Dienstmann: “Operadoras têm que abrir mão de controlar 100% a criação de produtos em cima das redes”
A Ericsson está presente em todas as redes móveis brasileiras. Se você usa um celular, em algum momento o dado recebido ou enviado passou por equipamentos, software ou propriedade intelectual da fabricante. Apesar dessa onipresença, enfrenta os desafios de um mercado em transformação, em que os serviços de telecomunicações faturam menos do que as aplicações que deles dependem. Rodrigo Dienstmann, presidente para o Sul da América Latina, diz que o 5G vai entrar em nova fase, levando a mudanças nos modelos de negócio das operadoras.
Elas seguirão atendendo o consumidor final, mas com o 5G, estarão também por trás da qualidade dos serviços das aplicações. O modelo vai ajudar a monetizar as novas redes, trazendo resultados que não eram possíveis no 4G. Como? Confira, na entrevista a seguir, de que maneira a companhia está se movimentando para estes que, acredita, serão os novos tempos das telecomunicações móveis.
Tele.Síntese: O balanço de resultados da Ericsson do terceiro trimestre aponta incertezas para a empresa sobre o mercado nos próximos meses. Não dá detalhes específicos do Brasil, no entanto. Como está o desempenho da operação por aqui?
Rodrigo Dienstmann, presidente da Ericsson Latam South – Não posso dar detalhes específicos sobre isso. Posso falar que estamos crescendo em relação ao ano passado. É natural esse crescimento dado que o 5G é o novo cavalo de força do nosso mercado, pelo menos essa primeira fase do 5G. A primeira fase de implantação do 5G vai durar no mínimo dois anos e meio. É a fase de massificação da cobertura. Então nós estamos indo bem, nossa fábrica [de rádios em São José dos Campos, SP] está trabalhando a todo vapor para atender o Brasil e exportando.
E depois dessa fase?
Dienstmann – A gente está bastante otimista porque as operadoras já estão conversando sobre como monetizar esse investimento em cima do 5G. O trabalho que vai começar agora será não só de força bruta, de subir nas torres para implantar essa capacidade – e as operadoras do Brasil estão de parabéns já que elas estão até à frente da curva em relação ao compromisso regulatório -, mas também identificar para onde o mundo está indo, e se preparar. Essa monetização não tem a ver só com capacidade, tem a ver com a adequação de sistemas para criação de novos produtos, com preparação para essa economia das APIs, das redes abertas que são orquestradas por APIs por terceiros.
Vocês já destacaram diversas vezes a proposta de APIs por conta da aquisição da empresa Vonage, que tem conhecimento para fornecer isso. As três operadoras nacionais já bateram o martelo na contratação da Vonage para lançar APIs? E as operadoras regionais que estão entrando no mercado móvel vão aderir à tecnologia da Vonage?
Dienstmann – As três grandes operadoras do Brasil fazem parte de grandes grupos com os quais estamos envolvidos, sim, nas iniciativas de Open Gateway. Mesmo as operadoras regionais também estão bastante atentas. Essa arquitetura de APIs funciona melhor se você tiver todas as operadoras aderindo. Então, sim, as três grandes operadoras, assim como alguns regionais estão conversando com a gente. A gente acredita que o Brasil tem chance de ser um dos pioneiros nessa arquitetura.
A prova de conceito já está acontecendo no mundo. Nós anunciamos há poucas semanas uma parceria com a Deutsche Telekom, que colocou arquitetura em funcionamento baseado em Vonage na Alemanha. Já está funcionando e expondo três ou quatro APIs. Entendemos que é uma evidência de que nossa estratégia de aquisição da Vonage está no caminho certo.
Vocês estão conversando com essas operadoras, ainda não fecharam contrato com nenhuma?
Dienstmann – Por enquanto, não. E mesmo quando fecharem, nossa visão é que elas eventualmente vão experimentar mais de uma plataforma.
A operadora pode ter mais de uma plataforma de APIs de rede ao mesmo tempo?
