de Lucca: A Anatel pode levar a decisão da Aneel para a conciliação da AGU

Enquanto o imbróglio da aprovação da nova regulamentação dos postes não for aprovado, a sociedade brasileira continua a ser a maior prejudicada.
embate Anatel Aneel
Marcos de Luca, do MMIGLIO advogados

Por Marcos de Lucca Fonseca

A Diretoria da Aneel, em reunião de seu colegiado realizada no dia 23/07/24, extinguiu o processo administrativo nº 48500.003090/2018-13, cujo objetivo era o de aprimorar a Resolução Conjunta nº 04/2014, que trata da regulamentação sobre Compartilhamento de Infraestrutura entre os setores de energia elétrica e de telecomunicações (uso de postes).

A revisão estava em pauta desde 2018 e, dado a sensibilidade do tema para as prestadoras do serviço de telecomunicações (especialmente para as Prestadoras de Pequeno Porte), o assunto sempre esteve na ordem do dia para o setor, com inúmeras manifestações, tanto das agências reguladoras, quanto de seus respectivos órgãos ministeriais. A expectativa era de que nova proposta de regulamentação estava “prestes a ser publicada”.

Após extensa tramitação e realização de inúmeras Consultas Públicas e Análises de Impacto Regulatório, em outubro de 2023 o Conselho Diretor da Anatel aprovou a minuta da nova regulamentação que, dentre outros temas de salutar importância, determinava que seria dever da distribuidora de energia elétrica ceder o direito de exploração comercial de Espaços em Infraestrutura, sempre que houver terceiros interessados. O Relator do processo na Aneel, Diretor Hélvio Neves Guerra, apresentou o seu voto favorável à versão aprovado pelo Conselho Diretor da Anatel.

No mesmo dia em que o Conselho Diretor da Anatel aprovou tal minuta, o Diretor da Aneel Fernando Mosna pediu vistas, suspendendo, assim, a tramitação do processo. Um dos principais pontos de discordância entre a Anatel e parte da Diretoria da Aneel era justamente a respeito da cessão da exploração do compartilhamento de infraestrutura para terceiros.

Na reunião da Diretoria da Aneel realizada no dia 21 de maio de 2024, o Diretor Fernando Mosna apresentou o seu Voto-Vista que, dentre outras alterações, sustentou que a cessão da exploração do compartilhamento por terceiros não seria uma obrigação (como estava determinado na minuta de Resolução aprovada pela Anatel e pelo Relator Hélvio Guerra), mas sim condicionada a uma análise de resultados de avaliação de desempenho das concessionárias de energia feito anualmente pela Superintendência de Fiscalização Técnica dos Serviços de Energia Elétrica – SFT em conjunto com a Superintendência de Regulação dos Serviços de Transmissão e de Distribuição – STD. O Diretor-Geral da Aneel, Sandoval de Araújo, pediu vistas suspendendo, novamente, o processo de aprovação da nova regulamentação do compartilhamento de infraestrutura. Na reunião da Diretoria da Aneel realizada em 16/07/24 o Diretor Geral solicitou dilação do prazo do pedido de vistas, que foi aprovado pelo colegiado da Diretoria da Aneel.

Decreto

Diante da falta de consenso entre as duas Agências Reguladoras, em 21/06/24 foi publicado o Decreto Federal nº 12.068/2024, que inseriu a obrigatoriedade de cessão onerosa da faixa de ocupação e dos pontos de fixação para terceiros como uma das condicionantes para a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica. Tal obrigatoriedade foi prevista no art. 16 deste Decreto, vide:

Art. 16. As concessionárias de distribuição de energia elétrica deverão ceder a pessoa jurídica distinta o espaço em infraestrutura de distribuição, as faixas de ocupação e os pontos de fixação dos postes das redes aéreas de distribuição destinados ao compartilhamento com o setor de telecomunicações.

  • A cessão de que trata o caput será onerosa e orientada a custos.

Com a publicação do Decreto Federal supracitado que, ao regular a obrigatoriedade da cessão do espaço em infraestrutura de distribuição, termina com o embate das Agências Reguladoras sobre a faculdade ou obrigatoriedade da cessão da exploração do compartilhamento para terceiros, havia a expectativa que a publicação do novo Regulamento de Compartilhamento de Postes entre Distribuidoras de Energia Elétrica e Prestadoras de Serviços de Telecomunicações seria, finalmente, publicado. Pois bem, não foi o que ocorreu.

Na reunião da Diretoria da Aneel realizada ontem, 23/07/24, o Diretor Geral Sandoval de Araújo apresentou o seu Voto-Vista, sustentando a necessidade de extinção do processo de aprovação da nova regulamentação devido ao fato de a publicação do Decreto Federal nº 12.068/2024 afetar significativamente a estrutura da minuta até então em análise. No entendimento de Sandoval

A meu ver, há uma questão jurídica e contratual importante nesta “imposição”, com potencial risco de judicialização. O poste é ativo vinculado ao serviço público de distribuição de energia elétrica, ativo que consta nos contratos de concessão/permissão das distribuidoras. A responsabilidade pela gestão desse ativo é da distribuidora, cabendo a ela decidir, nos termos dos contratos vigentes, qual o melhor modelo e quais riscos devem ser assumidos ou repassados a terceiros nessa gestão.

