“Vamos investir no 5G standalone, mas a rede precisa estar pronta”, diz Sarcinelli, CTO da Claro
A possível inclusão de exigência de release 16 no edital do leilão 5G movimentou o setor nas últimas semanas. A proposta do conselheiro Carlos Baigorri gerou uma reação imediata entre os executivos das operadoras, que voltaram às pranchetas para estimar custos e o impacto sobre os projetos de implantação das novas redes.
Com a Claro, não foi diferente. Para os executivos da operadora, o 5G standalone é um desejo de todos – tanto da empresa, como da sociedade, e meta importante a ser alcançada. Mas como chegar lá é que gerou ruído no setor.
Segundo André Sarcinelli, CTO da Claro Brasil, a empresa vai investir na 5G standalone. Ele considera, porém, que exigir o padrão release 16 imediatamente após o leilão pode queimar etapas importantes para a garantia da qualidade dos serviços inovadores que a Anatel pretende incentivar.
A seu ver, o melhor é que a agência dê tempo para as operadoras prepararem suas redes e, no momento ideal, virar a chave do 5G non-standalone para o 5G standalone. Esse momento ideal, diz Sarcinelli, seria em cinco anos. Até lá, as empresas conseguem realizar aportes em elementos de rede que vão além dos rádios e do núcleo. Nessa abordagem híbrida, o 5G standalone poderia ser oferecido em locais onde há demanda efetiva pelas inovações que a 5G pura oferece – como em indústrias.
Ele avalia não ser tecnicamente possível nem financeiramente viável fazer todos os investimentos necessários para ter a 5G SA operando a pleno vapor 300 dias depois de concluído o leilão. Nem em três anos. “Não adianta ter uma Ferrari e, ao abrir o capô, ver um motor de Fusca. Para isso não acontecer, precisa haver muita infraestrutura”, ressalta Sarcinelli.
A Anatel já avalia criar um período de transição para que o 5G NSA seja transformado em SA, como apurou o Tele.Síntese. A proposta em pauta atualmente é de três a quatro anos para essa transição. A decisão final, no entanto, saberemos dia 25, quando o Conselho Diretor da agência fará a reunião que decidirá as regras do certame.
Outro ponto sensível para a Claro é a precificação do espectro a ser leiloado. O preço da frequência ainda não foi divulgado pela Anatel. E, conforme o executivo, não se sabe se levou em consideração o custo adicional com novos elementos de rede necessários para viabilizar todos os casos de uso do release 16.
Confira, abaixo, a conversa que tivemos com Sarcinelli na sexta-feira, 19.
Tele.Síntese – Qual a posição da Claro para a inclusão da exigência de release 16 por quem comprar a faixa de 3,5 GHz no próximo leilão de espectro da Anatel?
André Sarcinelli, CTO da Claro Brasil – Tem tido alguns equívocos quanto à nossa posição. Todo mundo que debate o assunto tem posições convergentes de que a tecnologia evolutiva da telefonia móvel é a 5G standalone. Ninguém duvida disso. A gente diverge é em como chegaremos lá.
Embora a gente fale em 5G e atrele muito o assunto à frequência [de 3,5 GHz], não é só a existência de radiobase que faz diferença. Está se discutindo muito o investimento em um core novo. Para que a gente tenha o verdadeiro 5G, como dito no jargão popular, é preciso atender os três pilares fundamentais de casos de uso do mercado, que são a banda larga móvel melhorada, as conexões massivas e as conexões de baixíssima latência [respectivamente eMBB, mMTC, e URLLC, nas siglas em inglês]. O release 16 é um habilitador desses pilares, mas não é uma segurança de que vão existir. Não significa que ao instalar a estação compatível com release 16, tudo isso vai funcionar.
No Release 15 tem a tecnologia non-standalone (NSA) e standalone (SA), tem as duas coisas. Traz as duas opções de caminhos para que os investidores possam desenhar seu plano de negócios e colocar sua estratégia em marcha. Estabelece a fundação para o 5G. Já traz, por exemplo, o eMBB, para que se consiga com a maturidade de terminais, evoluir para o release 16, 17, 18, até chegar no 6G.