Dienstmann – Pode ter convivência. A nossa crença é no conceito Global Network Platform, uma plataforma única global na qual, se eu desenvolvo uma aplicação que não envolva temas regulatórios, games, por exemplo, eu inscrevo uma vez uma API nessa plataforma e ela funciona com todas as operadoras do mundo que estiverem associadas e integradas à plataforma.
Voltando ao desempenho da Ericsson. O Brasil está descolado da operação no resto do mundo então? A Ericsson falava em demissões lá fora e teve prejuízo recente.
Dienstmann – No início do ano anunciamos 8.000 demissões no mundo. No Brasil, não houve demissões, não pelo mesmo motivo. Sempre tem uma ou outra demissão, mas a gente até contratou mais.
O Brasil está em um momento do ciclo diferente de outros países. O Brasil, o Uruguai, o Chile e a Índia estão em momento de crescimento do 5G. A América do Norte deu uma encolhida em termos de volume por conta do investimento massivo no ano passado e também por causa do estoque que foi feito pelas operadoras no passado pela questão de supply chain. A gente está num momento de ciclo que dura de dois a três anos. Mas o Brasil não está descolado como um todo, porque têm países crescendo mais que a gente.
Quem está puxando as vendas da produção local é o 5G Standalone?
Dienstmann – É a produção do rádio, independente de ser standalone ou não standalone. O que define se a rede é ou não standalone é o core.
Hoje vocês têm contrato para fornecer 5G com quais operadoras no Brasil?
Dienstmann – Todas as grandes.
Brisanet, Unifique e Cloud2U procuraram vocês?
Dienstmann – Já temos negócio fechado com entrantes também, sites em operação. Fechamos com Winity e Cloud2U.
Na última década, a gente teve um movimento de concentração de mercado dos fabricantes de equipamentos. O cenário mudou muito, a quantidade de players diminuiu devido a fusões. No entanto, quem ficou aparentemente não está navegando em oceano azul. Que fatores pesam para este cenário desafiador e prolongado? Já é o Open Ran incomodando?
Dienstmann – Não é o Open Ran, não. Apesar de ele estar começando a sair da caixa, não é um fator preponderante. A questão hoje, e não estou falando da Ericsson, mas do setor, é o crescimento do top line. É o crescimento dos investimentos, não é tanto a margem. As margens já estiveram piores. E isso tem a ver, primeiro, com os ciclos de investimento que aconteceram muito rapidamente na Ásia e na América do Norte, e agora chegou o momento em que eles estão racionalizando, pois já fizeram os grandes investimentos. Nós temos a sorte de ter um contrato grande na Índia, mas obviamente as margens lá não são iguais às margens da América do Norte.
Além disso, as operadoras tiveram por muito tempo como combustível o crescimento da penetração de redes e de serviços móveis, mas chegou o momento da saturação.
Hoje os caminhos, as avenidas de crescimento das operadoras, passam por novos modelos de negócio: é o mercado enterprise; é, como está acontecendo nos Estados Unidos, o FWA, que está crescendo muito forte também em alguns lugares da Ásia; e vai ser a criação de novos serviços, seja por APIs ou novos serviços próprios da operadora.
Então, mudou um pouco a natureza do crescimento do mercado de telecom. O setor está pressionado e nós, como fornecedores, temos que ajudá-lo a monetizar para a gente poder crescer também.
Tem a ver realmente com uma ressignificação do que são telecomunicações e de como as empresas podem faturar com esse serviço?
Dienstmann – É. Os serviços móveis foram construídos em cima de redes de melhor esforço e com planos de negócios baseados em crescimento. Hoje, o 5G traz a capacidade de serviços que não são “best efforts”. São serviços críticos, de alta confiabilidade, de qualidade garantida, o que não era o caso do 4G, por exemplo.
Com isso, vem a necessidade de criação de novos modelos de negócio. Então, há uma mudança cultural e tecnológica. No 4G, todo mundo usa a mesma rede se estiver na mesma geografia. No 5G, cada usuário, na verdade cada ícone do meu celular, está trafegando numa rede potencialmente diferente, com modelo de negócio diferente.
