Teles propõem modelo de fair share com autonomia sobre preço

Proposta atribui à Anatel a decisão sobre percentual de ocupação do tráfego passível de cobrança, mas sugere que as empresas escolham forma de medição.
Em proposta de fair share, teles defendem autonomia no modelo de medição do tráfego e ' preço unitário' por GB | Foto: Freepik
Em proposta de fair share, teles defendem autonomia no modelo de medição do tráfego e ‘preço unitário’ por GB | Foto: Freepik| Foto: Freepik

A Conexis Brasil Digital apresentou à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) uma proposta de modelo de remuneração aos prestadores de serviços de telecomunicações por grandes usuários da rede  – fair share. O estudo foi protocolado na última sexta-feira, 31, via Tomada de Subsídios 26/2023, que avalia a necessidade de medidas regulatórias na relação entre as big techs e a ocupação da rede.

Propõe-se atribuir à Anatel a decisão sobre qual seria o percentual de ocupação do tráfego passível de cobrança, mas assegurando às prestadoras a possibilidade de escolher como fazer tal medição e quanto cobrar por gigabyte (GB) “excedente” (saiba mais abaixo).

A proposta consiste em um parecer elaborado pela Alvarez e Marsal, juntamente com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD). Entenda os principais pontos:

Quem deve pagar

Sugere-se que a definição sobre ‘quem deve ser cobrado’ seja uma responsabilidade da Anatel, estipulando um percentual a ser considerado “parcela significativa de ocupação da infraestrutura de telecomunicações”.

“Quanto menor for o limite, maior deverá ser o número de usuários alcançados pela cobrança, inclusive grandes usuários de diversos setores e órgãos governamentais. Por outro lado, se o limite for muito elevado, caberá a um número muito restrito de empresas, usualmente um subconjunto entre as big techs, a compensação financeira pretendida, aumentando assim o risco de comprometer seus modelos de negócios, se o valor não for bem equilibrado”, observa.

Para fins de exemplificação da metodologia, utiliza-se o percentual de 5% do tráfego (móvel ou fixo), cenário atingiria as empresas Meta, Alphabet, Netflix, Akamai e Tiktok, com base em dados atuais. Nesta hipótese, “uma empresa passaria a contribuir com o fair share quando excedesse o tráfego correspondente a 12,5 milhões de usuários médios na rede móvel ou 2,5 milhões de usuários médios na rede fixa”, detalha.

Propõe-se a possibilidade de flexibilizar regras quando houver uma CDN pública entre os grandes usuários, como a Akamai. Nestes casos, “o regulamento poderia facultar a esse tipo de usuário a apresentação do tráfego cursado por cada um de seus clientes às operadoras (em valores absolutos ou percentuais), para que fossem cobrados apenas os provedores de conteúdo e aplicações originadores do tráfego que, individualmente, houvessem atingido o limite estabelecido (ainda que seus conteúdos estejam dispersos em várias CDNs públicas e privadas)”. A medida é apresentada como forma de blindar ofertantes de conteúdo que não se enquadrem como grande usuário.

A proposta defende a determinação de deveres, condições e responsabilidades associadas à aferição auditoria, transparência e previsibilidade da cobrança, incluindo uma coordenação setorial.

Preço

Cada operadora definiria, independentemente, um valor unitário por “GB excedente” trafegado (ou seja, GB acima do limite fixado pelo regulador) . Sugere-se “que se cobre separadamente o tráfego cursado na rede fixa daquele destinado ao serviço móvel”, podendo haver valores diferentes a depender do tipo de rede.

Desta forma, o valor unitário seria multiplicado pelos respectivos volumes de tráfego dos grandes usuários que ultrapassarem os limites estabelecidos na regulação.

A proposta é de uma apuração mensal, com reajuste semestral ou anual dos preços unitários, “a depender da conveniência e da variação observada no tráfego de cada operadora”.

Como prerrogativa complementar, defende-se a “adoção de mecanismos de cobrança progressivos que multiplicam os valores unitários à medida em que se aumenta a faixa de consumo [com flexibilidade para que cada operadora possa propor a própria escala], incentivando o uso eficiente dos ativos – lógica semelhante à observada em cobranças de água e energia elétrica”.

