Guerra de pareceres marca tomada de subsídios da Anatel sobre usuários das redes

Big techs e operadoras chamam juristas, economistas, e acadêmicos para produzir pareceres em defesa de suas visões sobre o fair share, e evidenciam a relevância da questão.

Crédito: Freepik

A Tomada de Subsídios nº 26, que se encerrou na última semana, foi uma das mais movimentadas já registradas pela Anatel. Foram 1.330 contribuições enviadas pela plataforma de participação social online da agência, e outros 20 estudos técnicos, cartas e análise entregues diretamente – uma verdadeira guerra de pareceres. O debate foi apresentado em alto nível, com empresas e entidades trazendo propostas detalhadas, pareceres técnicos, econômicos ou jurídicos para embasar suas visões.

Se, de um lado, as operadoras brasileiras reunidas na Conexis Brasil Digital apresentaram uma proposta de cobrança pelo uso da rede por grandes geradores de tráfego, estudo construído por CPQD e Alvarez & Marsal, de outro, as big techs apresentaram ao menos cinco, além de contarem com apoio em contribuições individuais enviadas pelo governo dos Estados Unidos e think tanks locais.

Formas de pressão

A Aliança pela Internet Aberta (AIA) é uma entidade criada pelas plataformas para se opor politicamente à proposta de fair share. Ela apresentou três estudos elaborados por advogados e economistas (Investigando o papel dos Stakeholders Estatais e Privados na Infraestrutura Digital Brasileira; Avaliando o retorno sobre investimento das operadoras de serviços de telecomunicações no Brasil; e Projeções da demanda por tráfego de dados no Brasil: uma atualização), além de um parecer jurídico sobre se cabe ou não à Anatel regular os usuários das redes.

Outra entidade que representa grandes geradoras de tráfego, a Camara-e.net, igualmente apresentou um parecer jurídico para complementar sua manifestação na tomada de subsídio, contrária à participação das empresas digitais no financiamento da infraestrutura de rede de acesso e de transporte.

As gigantes chamaram pesos pesados do Direito para emitir análises. Os estudos da AIA foram produzidos por José Guilherme Reis (da assessoria financeira Seneca Evercore), Marcelo Guaranys (do escritório Demarest), e Lisandro Granville (professor da UFRGS e diretor da RNP). Já o parecer jurídico (do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques) é assinado pelo próprio Floriano de Azevedo Marques Neto, titular da Faculdade de Direito da USP. O parecer da Câmara-e.net tem autoria de Carlos Ari Sunfeld, titular da cadeira da FGV Direito de SP, especialistas mais do que renomados para opinar sobre telecomunicações por conta do conhecimento em concessões, regulação estatal e agências reguladoras.

Em termos técnicos, foi reapresentado o estudo de fevereiro sobre Impacto das Taxas por Uso da Rede no Mercado de Nuvem do Brasil, do Research Center da Computer & Comunications Industry Association (CCIA), que aderiu à AIA.

Mais uma entidade que contribuiu foi o Conselho Digital, fundada em 2019, e que representa, também, gigantes digitais – inclusive, chega a citar estudos entregues pela AIA nesta mesma tomada de subsídios. Integram a organização empresas como Amazon, Meta, TikTok, Google, X.

A Câmara-e.net tem as mesmas empresas no quadro de associados. A AIA, idem, além da adesão de Netflix, apoio formal de entidades setoriais como Abrint, Abes, Abert, Abria e Alai.

A estratégia de envio de contribuições por entidades que defendem os interesses das mesmas empresas não é uma exclusividade das plataformas digitais. As operadoras, por exemplo, contribuíram via Conexis, ETNO e GSMA.

O que dizem as big techs

O material enviado pelas empresas, tanto individualmente, como em conjunto, como se vê, é amplo. Em linhas gerais, argumentam nos pareceres jurídicos que a Anatel não tem competência legal para regular o uso da rede, que qualquer alteração neste sentido depende do Congresso Nacional e não apenas da edição de regulamento.

Em termos técnicos ou econômicos, defendem que as operadoras têm retorno sobre o capital investido positivo, com exceção de dois anos desde 2012. Trazem comparações com outras empresas de infraestrutura (mas nunca digitais) para dizer que nos últimos cinco anos, as teles tiveram um retorno ligeiramente superior (8,04% vs 7,89%).

E acusam as teles de falta de transparência. “Os investimentos em rede dos operadores de telecomunicações estão gerando retorno adequado (estável ao longo dos anos, em um nível compatível com indústrias de infraestrutura intensivas em capital similares). Além disso, esse retorno é superior ao que seus balanços demonstram”, traz a análise da AIA que trata do retorno sobre o investimento do setor. Algo que as operadoras contestam em seus estudos.

Sugerem ainda que o leilão não arrecadatório feito pela Anatel em 2021 deixa o cenário mais opaco, pois afeta o retorno das operadoras sobre o investimento em infraestrutura por precisarem instalar redes em locais deficitários. Em compensação, elevou a lucratividade por não haver pagamento direto ao regulador.

“As obrigações de cobertura, que economizaram bilhões para os operadores de telecomunicações nacionais em taxas de espectro (despesas operacionais), com impactos positivos em suas margens EBITDA, levam a uma subestimação do retorno sobre os investimentos em infraestrutura de rede desses operadores sem fio no Brasil”, afirma o documento, cuja íntegra está aqui.

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Rafael Bucco

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