Atualização da Lei de TICs entra em urgência, mas com obstáculos

Projeto de lei resume reivindicações na ampliação dos benefícios até 2049, mantidas as condições em vigor até lá, mas deixa dúvidas sobre a possibilidade de alcançar novas tecnologias.
Atualização da Lei de TICs entra em urgência, mas com obstáculos | Foto: Freepik
PL altera prazo dos incentivos previstos na Lei de Informática, de política industrial de TICs e do programa de semicondutores | Foto: Freepik

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 28, o regime de urgência ao Projeto de Lei (PL) 719/2024, que atualiza a Lei de Informática e de política industrial de tecnologias da informação e comunicação (TICs). Diferente de outras propostas que buscam acrescentar itens estratégicos, o texto é sucinto ao se ater na ampliação do prazo dos incentivos para até 2049. Na regra em vigor, o benefício vai até 2029, mas com redução gradual a partir de 2025.

A redução do escopo na atualização da lei em comparação ao que se esperava visa facilitar o avanço do tema, dada a resistência da equipe econômica em mais desonerações. Trata-se de uma tentativa de ‘fatiamento’ que gera divergências. Parte dos parlamentares defendem um outro caminho, o de incorporar novos temas ao texto com foco em baratear o custo dos equipamentos importantes para a inclusão e transformação digital.

Na prática, as leis em discussão permitem que as empresas que exercem atividades de desenvolvimento ou produção de bens de TICs façam jus a crédito financeiro decorrente do dispêndio mínimo efetivamente aplicado em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) no setor.

De acordo com dados da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), a Lei de TICs “propicia investimentos de no mínimo de 4% ao ano do faturamento das empresas, uma média quatro vezes maior do que a indústria em geral”.

No entanto, com a lei em vigor prevendo a redução de incentivos a partir de 2025, empresários estimam diminuir os investimentos proporcionalmente a partir do próximo semestre, o que preocupa representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ouvidos pelo Tele.Síntese. Apesar da nova política industrial prever em uma das missões a manutenção dos benefícios e a modernização da lei de TICs com a inclusão de itens que envolvem a produção voltada para inteligência artificial e equipamentos autônomos, por exemplo, a Fazenda é resistente devido aos impactos nas contas públicas.

Divergência

Além das Leis de Informática e TICs, o PL 719/2024 que tramitará em urgência também prorroga até 2049 os prazos do Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores),  mantendo todos os parâmetros em vigor, sem incluir a gradação para as três normas prevista no PL 13/2020, que inclusive é citado no plano de ação da nova política industrial.

O PL 13/2020, de autoria do Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), foi apresentado com o objetivo principal de estabelecer um tratamento diferenciado destinado a ampliar o fomento à inclusão digital dentro da Lei de TICs, incorporando alguns dos pontos que foram rejeitados no processo de tramitação da lei (fruto do PL 4.805/2019). Na prática, esperava-se aumentar a desoneração com a expectativa de tornar os preços mais acessíveis às empresas e também aos consumidores.

A proposta original buscava estender o benefício tributário da Lei de TICs (incluindo notebooks e unidades de processamento digitais de pequena capacidade baseadas em microprocessadores) para os casos em que o dispêndio aplicado pela empresa em atividade de pesquisa, desenvolvimento e inovação referir-se a investimentos decorrentes de tecnologias desenvolvidas fora do país.

Desde o seu protocolo, o PL 13/2020 passou apenas pela Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCTI) da Câmara dos Deputados. A aprovação se deu em novembro, com base em substitutivo apresentado pelo deputado Gilvan Máximo (Republicanos-DF), que ampliou o escopo do projeto.

Entenda a gradação

Caso o substitutivo ao PL 13/2020 seja incorporado no projeto que tem regime de urgência, os parlamentares vão ter de avaliar a inclusão de diversos pontos.  Na Lei nº 13.969/2019, que trata da política industrial para o setor de TICs e semicondutores, o substitutivo prevê novos prazos, e, em alguns casos, novas limitações percentuais, conforme a tabela abaixo:

Prazos gerais

As fabricantes de bens de TICs que investirem em atividades de P,D&I, que estiverem habilitadas nos termos da Lei de Informática poderão fazer jus a crédito financeiro decorrente do dispêndio mínimo efetivamente aplicado nessas atividades.

Segmento

Prazo em vigor

Proposta do Substitutivo

Regra geral

31 de dezembro de 2029

Bens e serviços produzidos de acordo com processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo

31 de dezembro de 2039

Bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país

31 de dezembro de 2050

Mudança de cálculo gradual

O crédito financeiro será calculado sobre o dispêndio efetivamente aplicado pela pessoa jurídica no trimestre anterior em atividade de P,D&I, multiplicado da base de cálculo do valor de investimento mínimo do período de apuração, por:

Hipótese

Valor Prazo em vigor

Proposta do Substitutivo

Empresas na região Centro-Oeste e nas regiões de influência da Sudam e Sudene, em geral.

3,24 limitado a 12,97%

31 de dezembro de 2024 31 de dezembro de 2034, mantidos os demais parâmetros
3,07 limitado a 12,29% 1º de janeiro de 2025 a 31 de dezembro de 2026 1º de janeiro de 2035 a 31 de dezembro de 2036, mantidos os demais parâmetros
2,90 limitado a 11,60% 1º de janeiro de 2027 a 31 de dezembro de 2029

1º de janeiro de 2037 a 31 de dezembro de 2039, mantidos os demais parâmetros

Empresas na região Centro-Oeste e nas regiões de influência da Sudam e da Sudene, para os investimentos em atividades de P,D&I, especificamente decorrentes de tecnologias desenvolvidas no país.

