Coronavírus: fábricas locais podem parar por falta de insumos chineses

Indústria de eletroeletrônicos já sente o reflexo nas cadeias de suprimentos por conta da epidemia na China, segundo a Abinee. Quase metade das importações realizadas pelo setor vem da China, país que é o epicentro do surto.

Para além dos temores de que o surto do novo coronavírus 2019-nCoV se espalhe pelo mundo fazendo milhares de vítimas, executivos da indústria eletroeletrônica brasileira alertam para os reflexos já perceptíveis sobre a produção nacional e a economia.

Boa parte dos componentes de aparelhos, como smartphones e computadores vêm da China, o país onde foi identificado o primeiro caso da doença. Lá, o governo restringiu viagens pelo interior e para fora do país e determinou que trabalhadores que viajaram para participar de comemorações do Ano Novo Chinês, principal feriado local, não retornem às cidades onde vivem até segunda ordem. Estima-se que 50 milhões de pessoas tenham sido afetadas pelas medidas de quarentena.

A província de Hubei, cuja capital é Wuhan, cidade de cerca de 11 milhões de habitantes onde o paciente número um foi hospitalizado no final de dezembro, está isolada. Os chineses construíram ali um hospital com 1 mil leitos em 10 dias para atender os pacientes, e não foi suficiente. Hoje, 5, anunciaram que contabilizam 8 mil casos comprovados ou suspeitos, e por isso estão disponibilizando mais 10 mil leitos em espaços públicos, para onde os doentes serão levados e tratados. Diz o governo chinês que “nenhum paciente será deixado para trás”.

Acontece que Hubei é uma região produtora de alta tecnologia. Wuhan é responsável, sozinha, por cerca de 4% do PIB chinês. Lá estão localizadas fábricas de semicondutores e telas que acabam chegando ao mercado brasileiro. Ao mesmo tempo em que os trabalhadores chineses que viajaram para o festival do Ano Novo não voltam, os que ficaram estão sendo recomentados a permanecer em casa, deixando a movimentada urbe com ares de cidade fantasma. Mesmo quando a linha de produção é ativada, funcionários que respondem a empresas ocidentais para certificar o controle de qualidade foram orientados a não ir trabalhar, segundo o jornal japonês Nikkei, especializado na cobertura da indústria asiática.

Outras províncias também adiaram o retorno aos trabalhos. A Foxconn, que produz o iPhone, da Apple, voltará a fabricar apenas em 10 de fevereiro – suas instalações ficam na província de Henan.

No Brasil, indústrias já cogitam parar

Tudo isso já tem reflexos no Brasil. Segundo Humberto Barbato, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a entidade está finalizando uma sondagem entre os associados. Os resultados preliminares apontam que já há falta de componentes e materiais. Alguns fabricantes apontam que será preciso paralisar a produção “nos próximos dias”. O executivo classifica a situação como muito preocupante.

Para Pietro Delai, gerente de pesquisa de mercado da consultoria IDC Brasil, os reflexos da epidemia sobre o mercado brasileiro, e latino-americano, são inevitáveis dado o volume de componentes que vêm da China para a produção local de eletroeletrônicos. “Na América Latina pode haver redução da cadeia de suprimentos, pois todos os fabricantes dependem de insumos trazidos da China. Também há reflexo em exportação. Chile e Argentina, por exemplo, vendem lítio para a manufatura de baterias pelos chineses”, afirma. Segundo ele, as regiões em quarentena produzem 25% dos smartphones do mundo.

Reinaldo Sakis, gerente também da IDC Brasil focado na pesquisa do mercado de dispositivos, ainda é cedo para determinar se haverá inflação de preços dos eletrônicos no país. “Em alguns momentos de 2019 o varejo e os canais estavam hiperestocados [e poderiam manter as vendas]. Se janeiro e fevereiro deste ano estiverem com vendas acima do previsto, pode ser que haja um efeito de desabastecimento ou elevação de preços, uma vez que os canais estão com margens bastante comprimidas e não teriam como absorver o aumento”, explica.

A indústria eletroeletrônica brasileira exporta 2% de seus produtos para a China, cerca de US$ 136 milhões. Mas importou em 2019 nada menos que 45% de produtos do país asiático, um volume equivalente a US$ 14,2 bilhões, conforme dados oficiais reunidos pela Abinee.

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Rafael Bucco

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