A gente entende que o mundo inteiro começou pelo NSA. Com exceção de duas operadoras, uma das quais é a Telekom Austria, do grupo América Móvil, controlador da Claro Brasil, que começou com SA na Bielorussia porque lá a rede 4G pertence ao governo e é compartilhada. Então usar o 4G como base não foi possível.
E o que aprenderam dessa implantação?
Sarcinelli – Que até chegar no release 16, o caminho não é único, e que mesmo o release 16 ainda não é o 5G completo. Fala-se do mMTC e atrela-se essa funcionalidade ao release 16, mas a definição de suas especificações foi em grande parte jogada para o release 17.
Enfim, temos que começar de algum lugar. O release 16 tem mais inteligência na rede, melhor gestão de bateria de devices, e assim vai a evolução da rede móvel. Mas veja o exemplo da T-Mobile, nos Estados Unidos. Eles começaram com NSA. Agora estão introduzindo o SA em modelo híbrido, fazendo um overlay nas regiões onde faz sentido vender o SA. Na Ásia, as operadoras da China, as operadoras que falam ser SA, todas têm NSA.
Implantar um rede SA baseada no release 16 é mais caro para a operadora?
Sarcinelli – Quando você reaproveita o máximo possível da infraestrutura atual, tem um custo mais acessível porque aproveita investimento que já vinha sendo feito. Quando falam que tem 60 operadoras trabalhando no SA, significa que estão fazendo de tudo. Está com um trial [teste], aparece na lista. Operação comercial em massa, são cinco empresas no mundo, e dessas, três têm a rede NSA como base.
O 5G SA instalado agora vai atender todos aqueles pilares que mencionou?
Sarcinelli – Quando você olha as curvas de adoção do eMBB, do URLLC e MMTC estimadas para próximos 10 anos por consultorias e operadoras, a única curva crescente desde já é eMBB. A curva do URLLC começa a crescer só em 2027. O mMTC começa antes, em 2025, mas em volume pequeno.
O mercado de consumo com maior volume está no eMBB, nos clientes que têm interesse em adquirir a banda larga fixa através do 5G. O caso de uso mais comum do 5G até aqui é o fixed wireless access, o FWA. Esse é o caso de uso de sucesso que está colocando o investimento à prova, não é nem a banda larga no smartphone.
Se a Anatel decidir pela migração TVRO para a banda Ku, teremos um período de 300 dias para ter a frequência liberada, o que vai acontecer em meados do ano que vem. Parece que faz sentido, então, começar com uma operação mista. Mas não faz sentido começar com uma operação em que os serviços estão todos disponíveis na mesma proporção. A tecnologia prevê o atendimento de necessidades distintas.
Por exemplo, o URLLC é ideal para aplicações industriais. Já o mercado de consumo tem interesse em ter o serviço de banda larga com qualidade e resiliência na cidade. Esses clientes vão ser atendidos pelo eMBB do NSA.
As indústrias vão ter os casos de uso que precisam de um SA. Mas não precisam de cobertura em 700 estações radiobase, que é a obrigação que seria exigida para se cobrir a cidade de São Paulo, por exemplo, pela proposta de edital. E as indústrias estão fora da região urbana. No final do dia estamos falando de redes privativas.
Vamos instalar SA, portanto, em regiões que não têm interesse econômico por obrigação, e no lugar que tem interesse a gente não vai estar por falta de recursos. Como instalei em outra área, vai me custar muito mais caro. Custa caro levar serviços a regiões adicionais.
Vocês já negociam a construção de rede 5G SA para alguma indústria?
Sarcinelli – Temos alguns pilotos de SA na indústria, que não é em capital, mas em área que seria inclusive atendida apenas depois de três anos, pela obrigação prevista hoje.
Um caso de teste de rede industrial 5G SA é na fábrica da Weg. Estamos também discutindo já com uma grande mineradora, para uso do 5G em espectro de 3,5 GHz, ou seja, para depois do leilão.
O conselheiro Baigorri manifestou em seu voto que o objetivo da exigência é acelerar o investimento no país. Você acha que não teria esse efeito?
Sarcinelli – A gente entende que a operadora tem que ter a opção de escolher como e onde fazer a introdução do 5G no Brasil. Vai ser SA onde tem interesse e demanda, onde o custo e a receita condizem com essa instalação.