3,41 limitado a 13,65%

31 de dezembro de 2024 31 de dezembro de 2050, em 3,41 limitado a 17%
3,24 limitado a 12,97% 1º de janeiro de 2025 a 31 de dezembro de 2026
2,90 limitado a 11,60%

1º de janeiro de 2027 a 31 de dezembro de 2029

Empresas fora do Centro-Oeste, Sudam e Sudene, para os investimentos em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação decorrentes de tecnologias desenvolvidas no país

3,41 limitado a 13,65%

31 de dezembro de 2024 31 de dezembro de 2050, em 3,41 limitado a 17%
3,24 limitado a 12,97% 1º de janeiro de 2025

a

31 de dezembro de 2026

3,07 limitado a 12,29%

1º de janeiro de 2027

a

31 de dezembro de 2029

Nas demais hipóteses

2,73 limitado a 10,92%

31 de dezembro de 2024 31 de dezembro de 2034, mantidos os demais parâmetros
2,56 limitado a 9,56% 1º de janeiro de 2027 a 31 de dezembro de 2029 1º de janeiro de 2035 a 31 de dezembro de 2036, limitado a 10,24%
2,39 limitado a 9,56% 1º de janeiro de 2027 a 31 de dezembro de 2029

1º de janeiro de 2037 a 31 de dezembro de 2039, mantidos os demais parâmetros

Se relativo ao ano-calendário anterior, o calculado será da seguinte forma:

Hipótese

Valor Prazo em vigor

Proposta do Substitutivo

Para as empresas das regiões Sul e Sudeste, será calculado com os seguintes multiplicadores e não poderá ser superior aos seguintes percentuais da base de cálculo do PD&IM da Lei de Informática, no respectivo período de apuração, conforme a lei em vigor, ou sem período de apuração correspondente, conforme o substitutivo em discussão, nos seguintes termos: 1,73 e 10,92% 31 de dezembro de 2024 31 de dezembro de 2034, mantidos os demais parâmetros
1,56 e 10,24% 1º de janeiro de 2025

a

31 de dezembro de 2026

1º de janeiro de 2035 e 31 de dezembro de 2036, mantidos os demais parâmetros
1,39 e 9,56% 1º de janeiro de 2027

a

31 de dezembro de 2029

1º de janeiro de 2037 e 31 de dezembro de 2039, mantidos os demais parâmetros
Para as empresas na região Centro-Oeste e nas regiões de influência da Sudam e da Sudene, será calculado com os seguintes multiplicadores e não poderá ser superior aos seguintes percentuais da base de cálculo do PD&IM da Lei de Informática, no respectivo período de apuração, conforme a lei em vigor, ou sem período de apuração correspondente, conforme o substitutivo em discussão, nos seguintes termos: 2,41 e 12,97% 31 de dezembro de 2024 31 de dezembro de 2034, mantidos os demais parâmetros
2,24 e 12,29% 1º de janeiro de 2025 e 31 de dezembro de 2026 1º de janeiro de 2035 a 31 de dezembro de 2036, mantidos os demais parâmetros
1,90 e 11,60% 1º de janeiro de 2027 e 31 de dezembro de 2029 1º de janeiro de 2037 e 31 de dezembro de 2039, mantidos os demais parâmetros

 

Outras modificações

Além da Lei sobre a polícia industrial de TICs, o substituivo ao PL 13/2020, também altera outras três leis:

  • Lei de Informática

Diretamente na Lei de Informática (n° 8.248/1991), o substitutivo prevê que os incentivos em geral sejam prorrogados até o final de 2050, enquanto que o prazo em vigor é até 2029.

A proposta estabelece ainda que a partir do ano 2034 sejam realizadas avaliações periódicas (a cada cinco anos) da política e reorientação de metas e instrumentos, “caso necessário, conforme regulamento a ser editado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com implementação de ajustes obedecendo prazo mínimo de dois anos.

Sugere-se prever que o MCTI poderá prorrogar o prazo dado às empresas para envio anual de relatório e parecer conclusivo acerca dos demonstrativos de cumprimento das obrigações, assim como editar regulamento para priorizar destinações a organizações sociais, e detalhar aplicações complementares exigidas aos desonerados, ao invés de deixar os valores expressos na norma.

  • Lei de Importação

A proposta também inclui no rol de beneficiados pela Lei de Importação (Lei 8.010/1990) os laboratórios de empresas com reconhecimento de desenvolvimento tecnológico nacional – exclusivo para equipamentos de testes e medição previstos no Capítulo 90 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), o que inclui fibras ópticas.

  • Lei dos Padis e TV Digital

A Lei 11.484/2007, que dispõe sobre os os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos semicondutores, diz que as empresas beneficiárias do Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores) deverão investir no país, anualmente, em atividades de PD&I, no mínimo, 5% da base de cálculo formada pelo seu faturamento bruto no mercado interno, sendo pelo menos 1% aplicado mediante convênio com centros ou institutos de pesquisa ou entidades brasileiras de ensino, oficiais ou reconhecidas, credenciados por comitês competentes, entre eles, o Comitê da Área de Tecnologia da Informação (CATI).

O substitutivo também altera a norma para prever que poderão ser admitidas aplicações em programas e projetos de interesse nacional nas áreas de TICs considerados prioritários pelo CATI, desde que tenham abrangência nas áreas de microeletrônica e semicondutores.

O texto também amplia o direito a crédito financeiro das beneficiárias do Padis até 31 de dezembro de 2024 – enquanto que o prazo em vigor é de até 31 de dezembro de 2026.

A definição sobre o apensamento ou não dos projetos será definida nas próximas semanas, o que não impede a possibilidade de incorporação através de emendas.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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