“[…] a ideia é que os valores unitários por GB trafegado nas redes sejam calculados sobre o tráfego de cada operadora já ponderado pelos respectivos fatores de progressividade e eventuais mecanismos de incentivo que se deseje promover. Desta forma, os parâmetros usados na modelagem não determinariam o montante a ser arrecadado, apenas influenciariam a distribuição da cobrança entre os grandes usuários, ajudando a dosar a cobrança de acordo com a dor de cada operadora”, argumenta.

Como medir

O terceiro aspecto apresentado na modalidade de cobrança busca endereçar como deve ser feita a medição do uso da rede, defendendo que seja “uma decisão particular de cada operadora”.

O estudo destaca que há diferentes pontos possíveis de aplicação dos valores unitários e a definição é “bastante complexa e com poder de impactar diretamente as estratégias e as relações comerciais entre as operadoras e seis grandes usuários”.

Imagem: A&M e CPQD/ Reprodução

“Por exemplo, uma empresa que busca aumentar a eficiência de sua rede pode preferir incentivar a instalação de CDNs, ao passo que outra empresa pode ter como estratégia simplesmente ampliar a capacidade de sua rede e acesso”, explica.

As simulações de cálculo foram apresentadas à Anatel, mas sob sigilo.

Levantamento

A contribuição conta ainda com levantamento do tráfego fornecido pelas operadoras Vivo, Claro, TIM e Algar, consolidados. Os dados, coletados entre dezembro de 2023 e março de 2024, representam 98% dos acessos de rede móvel no país e 38% da rede fixa.

Como resultado, observou-se que 66% do tráfego nas redes de acesso (a partir dos consumidores finais) é concentrado em serviços da Meta, Alphabet, Netflix, Akamai e TikTok. Já nas redes de distribuição (infraestrutura intermediária), elas representam 36%. Veja abaixo em detalhes o resultado para os dois pontos de rede (acesso e distribuição):

O levantamento considerou o volume mensal (ou throughput) de tráfego dos "principais usuários considerados críticos na caracterização do debate, representativo da média cursada em suas redes nos últimos 3 meses", com "proporção aproximada" no período, além de considerar "a faixa de variação em torno dessa média, gerada por eventos de grande demanda" (como transmissão de evento esportivo e programas de entretenimento com grande repercussão regional, entre outros capazes de gerar impacto na disponibilidade, latência e taxa média de transmissão nas redes).

O porquê

A cobrança é entendida como uma forma das big techs compensarem o lucro obtido pelos serviços que dependem da capacidade de rede. Para justificá-la, o documento contextualiza a formação do atual padrão de consumo de serviços digitais em meio ao conceito de neutralidade garantido em lei. O que, na visão apresentada causou "uma enorme concentração econômica no mercado de provimento de VAS (aplicações e serviços digitais) via internet, evidenciada pela expressiva proporção do tráfego associada aos produtos das Big Techs".

"Hoje, o poder de barganha entre operadoras de telecomunicações e as gigantes da internet está claramente favorável ao segundo grupo, que acabou construindo uma relação direta com os consumidores. E tendo sido bem-sucedidas em dissociar a receita auferida por seus produtos globalmente do custo com os serviços locais de interconexão, transporte e distribuição que teriam de incorrer para gerar essa receita, as Big Techs desequilibraram a cadeia produtiva, comprometendo a capacidade de investimento na infraestrutura de telecomunicações e, assim, colocando em risco a qualidade e a disponibilidade do serviço demandado pelos demais usuários", consta no texto.

A avaliação ressalta ainda que "o equilíbrio na cadeia produtiva já não pode mais ser recuperado pela ação individual de uma ou outra operadora, tendo em vista o grau de concorrência e a provável reação oportunista do mercado à decisão de qualquer ator de cobrar pelo uso intensivo dos seus recursos. Tampouco se espera que essa questão seja resolvida coletivamente pelas operadoras, à margem da regulação, pois poderia ser interpretada como colusão ou cartelização".

Outro lado

A Tomada de Subsídios foi aberta em janeiro e se encerrou na última sexta-feira. Representando as big techs, a Aliança pela Internet Aberta (AIA) apresentou à Anatel um estudo contra a cobrança, com base em projeções de demanda de consumo e faturamento das teles. A enitdade alega que há tendência de desaceleração na demanda da rede nos próximos anos e que o investimento em aprimoramento da capacidade de rede necessário pode ser custeado pelas operadoras. Saiba mais neste link.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura dos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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