A sociedade quer um serviço de qualidade e com custo acessível. É importante deixar a operadora escolher qual a estratégia faz mais sentido no momento. No futuro, com novos use cases, vai fazer todo o sentido que ocorra evolução da rede para o SA. Mas isso não pode acontecer em 2022. Grande parte do mundo está ainda na fase 1 da 5G, que reutiliza núcleo e infraestrutura 4G. Alguns países estão entrando na fase 2, em que estão escolhendo lugares para o SA. Daqui alguns anos, a evolução irá naturalmente para a fase 3, que é o 5G SA.
Queria voltar no custo em relação às obrigações…
Sarcinelli – Esse leilão tem faixas nacionais, e diferente de anteriores da Anatel, não tem como obrigações objetivos de cobertura. Antigamente tinha que cobrir 85% da área urbana de uma cidade com nível de sinal X. Antes era assim. Agora esse objetivo mudou. Define que cidades acima de 30 mil terão uma estação radiobase para cada 15 mil ou 20 mil usuários. Na cidade de São Paulo, essa conta dá 700 sites.
Pela regra proposta, estes sites têm que ser SA. Estes sites não têm custo diferente dos sites NSA. Quando a Claro fala que o SA vai custar mais caro, não fala da estação e do núcleo apenas. Fala de tudo, toda a estrutura necessária para ter o SA com qualidade. Precisa ter musculatura. O problema não está na torre, pois o custo é o mesmo do rádio, e o custo do software também é o mesmo.
Mas, isso muda quando se começa a entender que a mancha de cobertura tem a ver com a posição de espectro.
Como assim?
Sarcinelli – Uma operadora tem uma sequência de espectro. A Claro tem frequência em 700/850 MHz, e quanto mais baixa a frequência, maior a amplitude de cobertura. Uma rede em 700 MHz cobre muito mais área que em 3,5 GHz. Temos também rede em 1,8 GHz, compartilhando sinal 2G e 4G. E temos 2,1 GHz, que começou com 3G e hoje tem 4G. E os 2,5 GHz, que é 4G.
O espectro de 3,5 GHz vai cobrir menos área que estas frequências usando-se as mesmas torres. O grid de torres no Brasil foi construído em cima dos 850 MHz, a primeira frequência utilizada no país. Depois foi adensado no leilão do 1,8 GHz. Então hoje tem um grid misto.
De maneira bem simples, a cobertura de 700 MHz é mais ampla. E há uma sobreposição das coberturas em frequências mais altas, em raios menores. A rede de 3,5 GHz vai ter uma cobertura menos ampla por conta da característica da frequência. Para ampliar essa cobertura, a rede precisa conversar com os espectros usados em 4G.
Se colocar uma rede SA, que não conversa com as outras frequências, o 5G vai operar em uma área menor. Se tiver um cliente se deslocando de uma célula para outra, vai sair e voltar da rede 5G, o que vai gerar uma experiência menor de uso. Não será ruim, o handover para o 4G é possível, mas vai ter experiência de ficar pouco tempo no 5G durante o dia.
Existem mecanismos para melhorar essa mancha de cobertura no 5G NSA. Mas ter o SA no edital não fará as operadoras saírem construindo torres novas, por uma série de questões de investimento e licenciamento. No final do dia, vai ser ter um 5G hotspot e manchas 4G prevalecendo na cidade.
[quote cite=’André Sarcinelli, CTO da Claro’]Ter o SA no edital não fará as operadoras saírem construindo torres novas, por uma série de questões de investimento e licenciamento. No final do dia vai ser ter um 5G hotspot e manchas 4G prevalecendo na cidade.[/quote]
No 5G NSA o cliente não sai do 5G para o 4G e depois volta se estiver transitando entre torres?
Sarcinelli – Entendemos que a operadora pode criar uma rede 5G que interopere com a rede legada atual. Vamos falar do DSS. DSS não é 5G, mas usado com o 5G. É uma tecnologia que faz o compartilhamento dinâmico de espectro, é um habilitador para instalar o 5G em um espectro que tem outra tecnologia instalada. Mas podemos decidir limpar o espectro inteiro hoje usado no 3G e 4G e colocar o 5G ali também.
Ao você combinar seu portfólio de espectro atual com o 5G e suplementar as deficiências do 5G com o espectro do 4G, aumenta a sua mancha de cobertura.
