Deputada, operadoras e Anatel debatem o “Fair Share” em encontro no Rio

Operadoras apresentaram sua visão relacionada à dificuldade do financiamento de infraestrutura para manter capacidade diante do aumento do tráfego de dados

(Foto: Freepik)

A necessidade de responsabilização das plataformas grandes geradoras de tráfego na expansão, manutenção e atualização tecnológica das redes que viabilizam o fluxo de dados online, foi o tema central do primeiro Diálogo Brasil-Europa sobre Agenda Digital e “Fair Share”, em prol da universalização da conectividade significativa, que aconteceu hoje, 1º, no Rio de Janeiro.

Promovido pela operadora TIM, o encontro não contou com a presença da imprensa e reuniu representantes da Câmara dos Deputados, do Parlamento Europeu, da Anatel, da GSMA, da Conexis, acadêmicos e executivos das principais operadoras brasileiras com o objetivo de discutir mecanismos de equilíbrio e sustentabilidade financeira dos investimentos das companhias de telecomunicações para atender à sociedade.

Nas últimas semanas, líderes das 20 principais operadoras de telecomunicações europeias – dentre elas, Telefónica, Vodafone, Deutsche Telekom, Orange e TIM – publicaram uma carta aberta à Comissão Europeia ressaltando a importância de uma legislação “Fair Share” para a Agenda 2030. O tema está em pauta na União Europeia diante da perspectiva de insustentabilidade da situação atual e, inclusive, já foi objeto de uma consulta pública sobre o futuro do setor das comunicações eletrônicas e de sua infraestrutura.

“O Comissário Thierry Breton propôs endereçar a necessidade de investimentos em infraestruturas digitais, que a Comissão Europeia estima em cerca de 200 bilhões de euros, por meio da Lei das Redes Digitais (Digital Networks Act – DNA), uma lei que objetiva promover uma maior integração das telecomunicações no mercado interno e, assim, permitir que a Europa se torne um ‘continente digital’ melhor’”, afirmou o político alemão Andreas Schwab, no encontro.

No Brasil, o debate sobre o “Fair Share” também ganha corpo. A Anatel acaba de encerrar uma tomada de subsídios sobre as responsabilidades de grandes usuários de redes de telecomunicações e tem a expectativa de lançar, até o final do ano, consulta pública sobre a sustentabilidade financeira do ecossistema digital.

Presente no debate, o Presidente da Anatel, Carlos Baigorri, reiterou a preocupação com o poder de influência exercido pelas plataformas. “Esse é um debate fundamental que está acontecendo no mundo afora e a Anatel não vai se omitir de enfrentá-lo”, disse. “Não é mais possível pensar em diferentes indústrias: a de telecom, a das OTTs (plataformas over-the-top, nas quais a conexão é feita diretamente entre a plataforma e o consumidor final), e a dos fabricantes. Temos que pensar como um grande ecossistema digital, no qual todos os elos da cadeia são necessários”, acrescentou.

Ao fim de 2022, o Congresso Nacional iniciou a discussão sobre essa temática, em meio ao Projeto de Lei 2768/2022, que tem por objetivo a regulação das plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro. Presente no encontro, a deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora do PL na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados, reforçou que “para uma regulação equilibrada do nosso ecossistema digital, que estamos buscando com o PL 2768/2022, há necessidade de ouvir especialistas, dialogar com autoridades locais e partes interessadas, bem como estímulo aos novos modelos de negócios baseados em conectividade, incentivo a investimentos para a garantia da conectividade significativa.”

TRÁFEGO DE DADOS – Autor do estudo “A Nova Relação entre Infraestrutura e Plataformas Digitais: Neutralidade de Rede, “Fair Share” e Sustentabilidade Digital”, o professor Ricardo Campos, docente nas áreas de proteção de dados, regulação de serviços digitais e direito público na Faculdade de Direito da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha), explicou que, “nos últimos anos, temos testemunhado a expansão exponencial do tráfego de dados causado pela conexão digital global. Esse aumento implica que as empresas de telecomunicações invistam vultosas quantias em desenvolvimento e atualização de infraestruturas”. Em seu trabalho, o professor conclui que todos os investimentos que vem em prol da acessibilidade digital e do cumprimento de metas de ampliação da conectividade não podem ser arcados exclusivamente pelas operadoras e suportados apenas pelos consumidores finais. “Torna-se necessário que todos aqueles que se beneficiam das melhorias na infraestrutura de telecomunicações sejam incluídos no custeio da infraestrutura”, disse.