O setor sempre foi muito capital intensivo. Com o surgimento de operações de rede neutra, com a separação entre o que é serviço e o que é a infraestrutura, muda o direcionamento do destino desse capital intensivo?
Dienstmann – O setor é capital intensivo, continuará a ser. Quem fica como o ônus do investimento é que pode mudar. No caso as redes neutras, que hoje estão hoje muito no serviço fixo, mas existem alguns players que estão construindo seus negócios em redes móveis, como a Winity, eles ficam com o investimento. Mas obviamente, eles têm que repassar isso.
Nós, Ericsson, somos capital intensivo. Nosso capital é pesquisa e desenvolvimento. Para dar um exemplo, hoje as redes são 1 milhão de vezes mais rápidas do que 30 anos atrás, quando surgiu o celular. Isso só se consegue com bastante pesquisa e desenvolvimento. Isso é capital intensivo. Nós temos uma intensidade de capital alta e as operadoras continuarão com intensidade de capital alta.
A questão da rede neutra ou das operadoras integradas verticalmente é onde você vai jogar esse Capex. Agora, as operadoras têm que ser mais seletivas, buscando apostas de mais transformação e de longo prazo.
Quando eu falo em criação de novos serviços ou plataformas de API, são apostas intensivas em capital também, mas que mudam a natureza do negócio. Não é só colocar mais rádio e colocar mais fibra e mais capacidade.
Daqui a 5 anos, o que vai ser uma operadora de telecomunicações?
Dienstmann – Eu vou responder falando como é que vai ser o futuro daqui a cinco anos do ponto de vista do cliente final. O consumidor final, seja uma empresa, um porto, um aeroporto, uma fazenda, uma indústria, uma mina, vai estar com o 5G intrínseco a suas operações. Ele substituiu em alguns casos o cabo, o WiFi, ele colocou o 5G digitalizando tudo com cloud, com computer vision, com IA. Ele transformou as suas operações. Se ele é um cliente pessoa fixa, está usando realidade mista, seja com jogos, cloud gaming na rua, ele está passando por experiências que não tinha. E se eu sou uma empresa prestando serviços ao consumidor, estou usando as redes para entregar serviços que de outro modo eu não entregaria. Se sou o Netflix, o Bradesco, o Uber, ou a Rede Globo, posso comprar serviços das operadoras via APIs para prestar um serviço diferenciado.
Para que as operadoras consigam entregar estes serviços, primeiro, elas têm que ter um braço de integração de vendas e integração de redes privadas. Isso é fácil, já têm. Depois, a operadora tem que se preparar para ter esses modelos de negócios: comercialização de slicing e redes privadas.
Aí as operadoras têm que expor as capacidades de rede através de APIs para que desenvolvedores comprem essas APIs, paguem por isso, gerando receita quando o cliente final do Netflix Games aperta o ícone de games. O Netflix Games coloca esse assinante, durante o jogo, em ambiente de baixa latência, e paga x centavos por minuto para Claro, TIM ou Vivo.
Do ponto de vista do consumidor final, ele pode comprar da operadora ou dos provedores de conteúdo. Mas a gente vê que os provedores de conteúdo têm isso como core business, então a chance de o volume ser maior entre os desenvolvedores de aplicativos vai ser maior.
Falando assim, é uma solução que dialoga com o debate em torno do fair share, a respeito de como as grandes geradoras de tráfego devem contribuir para a construção das redes.
Dienstmann – Não é exatamente a discussão atual do fair share, mas guarda semelhança. É uma resposta ao fato de que o 4G não deu habilidade para as operadoras monetizarem tanto os investimentos. O 5G dá uma resposta maior.
Essa é a perspectiva para daqui cinco anos?