Esse é o cenário de 5G DSS NSA, que é o que está sendo usado pela T-Mobile e outras operadoras lá fora. Consiste em combinar as frequências nos diferentes espectros. A próxima etapa é pegar uma banda mais baixa, como os 2,1 GHz, e colocar o 5G SA nessa banda, o que vai aumentar a mancha 5G. Mas neste momento, já estaríamos fazendo novos investimentos na rede para suprir uma deficiência devido a uma obrigação do leilão, o que começa a ter custo adicional para ter qualidade.
Saindo e voltando da rede 5G, significa que não teremos uma velocidade melhor o tempo todo no celular nem os serviços desejados de forma contínua?
Sarcinelli – Temos que separar latência de throughput, que é velocidade. Olhando velocidade de rede, no cenário de NSA com 4G, você tem um throughput até maior no começo, porque o celular vai se conectar no 4G em várias frequências e no 5G. No final do dia, o throughput é a soma de todos os caminhos de conexão que tem no seu terminal. E os terminais têm isso já, se chama dual connectivity. Como no Brasil já temos 4G em todos os espectros, agregar tudo tem um desempenho excepcional.
Mas, claro, usar o 5G SA nos 100 MHz de espectro contínuo do 3,5GHz é mais rápido, mas não cobre toda a área.
O que a rede precisa é resolver a questão de link budget. O que é isso? É o equilíbrio entre o sinal de downlink e o de uplink. Há uma diferença em potência do sinal irradiado pela estação e pelo terminal. Pode ter situações em que o telefone está muito longe da torre e não tem potência para falar com a estação. Nesse caso tem um desbalanceamento, você ouve a chamada, mas não fala.
O 5G NSA, compartilhado com espectro abaixo, faz essa suplementação, esse suplemento de uplink. Como o uplink é mais fraco, coloco no espectro mais baixo para ter maior cobertura. Em algum ponto o downlink pode ser 5G, e o uplink vai ser 4G. Vai ter uma composição dual. Essa composição por si já vai exigir investimentos além de rádio e núcleo. Com mudança de software é possível ativar no 5G, mas custa dinheiro.
A Claro começou com o 5G DSS no meio do ano passado. Já dá pra tirar conclusões do comportamento do consumidor que orientem essas definições?
Sarcinelli – Nos sites que têm terminais, vimos incremento de tráfego de 40%, e desempenho de 15% a 20% melhor. Mas a base ainda é pequena, menos de 1% dos clientes por torre.
Por isso a gente fala que a adoção do 5G SA não se dará da noite para o dia. Ainda vai levar alguns anos. Vai ter área obrigatória do edital com buracos de cobertura, se for esse modelo. Ou você pode usar o portfólio de espectro para suplementar. Com o NSA custa mais barato do que o SA em duas frequências, que seria o caso para ter melhor cobertura.
Em termos de competição, exigir o SA não traz um novo equilíbrio de forças?
Sarcinelli – Uma operação nova terá problemas de licenciamento de torres, vai ter de passar fibra para chegar às antenas porque as cidades estão com postes sobrecarregados por empresas irregulares. Muita coisa precisa ser feita para se chegar numa rede SA que dê experiência de uso com mobilidade. Ter o release 16 nas torres não quer dizer nada, a empresa consegue instalar, mas não oferecer um serviço de qualidade.
Enquanto não tem tráfego, se aplicar o DSS, a operação não vai ter prejuízo. Se fizer a limpeza da faixa, no entanto, vai abrir mão de outras possibilidades de receita. Por isso a gente acredita que a entrada com o NSA é saudável: você ganha na cobertura para quem já tem o equipamento 5G.
Também tem que pensar que o valuation [valor] que a Anatel fez da frequência será de implantação de rede greenfield [do zero] com o padrão SA para que todos os compradores do espectro tenham um início em pé de igualdade. Mas isso não existe. A única forma de existir é se todos que comprarem espectro não tiverem nenhuma rede instalada.
Quando se fala de não ter vantagem da rede legada, esquece-se das torres, dos dutos, das fibras passadas, das centrais, dos data centers que já existem. De largada, não tem situação onde todos saem do zero. Enquanto um greenfield vai ter que construir torres ou alugar, fazer fibra ou negociar com as fibras atuais, as operadoras atuais não vão ter esse trabalho todo porque já possuem torres, rádios, fibras e frequências.
