Auditoria do TCU critica políticas de conectividade e atuação da Anatel

Processo analisou atuação da agência no cumprimento de obrigações impostas às prestadoras. Relatório também critica falta de interlocução entre órgãos federais para políticas de conectividade.
TCU: fiscalização da Anatel é 'ineficaz' e 'falta interlocução' no governo, conclui auditoria
Técnicos da Anatel foram ouvidos em auditoria do TCU (Foto: Anatel/Divulgação)

O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou nesta quarta-feira, 19, o relatório de uma auditoria que avaliou a atuação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Ministério das Comunicações (MCom) frente às obrigações impostas às operadoras para metas de universalização dos serviços de telecomunicações e conectividade. Como resultado, a Corte apontou que há “fragilidades”.

“A Anatel não possui um controle efetivo dos compromissos e nem tem uma regularidade de fiscalização que permita um controle e acompanhamento tempestivo, o que pode gerar baixa aderência à realização dos compromissos, caso a implantação não seja em localidade compatível com o plano de negócio da empresa, por exemplo, ou que até seja compatível, mas que demande recursos a mais para a sua implementação, prejudicando a expansão do serviço de banda larga em localidades não atendidas ou que necessitem melhorias na qualidade”, diz trecho do relatório.

“”Destarte, a fiscalização tem se mostrado ineficaz no controle tempestivo dos compromissos”, consta na conclusão da apuração.

O processo de auditoria foi aberto pelo TCU em 2021, a pedido da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados (CFFC), para avaliar “em que medida os compromissos de abrangência e investimentos, definidos nos instrumentos do MCom e da Anatel, são aderentes às políticas públicas do setor de telecomunicações”. A partir da apuração, que envolveu relatos de servidores, a Corte de Contas afirmou que há “falta de interlocução” entre os órgãos federais para estratégias de inclusão digital e fez recomendações ao governo (saiba mais abaixo).

Ainda sobre a Anatel, especificamente, a apuração diz que “não foi identificada pela equipe de auditoria alguma sistematização dos dados que permita a conclusão de que há um cruzamento atualizado dos compromissos pactuados”. “Pelo contrário, verificou-se que as análises de sobreposições são realizadas por demanda, assim que novos compromissos vão sendo formulados, o que não possibilita uma visão sistêmica da política proposta, apresentando-se o risco de sobreposições, o que prejudica o atingimento das metas de inclusão digital e de melhoria da qualidade dos serviços”.

Questionada sobre o resultado, a Anatel destaca que mantém todos os compromissos de investimento e cobertura públicos em painel de acompanhamento e controle em seu site, com o fim de dar transparência e permitir o controle social de tais obrigações.

“Dado o alto volume de compromissos a se fiscalizar, há um modelo de priorizações aplicado, e todos os fluxos e estratégias de fiscalização, acompanhamento e controle são refinados para melhor eficiência. Por exemplo, enquanto no Edital do 4G o acompanhamento das obrigações se deu após o vencimento, para os Editais do 5G já existe acompanhamento desde o ano anterior ao vencimento das obrigações. Inclusive as primeiras metas já foram atestadas e garantias liberadas”, afirmou a agência em nota.

Tipos de compromisso

O relatório aprovado nesta quarta pelo TCU recomenda uma revisão na Lei Geral de Telecomunicações (LGT) no que diz respeito aos compromissos de interesse da coletividade. A Corte entende que este tipo de obrigação é previsto como exceção, mas tem sido aplicado mais do que o adequado. 

“Ficou constatado nesta fiscalização que a utilização dos compromissos de interesse da coletividade que deveria ser excepcional, em face de relevantes razões de caráter coletivo, conforme estabelecido no art. 135 da Lei Geral de Telecomunicações, se tornou a regra, dado que os valores previstos para os compromissos de investimento e adicionais superam em muito os valores arrecadados, seja em licitações de radiofrequências, seja em outros atos regulatórios, como TAC e obrigações de fazer. Tendo em vista esse fato, é importante que o legislador pense em uma atualização dessa lei”, consta no relatório.

O TCU observa que “desde 2007, o Estado tem feito a opção de destinar parte do valor das outorgas de radiofrequências para a realização de investimentos por meio dos denominados compromissos de abrangência”. No entanto, aponta que um dos resultados disso é “uma lacuna relacionada à elaboração de uma política pública de estado para o setor de longo prazo, onde sejam definidos claramente os objetivos a serem perseguidos pelo país no que se refere ao setor de telecomunicações”.

“Demonstrou-se que a política pública do setor de telecomunicações está sendo implementada, praticamente, de forma exclusiva por meio dos compromissos de expansão e de prestação dos serviços de telecomunicações fixados em atos regulatórios em geral dissociados de um planejamento de médio e longo prazos. Essa prática não consegue enfrentar as questões relacionadas à inclusão digital de toda a sociedade brasileira, principalmente das classes menos favorecidas”, conclui o relatório.

Embora o TCU pontue que os compromissos colaboraram para a expansão da infraestrutura de telecomunicações do país, alerta que “há significativa desigualdade na disponibilização do serviço de banda larga entre áreas urbanas, rurais e remotas”, inclusive com diferenças em uma mesma cidade quanto à “oferta do serviço entre bairros mais centrais e de classes mais favorecidas economicamente”.

No voto, o ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do caso, recomenda ao MCom “a necessidade de definição dos compromissos de investimentos a partir de planejamento estatal específico para o setor de telecomunicações”.

Falta de interlocução

Em resposta ao TCU durante a auditoria, técnicos do MCom e da Anatel afirmaram que “apoiam e ajudam os outros entes da federação a avaliarem casos de sobreposições de compromissos”, por exemplo, quando procurados por estados e municípios. “Entretanto, confirmam que não há uma iniciativa estabelecida no âmbito do governo em se fazer sempre essa interlocução quando da propositura de novos compromissos estabelecidos no âmbito federal”. 

“A  falta de uma interlocução com os diferentes atores destoa da boa prática de planejamento e execução de uma política pública. O MCom, como formulador da política, deveria realizar essa interface entre os demais interessados afetados diretamente pela sua implementação”, afirma o TCU.

A Corte de Contas avalia que a interlocução adequada poderia, por exemplo, ter evitado a revogação de compromissos previstos no quinto Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU V), para os anos de 2021 a 2023. Os compromissos foram revogados pelo Decreto 10.610/2021, que postergou as obrigações constantes no plano anterior, PGMU IV, para que fossem priorizados no Edital do 5G. Na prática, municípios que deveriam ser atendidos até o final deste ano tiveram prazo de implementação prorrogado até o final de 2028, gradativamente.  “Com isso, houve um grave prejuízo na implementação em 1.473 localidades da política pública de banda larga”, explica o TCU.

Além da falta de interlocução entre os órgãos, o relatório também destaca a necessidade de integração para além da esfera pública. Entre as entrevistas realizadas com representantes da sociedade civil “foi mencionado, mais de uma vez, que os dados não coletados da Anatel sobre as redes implantadas dos pequenos provedores interferem consideravelmente na alocação de compromissos propostos pela agência”.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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