Bonilha e Santos: FUST deve ser levado a sério

Para Caio Bonilha e Márcio Santos a crise gerada pelo Covid-19 abre mais uma oportunidade para o setor se mobilizar na defesa de uma nova legislação que permita a utilização dos recursos do FUST para a expansão da banda larga. Reproduzindo os Titãs - " a gente quer saída para a internet para qualquer parte", afirmam.

 

Há alguns dias, a imprensa especializada[1] deu conta de decisão do Presidente do STF, por meio da qual foi cassada liminar anteriormente concedida ao SindiTelebrasil, que pretendia a suspensão do pagamento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), obviamente estribada nas conhecidas dificuldades financeiras geradas pela peste C-19. Segundo a Ancine,  o produto da arrecadação da Condecine compõe o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), sendo revertido diretamente para o fomento do Setor[2].

Ainda de acordo com a matéria citada, a Condecine-Teles responde por 80% do FSA, que impulsiona as produções cinematográficas no país. Se mantida, a suspensão representaria R$ 743 milhões a menos na conta desse Fundo Setorial. Uma rápida pesquisa na Internet[3] revela o quanto foi investido em Ações e Programas de 2008 a 2018 pelo FSA. No total e para o mesmo período, foram disponibilizados mais de R$ 4,5 bilhões.

Estudo inédito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizado no final de 2018, mostra que a cada R$ 1 investido por patrocinadores em 53.368 projetos culturais por meio da Lei Rouanet em 27 anos, R$ 1,59 retornou para a sociedade em movimentação financeira, através dos mecanismos da mesma Lei, cujo impacto econômico total sobre a economia brasileira teria sido de R$ 49,8 bilhões em quase trinta anos de existência[4].

Segundo a Finep, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), existem 16 Fundos Setoriais que atendem a setores como o da saúde, agronegócio e de infraestrutura. Desde sua implementação, no início dos anos 2000, esses Fundos Setoriais têm se constituído no principal instrumento do Governo Federal para alavancar o sistema de C,T&I do País. A página da Finep[5] tem dados bastante transparentes sobre as aplicações feitas.

O Turismo tem seu fundo, o Fungetur, que anunciou recentemente medidas para atenuar os impactos da praga C-19[6].

Por que somente o Setor das Telecomunicações no Brasil não consegue fazer funcionar minimamente os seus Fundos? Por que os outros têm e nós não temos? O que nos faz menos competentes que os demais setores?

Segundo a Anatel, até 2020, mais de R$ 22 bilhões foram arrecadados pelo Fust[7] em valores históricos, o que corresponderia a mais de R$ 35 bilhões, se fossem corrigidos monetariamente. A página do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a respeito do Funttel, tem dados atualizados apenas até o ano de 2015[8]. Para não nos demorarmos muito nos números, o SindiTelebrasil estima que, ao total, quase R$ 100 bilhões foram arrecadados, dos quais apenas 8% teriam sido aplicados no Setor[9].

É imprescindível que o MCTIC, inclusive por força do flagelo C-19, na medida das suas possibilidades, dê encaminhamento ao Anteprojeto proposto pela Anatel para a alteração da Lei Geral de Telecomunicações e a própria Lei do FUST[10]. Ou mesmo ingresse na discussão, de modo a  interferir positivamente para a aprovação, pela Câmara, de substitutivo ao Projeto de Lei n. 1481/2007[11], que é bem similar ao Anteprojeto elaborado pela Agência, apesar de excluir do seu texto citação nominal a um dos mais importantes instrumentos de política pública: o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações. Há alguns dias, a Anatel, via Ofício, relembrou ao MCTIC a necessidade de alteração da Lei do FUST[12].

Por que é tão difícil criar-se um fundo apto a massificar a banda larga no Brasil?

A par dos problemas que possa conter, não se pode dizer que o PL 1481/2007 (sim, de 13 anos atrás) não dê alguma solução para um problema tão conhecido quanto antigo, que é a impossibilidade de utilização do FUST para outro investimento que não seja no Serviço Telefônico Fixo Comutado, o único serviço público em concessão no país.