Dienstmann – Isso. As operadoras, para criarem isso, têm que ter uma rede robusta, difundida com capacidade indoor, com uma mistura de mid band, milimeter Wave, e low band. Essa estrutura de rede tem que estar ligada a um core standalone e esse core tem que ser orquestrável por essas APIs para ela expor os recursos da rede.
Então, tem implicações arquitetônicas e culturais. As operadoras têm que abrir mão de controlar 100% da criação de produtos para deixar terceiros produzirem em cima de suas redes.
O fato de as redes não serem mais best effort onera as empresas? O governo já até editou portaria exigindo velocidades mínimas no móvel. Será mais caro manter a estrutura de telecom no futuro?
Dienstmann – Mas a operadora vai monetizar. Uma aplicação de realidade aumentada consome 12 vezes mais recursos da rede do que no modelo best effort. É óbvio que o gigabyte de realidade aumentada não vai custar a mesma coisa que o gigabyte da best effort. Então a operadora vai ter que precificar. Se, por um lado, ela investe mais, por outro, ela monetiza esse investimento. Seria inocente imaginar que as operadoras vão dar de graça um serviço de cloud gaming e edge cloud para a Netflix sem cobrar nada por isso.
Hoje todo mundo sabe qual operadora usa e quais vantagens vê na operadora utilizada. Com esse modelo, o nome da operadora deixa de ter importância, passando a ter mais peso para o consumidor qual aplicativo oferece melhores condições de uso ou acesso a seu conteúdo?
Dienstmann – Eventualmente o aplicativo vai funcionar melhor numa rede 1 que numa rede 2. Lembra que anos atrás tinha o chamado ranking do Netflix? Eles colocavam as melhores operadoras e muita gente mudou de banda larga por causa disso. Você vai ter operadoras que vão melhor do que a outra, então o secret souce não é somente ter a capacidade de integração, mas também uma rede robusta.
Vai mudar a relação de varejo da operadora com o consumidor?
Dienstmann – Não. Talvez o os atributos que ela vai ter que vender para o varejo sejam diferentes. Hoje, os atributos são cobertura, preço por gigabyte e serviços adicionais. No futuro, ela vai se vender como uma melhor plataforma de cloud gaming, como a melhor plataforma de serviço de segurança pública para o governo, a melhor de plataforma de realidade aumentada… Mudam os atributos que ela vende, mas a relação de varejo continuará a mesma.
As operadoras brasileiras estão bem posicionadas para atingir esse modelo que você descreve?
Dienstmann – Estão, estão bem maduras.
E vão atingir isso com o resto do mundo?
Dienstmann – A Alemanha está um pouco à frente com a Deutsche Telekom. A Espanha está fazendo um teste nacional com todas as quatro operadoras. Nos EUA, a T-Mobile, por exemplo, colocou um slice aberto para desenvolvedores em Seatle e em a toda região do Vale de Silício.
Outros países já estão se movimentando, mas a gente não vai ficar para trás. Muito em breve a gente vai ter alguns anúncios aí que mostram que a gente está em pé de igualdade. Até porque nós temos um ecossistema de startups muito potente.
O Open RAN, como está se desenvolvendo do ponto de vista de vocês?
Dienstmann – A gente acredita no futuro de redes abertas. Então nós estamos ajudando no desenvolvimento não só do Open RAN, mas também do cloud RAN. Já temos arquiteturas vislumbradas para ir para esse lado. É inexorável, o mundo vai para lá. O grau é que não se sabe ainda. As primeiras experiências ainda estão dando resultados mistos em termos de eficiência versus custo e complexidade de integração. O custo Inicial é baixo, mas tem que integrar vários fornecedores. A gente acredita no mundo mais aberto e aposta por esse lado.
E a Ericsson vai mudar seu modelo de trabalho?
Dienstmann – A gente sempre vai ter o hardware, porque certas partes do hardware exigem especialização muito grande. A gente tem, por exemplo, Asics. A gente tem uma liderança muito grande nesses chips que estão dentro dos rádios, das basebands, que entregam capacidades que o Open RAN ou processador genérico não consegue atingir.