Sem gastar um tostão, emissoras de TV já são as vitoriosas do leilão do 5G

A Anatel estima que as operadoras de celular que comprarem a faixa de 3,5 GHz terão que gastar a enorme quantia de R$ 2,5 bilhões para distribuir e instalar as novas antenas que substituirão as TVs por parabólica, com a migração de todos os canais para a banda Ku do satélite, pleito dos radiodifusores referendado pelo edital.

O leilão da Anatel de venda das frequências de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHZ, cujo formato da venda foi aprovado ontem, 25 pelos dirigentes da agência já tem um segmento vitorioso, antes mesmo de serem vendidas as frequências: as emissoras de TV, que foram  contempladas em todos os pleitos.

Com a venda das frequências para as operadoras de celular, as emissora de TV conseguirão legalizar um serviço que existe de fato, mas por meio de um emaranhado de normas executivas que o perpetuaram ao longo de décadas sem que tenha sido “criado” legalmente. A TVRO, ou por “parabólica” foi o jeitinho brasileiro para  levar os canais de TV aberta para os locais onde não houve investimentos da radiodifusão terrestre. Com a modelagem do leilão aprovada, esse serviço que estava caminhando para a extinção passa a contar com uma tecnologia muito mais moderna e a custo zero para as emissoras de TV.

A definição de políticas públicas é a escolha da aplicação dos recursos públicos para estancar as iniquidades sociais. Conforme demonstrou em seu  voto, o presidente da Anatel Leonardo de Morais lembrou que, passadas mais de duas décadas desde que a telefonia  móvel ingressou no país, ainda existem  6 milhões de brasileiros que vivem em 14 mil localidades completamente desconectados, sem acesso sequer à uma rede de celular. Outras iniquidades poderiam também ser resolvidas nesse leilão, já que esse é o único instrumento que o Estado possui de direcionar recursos privados para políticas públicas.

Mas o governo definiu que os telespectadores dos canais de TV por parabólica não poderiam ficar sem esse serviço e a conta a ser paga deveria sair dos compradores do espectro colocado à venda.  A frequência usada hoje para recepcionar esses canais que se sustentam na transmissão via satélite vai ser usada para a 5G. É assim em todo o mundo. Mas somente no Brasil essa frequência de 3,5 GHz, que é justamente o “filé” que sustentará o serviço 5G,  é ocupada por serviços de radiodifusão. No mundo, chama-se essa faixa de “Banda C” . Aqui no Brasil um pedaço dela (a parte mais alta, que vai de entre 3,625 GHz e 3,700 GHz) foi batizada de “Banda C estendida”, ou seja, uma extensão dos serviços de TV.

Definida a política pública, quando o governo estabeleceu que esses telespectadores não poderiam ficar sem o serviço, o debate se travou sobre como executar essa política. Ainda não se sabe qual é o número de pessoas que receberão o kit novo. É preciso mudar o conversor dessas parabólicas simplesmente porque eles foram colocados aqui sem certificação, ocupando diferentes faixas. E, como o serviço é via satélite, os serviços terrestres de celular, muito mais potentes, geram interferência nos sinais de TV. Definiu-se que as famílias carentes, que compõem o Cadastro Único dos programas do Governo Federal, receberiam gratuitamente os novos equipamentos.

As teles fizeram as contas e chegaram a calcular que se fossem instalados filtros nos conversores existentes, o custo seria 4,2 vezes inferior. A consultoria LCA foi contratada e chegou a um valor de R$ 291,4 milhões para a simples instalação de filtros nesses conversores. O maior problema dessa proposta é que, como esse serviço só existe no Brasil, não há equipamentos no mundo construídos para “filtrar” esses sinais.

Foram feitos inúmeros testes, chamados fabricantes, mas a solução parecia mesmo frágil, pois iria exigir uma “reserva” de frequência não ocupada, enfim, um desperdício de bem público. No final do processo, as operadoras chegaram a se render para a migração total dos canais para a banda Ku, com a implementação, no entanto, de  uma fase inicial com distribuição de filtros. Acabou prevalecendo a posição técnica de que o melhor mesmo seria já fazer limpeza completa desse espectro. Fortaleceu essa posição, que já tinha ganhando corações e mentes do corpo técnico da Anatel os argumentos da Abinee, que representa os fabricantes. Essa posição  coincidiu com o pleito das emissoras de TV, que chegaram a divulgar  manifesto dizendo ser “mandatório” a migração de seus canais para a banda Ku.

As contas

Os primeiros cálculos da área técnica que levava em consideração a distribuição apenas para as famílias que não tiveram acesso aos kits da TV digital terrestre, chegava ao montante de R$ 1,6 bilhões. Mas houve mudanças importantes no voto do relator Carlos Baigorri, que se sagrou vitorioso. Além de entregar os kits novos para todos que têm parabólicas do Cadastro Único, tenham ou não o kit de TV digital,  as teles terão também que instalar as antenas nas casas desses telespectadores. E, segundo Leonardo de Morais, o custo dessa migração sairá pela enorme quantia de R$ 2,5 bilhões.

Dinheiro que poderia ser investido na expansão da banda larga.  Para Baigorri, no entanto, essa é a melhor solução: “não é o membro da família que vai ter que pegar a bicicleta, pegar o equipamento e instalar. Vai ser instalada a nova antena menor e a parabólica vai parar de funcionar”, disse também na coletiva

Outra decisão que também favorece esse segmento refere-se à venda em uma única vez dos 400 MHz da faixa de 3,5 GHz, e não como havia aventado a área técnica e mesmo a Procuradoria, de deixar a venda dos 80 MHz dessa banda mais alta para uma rodada em separado, para evitar risco de litígio das empresas de satélite, que não terão o pleito do ressarcimento integral pela desocupação dessa frequência atendido.

Conforme o formato de venda aprovado, serão leiloados quatro blocos de 80 MHz  para todo o país. A não ser que entre uma nova empresa, ideia bastante remota, ficará sobrando um lote nacional, que depois será vendido regionalizado. Pois bem, as três grandes operadoras irão comprar as faixas que não tem problema, mas vão pagar para a limpeza da frequência que será vendida para os pequenos operadores regionais, garantindo, assim, uma segurança completa para a migração dos canais de TV. Mais um tento ganho pela radiodifusão. Esse é ou não o segmento vitorioso?

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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