Vianna Coelho: Investimentos, satisfação e zona cinzenta no SCM
Para Fabio Vianna Coelho, está cada vez mais difícil trazer novos clientes para a banda larga fixa, e inconsistências dos dados repassados por ISPs atrapalha a compreensão do cenário
Por Fabio Vianna Coelho * – A Anatel tem apresentado dados interessantes sobre o mercado de banda larga fixa. Sua Pesquisa de Satisfação e Qualidade Percebida, divulgada em março, trazia quatro PPPs como os provedores de Internet melhor avaliados por usuários. Até aí, nenhuma novidade, já que essas empresas sempre lideraram o ranking. O que chama a atenção é que a primeira colocada possui apenas 12 mil clientes, enquanto que a segunda, 28 mil. Já outro levantamento, o Relatório Setorial Desempenho de PPPs, aponta os provedores regionais como os que mais investem em bens de capital – redes, por exemplo –, respondendo por 64% dos aportes no segmento de SCM entre 2023 e o primeiro semestre do ano passado.
Embora devam ser vistos com ressalvas, esses dados mostram que o mercado vivencia uma situação diferente da que se imaginava. Provedores regionais, que estariam pressionados pela acirrada competição em um mercado inchado e que sofre com a queda da demanda por sua principal oferta – cenário que afetaria principalmente os de menor porte, como os dois que mais satisfazem seus clientes –, são os que mais investem em suas redes, não para modernizá-las, mas em sua ampliação.
O quadro mostra que a procura por novas conexões, embora inferior à de anos atrás, ainda é relevante. O crescimento do número de acessos fixos caiu sensivelmente a partir de 2022, quando houve uma expansão de 8,8%, ante 14,8% e 10,3% nos dois anos anteriores. Em 2023 e 2024, foi a 6,8% e 7,8%, respectivamente, bem menos que antes, mas um dos melhores desempenhos observados na economia brasileira nesse período.
Embora a proximidade do teto de número de acessos já tenha sido anunciada, ela parece ainda distante, mesmo em grandes centros, onde o acesso à web estaria virtualmente universalizado. Conforme o IBGE, 94% dos domicílios em áreas urbanas dispunham de Internet (fixa e móvel) em 2023. Ainda assim, Vivo e Claro, que atuam basicamente nessas regiões, conquistaram 869 mil clientes em banda larga fixa no ano passado. Não foram trazidos da concorrência. São, na maior parte, novos usuários.
Isso, curiosamente, deveu-se à atualização tecnológica de suas redes. Ainda assim, dispõem, respectivamente, de 6,8 milhões e 1,75 milhão de conexões em fibra óptica, pouco se comparado aos 27,6 milhões das PPPs, que respondem por 66% dos acessos viabilizados por esta tecnologia.
Antes que esses números sejam interpretados como desinteresse das teles pela atualização tecnológica, é preciso lembrar que ambas integravam o Sistema Telebrás que, privatizado, levou a Telesp para a Telefónica de Espanha e a Embratel à Telmex – esta, anos após o leilão – já com imensas redes. Estas foram ampliadas e modernizadas, em grande parte, antes da fibra tornar-se a tecnologia usual – portanto, mais barata –, como era na época da pandemia, período em que os PPPs vivenciaram seu boom.
Se provedores regionais investem em suas redes, mais que atualização tecnológica, buscam ampliar o alcance de seus serviços, até por atuarem em regiões onde a demanda por novos acessos ainda é significativa – principalmente se comparada à das localidades onde Claro e Vivo atuam. Em áreas rurais, por exemplo, 81% dos lares dispunham de acessos à web em 2023. Portanto, há espaço para crescimento.
Então, seria possível afirmar que, em todo o país, operadoras de diversos portes investem para ofertar serviços com melhor qualidade a públicos que ainda procuram acessos fixos? Não.
Ainda que a BrSuper e a Tely, as que registraram melhor avaliação do serviço na pesquisa da Anatel, mostrem que empresas de menor porte podem se destacar valorizando o usuário com bons serviços e atendimento, apenas onze PPPs participam do levantamento. Portanto, ainda que disponham, em grupo, da maior parte da rede de fibra e não desprezem seus consumidores, por exemplo, com atendimento automatizado, como fazem as grandes teles, não há como saber se a maioria dos clientes de provedores regionais está, de fato, satisfeita com o que contrata.
Quanto aos investimentos, nem o regulador conhece a real situação financeira da maior parte das empresas. Estima-se em mais de 20 mil o número de provedores ativos no país. Ocorre que o levantamento da Anatel tem por base apenas 7,3 mil que lhes remetem a coleta de Dados Econômico-Financeiros e Técnico-Operacionais, a semestral.
Sendo essa uma obrigação básica de prestadores de SCM, o número dá uma noção do contingente de ISPs que não seguem a regulação que rege suas atividades, sendo que muitos também sonegam impostos e atuam à margem da lei. Por conta disso, a agência criou o Plano de Combate à Informalidade no Mercado de Banda Larga Fixa que, de acordo com Carlos Baigorri, seu presidente, intensificará a fiscalização e promoverá até o cancelamento de outorgas e autorizações.
Os problemas com a base de dados da agência não acabam aí. O Relatório Setorial deixa evidente a falta de compromisso de muitos gestores com a coleta semestral – o que certamente se estende às demais, a mensal e a anual –, além da falta de familiaridade com termos financeiros necessários para se administrar qualquer negócio.
A agência registra em seu estudo que PPPs com mil acessos ou pouco mais que isso reportaram receitas operacionais líquidas na casa de bilhões de reais ou investimentos superiores ao de outras que possuem 4 milhões de assinantes. Há também os que mostram desconhecer padrões contábeis básicos, por exemplo, abatendo despesas para calcular faturamentos. Para serem citados pelo regulador, casos assim devem ser bastante comuns.
Nessas ocorrências, a Anatel tem por hábito notificar empresas solicitando esclarecimentos, confirmações e retificações. Relatos inconsistentes que não forem revistos ficam fora do relatório setorial.
Com base nos dados que recebe de pouco mais de um terço do mercado – que incluem informações como as mencionadas acima, que não cabem nenhum levantamento –, a própria Anatel aponta que os números de seu relatório devem ser observados com cuidado. O total de investimentos em SCM no período, conforme diz a agência, varia de R$ 4,2 bilhões a R$ 5,2 bilhões, uma margem de erro de R$ 1 bilhão ou 25%.
Ainda que retratem apenas parte do mercado, os dados mostram um setor importante para o desenvolvimento do país em expansão, que, além de ainda motivar os que nele atuam a fazer aportes em busca de crescimento, atrai a atenção de investidores. Se estes não estão promovendo M&As em número ou porte significativos neste momento, é por causa da taxa de juros elevada em termos históricos e que mantém viés de alta. Dessa forma, o regulador busca, além de corrigir rumos que o mercado toma, retratar sua realidade. Ambos os objetivos são comprometidos por ISPs que permanecem em uma zona cinzenta, alheios à agência e à regulamentação do setor. Iniciativas como o relatório setorial acabam por ser comprometidas por essas empresas. A autarquia já sinalizou o que fará.
* Fabio Vianna Coelho é sócio da consultoria VianaTel e do RadiusNet, software de gestão para provedores de Internet