O 5G SA se beneficia de quais elementos da rede legada?
Sarcinelli – Por exemplo, há serviços que dependem de Mobile Edge Computing (MEC), ou data centers edge, que ficam na borda da rede, mais próximos dos usuários. Em casos de uso como veículos conectados, por exemplo, tem que ter essa camada de MEC. Não tem como funcionar URLLC se você só pensa na torre ou no core da rede. Precisa do data center de borda. E o Brasil tem muitas bordas. Não estamos falando de um data center por estado ou por DDD. Estamos falando de bairro, de pequena cidade, de estádio de futebol.
Não está claro para a gente como o valuation da rede SA foi feito, se considerou os casos de uso de URLL e mMTC, se adicionou o custo de implantação de MECs. Quantos milhares de MECs estamos falando?
Ninguém sabe qual o preço pela frequência definido pela Anatel. O que sabemos é que a arquitetura foi pensada em SA. E o que dizemos é que não adianta ter uma Ferrari e, ao abrir o capô, ter um motor de Fusca. Para isso não acontecer, precisa haver muita infraestrutura. Precisa do MEC, não só de antena.
Já no cenário híbrido, o MEC não precisa ser tão capilarizado. Pode ser um em cada Estado. E se a operadora puder decidir sua estratégia para implantar o SA, decidirá também onde tem que ter o MEC.
Para fazer toda a infraestrutura computacional para entrega dos serviços, mesmo as operadoras com data centers legados, precisam de mais tempo?
Sarcinelli – Quando a gente fala em cinco anos para ter o SA, não é só por causa do dinheiro gasto com MEC. Também tem o tempo de padronização e maturidade da tecnologia, a evolução dos terminais. É preciso tempo para que os desenvolvedores façam software, depois testem a interoperabilidade com outros serviços e com outras operadoras.
Esse processo a gente vive há mais de duas décadas. Por mais rápido e acelerado, não é um processo que termina antes de quatro ou cinco anos. Não vai ter um core SA todo pronto, todo interoperável imediatamente.
Como a Anatel já discute um período de transição de até quatro anos, o cenário melhora?
Sarcinelli – O tempo é super importante. O período de quatro anos traz mais segurança. Por exemplo, vamos falar de slicing. O slicing, fatiamento da rede 5G, não é uma evolução. Essa é a revolução, porque prevê o tratamento diferenciado para todos os serviços executados em uma rede em comum. A camada de software é que vai tratar os serviços de forma diferente. Então precisa ter o MEC para que as latências sejam baixas, para processamento se dar próximo da antena.
Mas não só. 5G não só mais antena, só mais core, só mais MEC. Exige última milha moderna, orquestrada por software. A rede metro precisa ser orquestrada por software. O backbone precisa ser moderno. Não tem como fazer slicing quando uma parte da sua rede não é orquestrada, pois há perda na padronização do serviço. Não tem como colocar parte da rede em um slicing dinâmico, inteligente, misturado com um slicing estático, criado na mão. Quando tem um ele fraco no caminho, tudo fica fraco.
Para ter o release 16, portanto, precisa de estações, de maior cobertura, de múltiplas milhas de acesso de transmissão, de MEC, de backone, do core novo orquestrado e funcional. Não dá pra fazer tudo isso para o ano que vem.
Ainda existem pontos da rede que não estão modernizados para essa realidade. Além disso a rede no Brasil é uma colcha de swaps de fibra. E não temos garantia de que todos vão modernizar essa rede para fazermos um slicing que funcione em todo lugar.
Precisaria de quanto dinheiro para isso acontecer?
Sarcinelli – Mesmo que a gente tivesse todo o dinheiro necessário, não dá pra fazer para o ano quem, nem só para as capitais. É uma infra muito pesada. E não temos certeza de que tudo isso está no valuation do espectro em elaboração pela Anatel.
Para o eMBB, você não tem que se preocupar com isso, porque não precisa da orquestração que o slicing requer. Mais espectro vai resultar em mais throughput. E no caso da indústria, grande parte das soluções serão privativas, com o MEC dentro da indústria. Então não precisa de tudo isso.
