Suspensão da desoneração gera impasse sobre como colocar liminar em prática
Associações de 17 setores da economia tentam respostas sobre como será cumprida a medida cautelar que suspendeu a desoneração da folha de pagamento. O impasse envolve diferentes interpretações, que impactam de maneiras diversas nas contas das empresas e dos cofres públicos.
A liminar foi concedida em decisão monocrática do ministro Cristiano Zanin, no âmbito da no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7633, de autoria do Poder Executivo por meio da Advocacia-Geral da União (AGU). O governo alegou que a prorrogação da desoneração, aprovada no final do ano passado mesmo após veto, violou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual determina que “proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”.
A decisão de Zanin diz que a medida será válida “enquanto não sobrevier demonstração do cumprimento [do que prevê o ADCT]”, ou seja, até que se prove o contrário. Além disso, a suspensão da desoneração está em análise no plenário virtual até 6 de maio, podendo ser mantida ou anulada pela maioria dos ministros em qualquer momento até lá.
O Congresso Nacional já prepara um recurso para ingresso ainda hoje, com a pretensão de fazer a devida demonstração. Segundo o presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a fundamentação da ação está “equivocada”, e o Legislativo vai comprovar que houve a análise de impacto orçamentário durante a tramitação do projeto.
Enquanto isso, as entidades representativas estudam como orientar os associados sobre quando exatamente o recolhimento na folha deve mudar, se a partir de maio ou levando em conta o princípio da anterioridade tributária (saiba mais abaixo) .
Em nota, o movimento Desonera Brasil, que reúne todos os setores atingidos, apresenta visão alinhada a Pacheco e acredita que o devido processo legal será demonstrado nos autos. Contudo, busca respostas.
“Os 17 setores manterão o diálogo com os Poderes da República para endereçar essa situação de insegurança jurídica, econômica e social, mantendo, porém, o respeito pelo processo legislativo já realizado e em andamento”, consta na nota.
Incerteza
Jorge Sukarie, membro do Conselho da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) ressalta que a cautelar ” traz muita preocupação e incertezas”. Ele afirma que já foi possível ouvir diferentes interpretações sobre a liminar, mas sua posição pessoal é pelo conceito da anterioridade nonagesimal, no sentido de que embora a decisão possa estar valendo, a desoneração está garantida por, pelo menos, 90 dias.
“A gente tem que considerar que a constituição prevê o princípio da anterioridade quando existe uma mudança de tributação, para não impactar de imediato o contribuinte. É uma previsão constitucional, não é uma decisão monocrática, ou de colegiado”, argumenta Sukarie.
Apesar de reforçar a convicção de que a constituição concede um prazo para as empresas, o representante da Abes destaca a complexidade da situação, considerando que ainda não está evidente se o prazo começará a contar da decisão liminar ou da conclusão do julgamento em plenário virtual. “Nos sentimos desconfortáveis até para orientar o associado. O pior cenário é já pagar a contribuição previdenciária sobre a folha a partir de agora”, afirma.
Em uma análise geral, Sukarie entende que a ação do governo é “equivocada”. “Ficamos decepcionados. É uma afronta à vontade do Legislativo e ao interesse de manter empregos no país e incentivar o investimento”, afirma.
No Legislativo
O senador Efraim Filho (União-PB) autor do projeto que prorrogou a desoneração da folha de pagamento, afirmou em coletiva nesta sexta-feira, 26, que “a judicialização é um tema que enfraquece a política”. O parlamentar entende que a premissa alegada pela AGU não procede.
“Esse foi um projeto que tramitou durante dez meses, tanto na Câmara quanto no Senado. Se houve leniência, omissão ou inércia, não foi da parte do Congresso”, afirmou.
No mesmo sentido, o presidente Rodrigo Pacheco classificou a reação do governo como “precipitada”. “A própria existência de um Projeto de Lei depois de uma Medida Provisória de autoria do governo já é uma demonstração de que não há inconstitucionalidade para o governo. Se aceitou discutir por Medida Provisória e projeto de lei o tema sem que exaurisse esse diálogo, criar uma celeuma dessas, uma instabilidade para os municípios e para a economia de setores altamente empregadores, é difícil de compreender.
Desoneração
A desoneração da folha de pagamento, em vigor desde 2011, permite que as empresas recolham para a previdência de 1% a 4,5% sobre a receita bruta em vez de 20% sobre o salário dos empregados. O benefício vem sendo prorrogado consecutivamente e seria extinto a partir de 2024, mas foi renovado até 2027 pelo Congresso Nacional no final do ano passado, a contragosto do governo.
O Executivo vetou a proposta de prorrogação integralmente, destacando que se tratava da criação de renúncia de receita sem apresentação do impacto. No entanto, o veto foi derrubado.
A possibilidade de judicializar a questão já vinha sendo considerada pelo governo como uma alternativa caso a desoneração se mantivesse. Antes disso, sugeriu uma reoneração gradual via Medida Provisória, com vigência a partir de abril deste ano. Sem conseguir apoio, incorporou a ideia em um projeto de lei (PL 493/2024), a ser tramitado com urgência, mas também não conseguiu avançar.
Há duas semanas, diante dos impasses, o governo formalizou a retirada da urgência ao projeto. Com isso, a proposta foi redistribuída para as comissões, sem uma previsão breve de conclusão. Agora, em debate também no Judiciário.