 9,8 bilhões. Não há isenção de IPI, mas redução de 80%. O IPI médio desses produtos é de 15%. A renúncia é de 12%, com o pagamento de 3% do tributo. Além disso, as empresas pagam PIS/Cofins, ICMS e Imposto de Renda. Tem aí uma boa arrecadação diante desse benefício. Ainda precisamos computar R$ 1,5 bilhão de P&D, o que é uma contrapartida obrigatória
Tele. Síntese: Poderá haver um regime de crédito tributário mais abrangente do que existe hoje em razão dessas mudanças?
Miguel: Pela decisão da OMC, o prazo final acordado termina em 31 de dezembro. Precisamos mudar a legislação, o que significa não ter mais isenção de IPI. Será um outro regime, um outro programa. Nós temos que transformar essa redução do IPI em outro benefício que é dado para a empresa. Algo parecido com modelo do Rota 2030 porque também o Inovar-auto foi condenado, só que o Inovar-Auto acabou e foi transformado em programa de crédito.
Telesíntese: Mas há a ameaça ou não sobre os incentivos fiscais que hoje existem em TIC?
Miguel: Posso falar aqui pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Nós estamos trabalhando, conforme determinação do secretário [Paulo Alvim, de Inovação e Empreendedorismo], do secretário executivo [Julio Semeghini] e do ministro [Marcos Pontes], para ver alternativas para essa modernização. O Brasil. não tem hipótese nenhuma aqui do governo, de ser retaliado por não cumprir as decisões da OMC. Por outro lado, também internamente, nós não queremos que as empresas judicializem esse processo. Se você retira agora esse incentivo, pela legislação atual, as empresas vão se sentir no direito de judicializar essa questão. Isso também ninguém quer. Nem desrespeitar a decisão da OMC nem desrespeitar a concessão de incentivo, que está previsto até 2029 . A indústria está operando, está gerando empregos, vai investir em P&D. Nós estamos trabalhando exatamente nessa revisão para o prazo de 31 de dezembro.
Telesíntese: Então, os incentivos fiscais serão mantidos?
Miguel:. Não vou dizer que será mantido igualzinho. Vamos ter que mudar esses dispositivos da redução do IPI. Isso já está decidido. No caso da Lei de Informática, há um outro componente que preocupa muito as empresas, e os governos estaduais, que é uma possível migração para Manaus. Mas será uma decisão da empresa. O governo não pode forçar as empresas a tomar essa decisão. Nem todas as empresas vão migrar, aí tem desemprego. Tecnicamente, vamos ajustar com o Ministério da Economia e, por último, vamos levar para o Itamaraty. Depois vamos fazer consulta pública. Vamos trabalhar recebendo sugestões dos fabricantes, também de associações. Vamos interagir com eles e com o Congresso.