Ao concluir o seu voto, fundamentou que a decisão do processo foi prejudicada por fato superveniente, razão pela qual deveria ser extinto, sem decisão de mérito, e determinada a devolução da matéria às unidades da Superintendência de Regulação dos Serviços de Transmissão e de Distribuição de Energia Elétrica – STD, para nova instrução processual e sorteio de novo Diretor-Relator. O colegiado da Diretoria da Aneel acolheu o Voto-Vista, pugnando pela extinção do processo.

A Anatel, por sua vez, se manifestou oficialmente em discordância da decisão da Aneel que extinguiu processo de compartilhamento de postes1, uma vez que a decisão do regulador do setor de energia elétrica poderia provocar retrocesso em discussão essencial para a sociedade brasileira, vejamos:

A extinção representa um retrocesso na discussão do tema e trará impactos significativos na expansão da conectividade dos brasileiros. Os postes são infraestrutura essencial na instalação de cabos utilizados em diversos serviços de telecomunicações, especialmente o acesso à internet. A decisão de arquivamento perpetua o estado crítico de desordem organizacional do uso de infraestrutura dos postes no país com terríveis consequências sociais e retarda o desfecho de um problema que precisa ser resolvido o mais rapidamente possível.

Além disso, a posição da Anatel afirma que a resolução aprovada pela agência é aderente aos normativos jurídicos, especialmente com a Portaria Interministerial MCOM/MME nº 10.563, de 25 de setembro de 2023, que instituiu a Política Nacional de Compartilhamento de Postes (“Poste Legal”), bem como com o disposto no Decreto Federal nº 12.068/2024.

E agora?

Caso a Anatel tenha interesse em levar o assunto adiante, é preciso destacar que no âmbito da Advocacia-Geral da União (AGU) existe a Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal, que integra a Consultoria-Geral da União, órgão de direção superior da AGU, que tem a missão institucional de atuar, por de meio de autocomposição, na busca da prevenção e solução consensual de conflitos que envolvam órgãos da administração pública federal, autarquias ou fundações federais.

De acordo com a Portaria nº 1.281/2007, diante da ocorrência de uma controvérsia de natureza jurídica entre órgãos e entidades da Administração Federal, poderá ser solicitada a conciliação por meio da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF. Tal solicitação poderá ser feita por Ministros de Estado, dirigentes de entidades da Administração Federal indireta, Procurador-Geral da União, Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Procurador-Geral Federal e Secretários-Gerais de Contencioso e de Consultoria. Importa destacar que, de acordo com informações que constam no próprio website da CCAF, o tempo entre as etapas do requerimento da solicitação da Câmara, juízo de admissibilidade, até a finalização do Termo de Conciliação, pode durar, até 06 (seis) meses.

Enquanto o imbróglio da aprovação da nova regulamentação não for aprovado, a sociedade brasileira continua a ser a maior prejudicada. Perde o cidadão, que continua a ser prejudicado pelos riscos diários que o uso desordenado dos postes provoca ao seu deslocamento, especialmente nas vias públicas das grandes cidades brasileiras.

Quem perde

Perde o consumidor dos serviços de telecomunicações, uma vez que os valores que muitas prestadoras de serviço de telecomunicações (em especial as Prestadoras de Pequeno Porte – PPPs) pagam às distribuidoras de energia são exorbitantes, uma vez que o preço cobrado por pontos de fixação em algumas localidades ultrapassa R$ 14,00/mês. Certamente um valor justo e razoável, como determina inclusive o próprio art. 73 da Lei Federal nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), poderia contribuir para o aumento da competitividade das prestadoras, com consequente melhoria dos preços e qualidade dos serviços prestados.

Também perdem as prestadoras de serviço de telecomunicações uma vez que, além dos valores completamente desarrazoados pagos às distribuidoras de energia para a utilização dos postes, sofrem com a utilização de uma infraestrutura precária, altamente custosa, com maior risco de rompimentos, sem contar com a constante dificuldade de aprovação de projetos devido, dentre outros fatores, à utilização de espaços nos postes à revelia – ou pelo fato de prestadoras de um mesmo grupo econômico utilizarem mais de um ponto de fixação.

Enfim, fica a pergunta:

A não aprovação do novo regulamento de compartilhamento de infraestrutura entre os setores de energia e de telecomunicações interessa a quem?

 

1 Anatel manifesta discordância da decisão da Aneel que extinguiu processo de compartilhamento de postes — Agência Nacional de Telecomunicações (www.gov.br)

* Marcos de Lucca Fonseca é sócio do escritório MMGLIO Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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