STF: Divergência à anulação de leis estaduais de telecom é minoria, mas cresce

Tese de Moraes, que já conta com mais adeptos, considera que em prol da proteção de direitos como dos consumidores e do meio ambiente, o Supremo deveria adotar "interpretação mais elástica".
Tese crescente defende flexibilização dos entendimentos em ações acerca da competência para legislar sobre telecom | Foto: STF
Tese crescente defende flexibilização dos entendimentos em ações acerca da competência para legislar sobre telecom | Foto: STF

Nos últimos meses, cresce no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) o entendimento de que a Corte deveria passar a considerar a legitimidade de leis e normas estaduais que estejam impondo regras para setores regulados por órgãos federais, como telecom, levando em conta dispositivo da Constituição que prevê competência “concorrente” aos entes locais em alguns temas. Embora ainda represente uma minoria, a divergência ganhou novos adeptos.

O posicionamento mais firme vem sendo aplicado pelos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes para leis e normas que dizem respeito à proteção ao meio ambiente, ponto em que a ministra Cármen Lúcia também já se manifestou alinhada. Em sentido semelhante, um grupo maior de ministros também estão se posicionando sobre a manutenção de regras estaduais que impactam o direito do consumidor, tema que inclusive saiu do julgamento virtual e aguarda análise no plenário físico.

A mudança no placar vem ocorrendo no último ano e se reflete no recente julgamento das normas de licenciamento para Estações Rádio Base (ERB) – torres de celulares – no Rio Grande do Norte, que teve decisão publicada na última sexta-feira, 24. Embora o resultado tenha sido pela inconstitucionalidade da norma, a medida se deu por 8 a 3, enquanto que no ano passado uma ação semelhante passou com 10 a 1.

Em junho do ano passado, o ministro de número 1 era Edson Fachin. O julgamento em questão foi uma ação da Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) contra a lei do Estado de Alagoas – ADI 7321. O dispositivo questionado citava as ERBs entre empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental, levando em conta níveis de radiação emitidos por antenas.

À época, o relator Gilmar Mendes votou por anular a lei estadual, por entender que houve invasão de competência da União, já que o serviço é regulado no âmbito federal, destacando precedentes do Supremo. Fachin, por sua vez, entendeu o contrário. “Uma coisa é reconhecer que a norma federal já disciplinou o tema e que, no atual estado do conhecimento científico, os níveis admitidos pela União são razoáveis; outra, bastante diversa, é afirmar que todos os demais itens de um licenciamento ambiental já estão contidos na mesma norma federal que disciplinou os limites dos campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos”, exemplificou o único ministro divergente.

No mesmo voto, Fachin também mencionou a alegação do Estado de Alagoas ao editar a norma, evidenciando a previsão na Constituição Federal de que a competência no caso seria “concorrente e comum, pois a norma tem natureza ambiental”.

“A União bem poderia, sob o fundamento de sua competência privativa, definir atividades cujo licenciamento seria conduzido pelos órgãos federais. À míngua de norma federal expressa que, de forma nítida, retire as competências dos Estados, deve este Tribunal abster-se de tolher a competência que se deve presumir dos demais entes da federação”, defendeu Fachin, no caso – contudo, vencido pela maioria.

‘Interpretação elástica’

No mais recente julgamento sobre lei estadual do Rio Grande do Norte, que também exige licenciamento ambiental para instalação e funcionamento de ERBs, quem levantou a divergência foi o ministro Alexandre de Moraes, defendendo “uma interpretação mais elástica, no sentido de permitir aos Estados-membros e mesmo aos Municípios a possibilidade de legislar”.

Moraes, inclusive, citou o voto divergente de Fachin na ADI 7321, mesmo sem ter o acompanhado naquela oportunidade. “[…] colher os argumentos da requerente [Acel] acarretaria reconhecer que ‘qualquer empreendimento regulado pela União será necessariamente por ela licenciado, como se a competência privativa funcionasse como verdadeira via atrativa de todo o direito ambiental’, o que, além de constitucionalmente inadequado, à luz do modelo federal brasileiro, contrasta com a normativa infraconstitucional aplicável à espécie, que atribui essa competência material aos Estados e aos Municípios”, escreveu o ministro.

Neste recente voto, Moraes replicou parte dos mesmos entendimentos manifestados por ele em voto favorável a uma lei do Estado de Mato Grosso do Sul, que obriga provedores a informar na fatura qual foi a média diária de velocidade entregue aos consumidores da região, sendo rede móvel ou fixa. No caso, que tem o direito do consumidor no cerne, o magistrado foi acompanhado por outros seis ministros (incluindo o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso), mas Gilmar Mendes pediu destaque, o que interrompe o julgamento virtual e submete o tema a uma recontagem de votos presencialmente, ainda sem previsão de quando isso pode ocorrer.

Entre os próximos julgamentos que podem indicar o status do entendimento no Supremo está uma ação contra dois atos normativos que estabelecem condicionantes adicionais para a instalação e operação de infraestrutura em Manaus – a ADPF 1064, movida pela Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (Abrintel) – prevista para entrar em plenário virtual na próxima sexta-feira, 31.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura dos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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