Lucas Gallitto, diretor para a América Latina da GSMA, reforçou que “a próxima onda de serviços digitais exigirá investimentos maciços em infraestrutura, bem como decisões para promover a inclusão daqueles que estão em áreas já atendidas, mas não estão conectados. A tônica deve estar centrada na forma de reequilibrar o poder de mercado ao longo da cadeia de valor da Internet para torná-la mais forte, garantir contribuições adequadas para a sustentabilidade da rede e salvaguardar a transformação digital.”

Marcos Ferrari, presidente da Conexis, lembrou que atualmente 80% da rede móvel é ocupada por aplicativos das seis big techs. “Vai chegar um ponto em que vai parar. E tenho certeza de que não é isso que as big techs querem. É preciso que haja diálogo entre os dois setores e os órgãos reguladores competentes”, defendeu. Ele destacou que a taxa média de retorno das operadoras de telecomunicações gira em torno de 8%, na média mundial, enquanto a das big techs é da ordem de 30%. “Se considerar a taxa Selic, nossa taxa de retorno é negativa”, ponderou. Desde a privatização, em 1998, as operadoras de telecomunicações já investiram mais de um R$ 1 trilhão de reais no país, alocando cerca de R$ 40 bilhões ao ano.

Para Mario Girasole, VP de Assuntos Regulatórios e Institucionais da TIM, “hoje o sistema está desequilibrado”. “As prestadoras de serviços de telecom são remuneradas pela conexão dos clientes finais, que não compensam a performance garantida para o crescente tráfego das big techs. Por sua vez, essas plataformas monetizam a qualidade do tráfego e não remuneram o investimento que é provido”, afirmou. “A pauta está na Europa e no Brasil. Ambos estão vendo o mesmo problema. Se o tema assumiu a etiqueta de ‘Fair Share’, significa que algo de unfair está acontecendo”, emendou.

Camilla Tapias, VP da Vivo, defendeu que as telecomunicações têm um mercado de dois lados, em que o serviço das operadoras é prestado tanto para os consumidores, quanto para as plataformas digitais, e por isso deveria ser pago por ambos. “Só os consumidores pagam porque quando esse mercado surgiu, o tráfego era pequeno. Mas a qualidade do ecossistema está sob risco e nós queremos resolver o problema sem impactar os usuários”, disse a executiva. A proposta, segundo ela, é de que as grandes empresas geradoras de tráfego sejam obrigadas a negociar um pagamento, e que a negociação seja livre entre as partes e que a Anatel tenha a prerrogativa de arbitragem em caso de insucesso das negociações.

Para Oscar Petersen, VP de Assuntos Regulatórios da Claro, o “Fair Share” não pode ser encarado apenas como uma disputa econômica entre as operadoras e as big techs. “É, principalmente, uma necessidade social. Primeiro, porque são as redes de telecomunicações que levam a infraestrutura da internet para todos os rincões do país e do mundo, para que todas as pessoas e empresas tenham acesso ao mundo digital. Segundo, porque se simplesmente subirmos os preços para arcar com os investimentos necessários para suprir o aumento contínuo do tráfego de dados, uma parte da população ficará sem conexão”. Segundo ele, apenas entre os meses de fevereiro de 2022 e 2023 as redes fixas e de celular da Claro registraram um incremento de 38% no tráfego de dados.

Para Adriana Cunha, VP de Assuntos Regulatórios da Oi, é preciso solucionar as externalidades negativas e assimetrias regulatórias presentes na relação atual entre OTTs e operadoras para evitar que o consumidor final seja colocado em risco, com restrições de ofertas de produtos e serviços, além da perda de qualidade. “A empresa que presta serviço ao usuário final tem que arcar com um custo de rede que não é equilibrado com a receita que obtém. Por isso, as Big techs devem contribuir para o ecossistema como um todo, em todos os elos da cadeia até chegar ao usuário final – o que seria o justo.”

O evento não contou com participação de representantes das OTTs ou Big Techs. (Com assessoria de imprensa)

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Rafael Bucco

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