Nos últimos anos, as grandes operadoras focaram muito mais no projeto que veio a resultar na Lei 13.879/2019, que, grosso modo, permite a adaptação das concessões em autorizações, do que em iniciativas que viessem a constituir um fundo que pudessem chamar de seu. Por que tanto esforço num sentido e tão pouco no outro? Não acreditamos que pensem que o um fundo setorial em operação beneficie mais as Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs) do que a si próprias.

Por outro lado, as PPPs, muito embora tenham direcionado valorosos esforços na direção de um fundo garantidor para a tomada de empréstimos a serem vertidos nas suas redes, deixaram de dar a devida a atenção à modificação da Lei do FUST. Mesmo agora,  em meio a esta calamidade viral, o que chama a atenção é que as PPPs, através das suas respectivas associações, parecem esquecer de dirigir suas ações institucionais no sentido de resolver o problema do Setor com uma medida estruturante: a criação de um fundo. Em recente manifesto pela preservação da Internet, assinado por dez entidades nacionais e estaduais, nenhuma palavra sobre o FUST[13].

Apesar de relevantes para o atual momento, o que se vê são inciativas imediatistas para conter a inadimplência, que atacam a consequência e não a causa.

Embora fosse até recomendável, não se deve ter a menor esperança de utilização do quanto já está depositado no FUST para ações pontuais, para o agora e ou para o futuro. A propósito, numa negociação republicana, o momento é oportuno para deixar essa vultosa quantia nos cofres do governo, em troca de uma nova lei que pense a banda larga no Brasil daqui para frente. Deixamos de resolver o futuro a pretexto do que foi depositado no passado.

A crescente demanda por conteúdo audiovisual, ensino à distância e mesmo as ações artísticas, patrocinadas ou não pela Lei Rouanet, vão depender cada vez mais da infraestrutura de banda larga. E a expansão dos meios necessariamente incluirá as classes menos favorecidas.

Nada contra o Fundo Setorial Audiovisual, Fungetur, demais Fundos Setoriais e muito menos a boa utilização da Lei Rouanet. Afinal, como diziam os Titãs, a gente não quer só comida; quer diversão e arte também, mas, de preferência, com cada vez mais banda larga. A gente quer saída de internet para qualquer parte.

* Caio Bonilha e Márcio Rodrigues dos Santos, sócios da Futurion

[1] https://telesintese.com.br/stf-derruba-liminar-que-suspendia-pagamento-da-condecine-pelas-teles/

[2] https://www.ancine.gov.br/pt-br/condecine

[3] https://fsa.ancine.gov.br/?q=resultados/investimentos/valores-investidos

[4] http://cultura.gov.br/projetos-da-rouanet-injetaram-r-49-78-bilhoes-na-economia-em-27-anos/

[5] http://www.finep.gov.br/afinep/66-fontes-de-recurso/fundos-setoriais/quais-sao-os-fundos-setoriais

[6] http://www.turismo.gov.br/fungetur.html

[7]https://www.anatel.gov.br/institucional/index.php?option=com_anexarlink&hash=2c9cc338ce73fae205506a2b566b9ad2&name=SérieHistóricaFUST-2001a2020.pdf

[8] https://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/fundos/funttel/funttel_receita_e_orcamento.html

[9] https://telesintese.com.br/proposta-de-desvinculacao-do-fust-pode-ser-positiva-se-dinheiro-for-aplicado-no-setor-afirma-presidente-sinditelebrasil/

[10] https://teletime.com.br/17/06/2019/anatel-publica-pert-e-anteprojeto-de-lei-do-fust/

[11] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=358126

[12] https://teletime.com.br/13/04/2020/anatel-defende-uso-do-fust-para-garantir-conectividade/

[13] http://www.pontoisp.com.br/dez-entidades-de-isps-assinam-manifesto-pela-preservacao-da-internet/

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Da Redação

A Momento Editorial nasceu em 2005. É fruto de mais de 20 anos de experiência jornalística nas áreas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e telecomunicações. Foi criada com a missão de produzir e disseminar informação sobre o papel das TICs na sociedade.

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