EUA e Rússia disputam futuro da internet em cargo da UIT

A eleição ocorrerá na próxima sexta-feira, mas a Anatel aprovou hoje um Memorando de Entendimento com o regulador norte-americano, a FCC (Federal Communication Comission), em uma sinalização antecipada do voto brasileiro.
Eleilão da UIT define futuro da Internet
A Plenipotenciária começou esta semana e acontece até 14 de outubro em Bucareste. Credito: Wikipedia

Começou esta semana a 21a Conferência Plenipotenciária da UIT – União Internacional de Telecomunicações –, que vai definir o futuro da entidade e acontece a cada quatro anos, e que irá eleger o novo Secretário-Geral, além dos demais cargos. Embora a UIT não tenha qualquer ligação direta com a regulamentação da Web, já que a instituição decide sobre os rumos da infraestrutura de telecomunicações e  ocupação do espectro, o futuro da Internet tornou-se um dos temas da disputa entre os dois candidatos ao cargo. De um lado, se apresenta a candidata dos Estados Unidos, Doreen Bogdan-Martin, que está na instituição desde 1990. De outro, Rashid Ismailov, ex-vice-ministro do ministério de telecomunicações da Rússia.

A disputa implicará a condução da entidade por oito anos, visto que é praxe o SG ser reconduzido ao cargo. A vaga foi ocupada nos últimos oito anos pelo chinês Zhao Houlin. O Brasil se faz representar na PP-22 por uma grande comitiva – mais de 30 membros – que é liderada por integrantes dos Ministérios das Relações Exteriores, Comunicações e Anatel. Pela agência, estão lá esta semana o seu presidente, Carlos Baigorri, e o conselheiro Artur Coimbra, e pelo MCom, o secretário de Radiodifusão, Maximiliano Martinhão.

Anatel e FCC

Coincidência ou não, hoje, 27, o Conselho Diretor da Anatel aprovou, por meio de circuito deliberativo, o Memorando de Entendimento com a FCC (Federal Communication Comission), a agência reguladora de telecom norte-americana. Nesse MoE, as duas agências irão  aprofundar a cooperação no campo das telecomunicações e das tecnologias de informação e comunicação (TIC), o que já demonstra a tendência do voto brasileiro sobre o futuro da UIT.

Essa cooperação irá lidar com :  acesso universal a serviços de telecomunicações e banda larga; Defesa e proteção dos direitos dos consumidores – incluindo ações específicas para combate às robotcalls/ligações indesejadas e educação para o consumo; Políticas de gestão do espectro; 5G: novos modelos de negócios, implantação de rede e compartilhamento de infraestrutura; Proteção da Segurança e Integridade das Redes de Comunicações (cadeia de fornecedores, segurança cibernética e proteção de dados); Melhoria da Cibersegurança das Redes de Comunicação (aspectos regulatórios na redução de ataques e fraudes); Sistema de alerta de emergência sem fio (WEA) para avisos e informações críticas para o público; Procedimentos de Certificação e Homologação de Produtos; Resultados de procedimentos de avaliação da conformidade de produtos para telecomunicações; Acompanhamento e controle da prestação de serviços; e Colaboração, cooperação e coordenação em foros internacionais.

Os cargos em disputa

As eleições ao cargo máximo da UIT e demais postos – vice-secretaria geral (cargo que o Brasil já ocupou), e diretores de radiocomunicações e padronização e para o desenvolvimento das telecomunicações acontecerá  nessa sexta, dia 29, mas a PP-22 acontece até o dia 14 de outubro, quando diversas questões terão que ser decididas, inclusive um dos temas mais acalorados desse período, que é a questão dos satélites de órbita baixa e as radiofrequências que irão ocupar. Novas formas de pacotes da Internet, que chegaram a ser propostas por países como a China, não estará, porém, no radar da conferência.

O Brasil trabalha para eleger um membro entre as 12 vagas a serem eleitas no RRB (Radio Regulation Board), comitê que define as regras sobre o espectro, com o técnico da Anatel, Agostinho Linhares. Trabalha também para a sua reeleição ao Conselho da UIT, que tem 48 vagas. Participam da votação 193 países.

Internet

Embora o desenvolvimento da Internet não tenha dependido da UIT, seus  moldes atuais deixem preocupadas as democracias ocidentais, devido ao incômodo fato de que os poucos fóruns globais que lidam com ela (o ICANN, que estabelece a numeração, é vinculado ao governo dos Estados Unidos, por exemplo), e acabe ficando à mercê dos códigos de conduta das megacorporações privadas, o fato é que Rússia, China e outros países como Arábia Saudita têm o Estado como o grande controlador de seu conteúdo, que poderia ser reproduzido em um  futuro da UIT.

Esses Estados criaram o que se intitulou tecnicamente como  “splinternets” , ou redes nacionais que fazem o controle de fato sobre os aplicativos e conteúdo que circulam pela internet em suas fronteiras. Na China, por exemplo, não é possível o acesso ao Whatsapp, embora haja um similar chinês, conhecido como WeChat. Na Rússia, devido à guerra da Ucrânia, o regulador online de lá bloqueou centralmente aplicativos e sites que o governo de Moscou considera perigosos, incluindo Facebook, Instagram e Twitter.  Quem postar “desinformação” sobre a guerra na Ucrânia pode pegar até 15 anos de prisão.

O candidato russo tem defendido abertamente a necessidade de a UIT ter mais voz no futuro da Internet, por ser o único fórum onde os países “podem realmente levantar sua voz” e “defender sua soberania”. A candidata dos EUA prefere falar em incluir os mais de 2 bilhões que ainda estão fora da Web. Mas nenhum dos dois defende claramente uma plataforma onde a governança multissetorial poderia prevalecer.

Outros temas que não tem muita relação com as redes de telecom também estarão no debate, como questões vinculadas, por exemplo, à inteligência artificial e seus impactos sobre a humanidade. O evento, que se realiza em Bucareste, capital da Romênia, apontará caminhos que terá repercussões para todas as nações por muitos anos.

(colaborou Rafael Bucco, com agências internacionais). 

 

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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