Anatel avalia efeitos do decreto 12.282

Presidente da Anatel, Carlos Baigorri, diz que é preciso esperar portaria que regulamente o decreto. Interlocutores interessados na governança das obrigações veem insegurança jurídica à frente.

O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse que a agência avalia os efeitos do Decreto 12.282/24, publicado hoje, 2, pelo Governo. O texto redefine parte das atribuições da autarquia em relação a como determinar o dispêndio de valores levantados em leilões de radiofrequências ou na troca de multas por obrigações de fazer, entre outras.

“Vamos aguardar os próximos passos em termos de portaria, e então avaliar”, afirmou ao Tele.Síntese. A questão é sensível porque o Decreto não apenas altera as distribuição das atribuições da agência, como o faz de forma retroativa – o que significa que o MCom poderá editar medidas relacionadas ao uso dos recursos levantados nos leilões do passado, como  certame do 5G, e que já estão em execução.

Foto: Sinclair Maia/Anatel

Mais vozes

Outras pessoas ouvidas por este noticiário, e que pedem para não se identificar, dizem que o decreto 12.282 não chegou a ser uma surpresa quando atribui ao Governo a prerrogativa de determinar como será gasto o dinheiro arrecadado nos leilões. “Foi assim com o saldo remanescente do 4G”, lembra um jurista.

No entanto, o texto vai além ao prever interferência na governança das entidades que foram criadas para realizar a conexão de escolas (EACE), limpeza do espectro para chegada do 5G (EAF) e pode até afetar outra mais antiga, a EAD, que fez a limpeza do sinal de 700 MHz para a chegada da TV Digital a partir de 2014. Vale lembrar, porém, que o MCom integra todos os grupos que supervisionam a aplicação dos recursos (Gape, Gaispi, Gired).

“Essa interferência compromete o princípio de independência que rege os órgãos reguladores e compromete a eficiência regulatória, de modo que pode gerar insegurança jurídica tanto para os agentes regulados quanto para a própria implementação de políticas públicas no setor de telecomunicações”, aponta outro interlocutor.

Outro ainda lembra o decreto 12.282 é grave por alterar as regras do jogo em curso, uma vez que abre a possibilidade para o MCom redefinir todas as atribuições e estrutura de governança aplicáveis aos compromissos dos leilões. “Sempre se falou que edital tinha peso de Lei, aí vem um decreto dizendo que pode mexer as definições do passado? Isso traz uma insegurança jurídica enorme”, observa.

Poucos acham, porém, que haverá algum interessado em questionar o decreto no Judiciário. Mas há quem considere que a Anatel precisará se posicionar ante o Governo em relação à validade dos que foi definido nos editais, a fim de trazer credibilidade às licitações futuras.

Conectividade de escolas

Uma questão de fundo por trás do decreto seria a insatisfação do Governo com o andamento do programa Escola Conectada, realizado pela EACE sob supervisão do GAPE. O projeto conta com R$ 3,1 bilhões e previsão de levar internet a 40 mil instituições públicas de ensino.

As operadoras, que integram o GAPE por terem comprado espectro de 26 GHz, já pediram para deixar o colegiado, e o próprio presidente ali, o conselheiro da Anatel, Vicente Aquino, já manifestou descontentamento com a presença das empresas. O assunto que aguarda apreciação por parte do Conselho Diretor da Anatel.

Mais peso ainda tem a questão da cobertura das escolas por satélite. O MCom já editou portaria prevendo a contratação da Telebras para cobrir escolas distantes de qualquer ponto de fibra óptica. O Gape aprovou a ideia, que no entanto não evoluiu.

No fim de agosto, a Anatel aprovou uma cautelar prevendo o pagamento de R$ 558 milhões à estatal para levar conectividade a 5.320 escolas do Norte e do Nordeste, com várias ressalvas – entre as quais, a entrega de um relatório com os resultados após quatro meses (ou seja, agora em dezembro) a respeito da qualidade dos acessos. Antes de o Gesac ser considerado, havia expectativa do Gape de realizar uma RFP para encontrar empresas dispostas a fornecer a conectividade escolar. A depender do relatório, o Conselho Diretor da Anatel pode se opor à ideia de que a Telebras seja utilizada nas próximas fases do programa.

É importante recapitular que, em março deste ano, o MCom divulgou a informação de que iria destinar R$ 3 bilhões em recursos à Telebras para expandir o programa Gesac, que leva internet a órgãos públicos instalados em áreas remotas – inclusive escolas.

Outra questão que pode ter influenciado a edição do decreto 12.282/24 diz respeito ao desejo, no Governo, de a Starlink não ter papel algum no programa Escolas Conectadas. Com premissa de entrega de links de ao menos 1 Mbps por aluno, faz a empresa de Elon Musk despontar em relação à capacidade atual da Telebras para atendimento por satélite. Coincidentemente, tramita na Anatel a autorização para que a Starlink receba aval para operar sobre o país mais de 7,5 mil satélites da segunda geração de sua constelação de órbita baixa.

Obrigações de fazer

Mas há outro ponto que suscitou muita preocupação dentro da Anatel, apurou o Tele.Síntese: a ordem para submeter obrigações de fazer a determinações do MCom. Há quem veja ilegalidade na medida, por ser esta uma competência exclusiva da Anatel, e fere, assim, a LGT.

No último ano, o Conselho Diretor da Anatel tomou decisões prevendo a conversão de multas em obrigações de fazer que incluíram a instalação de estações celulares 4G em área de risco no Rio Grande do Sul, ou, mais recentemente, a capacitação de mulheres em risco social.

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Rafael Bucco

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