[quote cite=’André Sarcinelli, CTO da Claro’]Para ter o release 16, portanto, precisa de estações, de maior cobertura, de múltiplas milhas de acesso de transmissão, de MEC, de backone, do core novo, orquestrado e funcional. Não dá para fazer tudo isso para o ano que vem.[/quote]
Uma rede 5G SA baseada no release 16 vai fazer ligações normalmente, trocar SMS, enfim, ter os serviços que nos acostumamos a ter na telefonia móvel? O 4G mesmo, quando surgiu, não tinha voz, usava-se a rede 3G, tempos depois é que foi criado o recurso de voz sobre LTE.
Sarcinelli – O 5G NSA reusa os elementos do core do 4G, tem portanto 100% dos serviços atuais e uma mancha de cobertura melhor para o 5G. Tem uma evolução super suave, sem impacto para o cliente.
O SA, não. Gradualmente, nesse período de transformação do core, os desenvolvedores vão trabalhar para desenvolver essas funções de acordo com o novo núcleo. Em alguns casos os sistemas são muito parecidos com os 4G. O controle de consumo de dados é parecido, por exemplo. Algumas funções têm possibilidade de espelhamento. Mas outras não. O que não é virtualizado, não.
O SA é nativo em nuvem. Então no final do dia vamos ter que criar esses sistemas e testar a interoperabilidade. Vai ser assim com SMS, com MMS. O Vigia, que é sistema de interceptação legal, não funciona ainda com serviços nativos em nuvem. Tem uma transformação importante a ser feita.
Se formos para o cenário 5G NSA, a introdução da voz se dá por dois caminhos possíveis: disponibilizar o VoLTE, ou levar para a rede 3G para fazer o fallback, onde não tem a cobertura 4G. Neste cenário a operadora pode contar até com a rede 3G para fazer uma chamada de voz. E os telefones 5G atuais têm, todos tem essa função.
O problema seria para o entrante, novamente aquela questão de que não zera o jogo. Como tratar a voz? O entrante não terá voz no primeiro momento. A voz nativa do 5G SA, chamada voice over New Radio, VoNR, ainda não está nos terminais. O chipset com isso para celulares chegará ao mercado no segundo semestre deste ano. Aí as fabricantes vão desenhar e produzir os aparelhos com eles. Então é coisa de meados do ano que vem ter esses terminais à venda.
Alguém com celular 5G SA sem o VoNR não vai ter serviço de voz. Poderá ter se a empresa fizer um acordo de exploração industrial com Claro, ou TIM ou Vivo para integrar o core SA com o core NSA de outra operadora. Dá pra fazer, dá? Mas é mais um acordo, mais tempo, mais um custo de integração.
Até hoje ainda existe fabricante de telefone que tem chipset com VoLTE no telefone, mas não tem o recurso habilitado no software. Em resumo, a indústria toda tem que andar pari passu.
Enfim, nós como operadores temos já a solução, então é mais um caso da vantagem competitiva em relação a entrantes, pois vai ter que usar a rede legada.
O que o brasileiro pode esperar da 5G no país após o leilão?
Sarcinelli – A velocidade que vamos ter será diretamente proporcional ao espectro dedicado. Se tiver 100 MHz de espectro vamos atingir 1 Gbps no melhor dos casos próximos à estação. Debaixo da antena vai ter 1 GB, mas dependendo do padrão escolhido, se andar 200 metros talvez a velocidade seja 100 Mbps.
O que quero pontuar é que o 5G SA habilita mais casos de uso para a indústria e sociedade de consumo. Concordamos com isso, e vamos fazer o 5G SA. Vamos chegar lá. Mas entendemos que é uma jornada, não é uma corrida de 100 m. Não dá para fazer em um ano, ou dois, talvez em três. O NSA tem um custo menor porque aproveita tudo o que já foi investido nas redes celulares. Os outros serviços, vamos trabalhar com URLLC e mMTC onde tem demanda. Daqui a poucos anos a 5G já vai ter a rede inteira dessa forma.
A Claro não discorda da evolução do SA. Queremos e vamos investir no 5G standalone. O que não concordamos é em fazer em um ano. Concordamos em fazer ao longo de um período tecnicamente e financeiramente viável.