Seis razões para a queda das ações do Facebook

Queda das ações está vinculada a perda de usuários, denúncias quanto à quebra de privacidade e falta de controle de fake news e competição da Apple, que mudou seus softwares, e de outras redes sociais, como Tik Tok
Seis razões para a queda das ações do Facebook - Crédito: Divulgação
Mark Zuckerberg – Crédito: Divulgação

Diante da tempestade perfeita de adversidades que rondam a Meta, novo nome para o Facebook,  e seu fundador Mark Zuckerberg, nenhuma é tão devastadora quanto a constatação de que o Facebook pode ter batido o teto de crescimento e daqui para frente será só declínio num processo já experimentando por redes como o Orkut. Esta é a avaliação de Ricardo Cavallini, expert em inovação e integrante da SingularityU Brazil.

“As big techs se tornaram as maiores empresas do mundo. Ainda estão num momento de serem muito amadas, mas, a partir do momento em que criaram o status quo, a tendência é de virarem vidraça. Com tudo que isso representa: questões de monopólio e abuso de poder”, analisa Cavallini.

No caso do Facebook, a primeira grande mudança foi a questão das eleições e a Cambridge Analytica, a partir da qual foi uma sequência de escândalos e tantos pedidos de desculpas que o mundo em geral está olhando para a rede social de uma maneira muito negativa. “Em 2022, não dá para esperar nada diferente nas eleições brasileiras, porque não houve nenhuma mudança estrutural relevante”, prevê o especialista da SingularityU.

Para ele, a recente queda das ações tem pelo menos de cinco a seis motivos. Em 3 de fevereiro, as ações da Meta despencaram 26%, na maior queda em um único dia, após a empresa divulgar resultados do quarto trimestre de 2021 e perspectivas abaixo do esperado. A Meta anunciou redução no número de usuários ativos diários do Facebook, em meio à maior concorrência de redes sociais rivais, como Tik Tok, o aplicativo de vídeos curtos. A queda histórica resultou em perdas US$ 225 bilhões em valor de mercado – a maior desvalorização em uma única sessão na história da bolsa, segundo a Dow Jones Market Data.

“Ainda que a redução no número de usuários seja um percentual muito pequeno, isso é relevante porque pode significar que a empresa está deixando de crescer (o número caiu para 1,929 bilhão no quarto trimestre de 2021, em comparação com 1,930 bilhão no trimestre anterior). A Meta tem 1,9 bilhões de usuários num mundo em que há 7 bilhões de pessoas e boa parte não está na internet. O que é mais significativo não é a queda em si, mas o entendimento de alguns analistas de que ele bateu no teto”, destaca Cavallini, apontando como um outro motivo para a queda das ações.

Um dos desafios é a dificuldade de atingir o público jovem. Uma forma de equalizar isso era usar o Instagram, uma rede de jovens, mas que hoje também enfrenta questões, aponta o analista.  Houve a denúncia de que o Facebook sabia que o Instagram fazia mal para adolescentes. “Recentemente, a Meta passou a colocar o selo “Made by Facebook”, uma tentativa de melhorar a imagem do Facebook por meio da boa imagem do Instagram, mas o efeito foi contrário, contaminando a boa imagem da rede de fotos”, diz o especialista.

O fato de a Apple ter introduzido mudanças de privacidade de software  instalado em seus aparelhos no ano passado prejudicou o modelo de negócios da controladora do Facebook, que é baseado em anúncios dirigidos. O resultado foram perdas de cerca de US$ 10 bilhões em receita. Agora, a Apple alerta os usuários o que está sendo usado e depois, em uma espécie de duplo opt in, o usuário tem de autorizar para que o anúncio seja veiculado.

O economista Igor Lucena destaca que, por meio da iniciativa App Tracking Transparency (APT), a Apple envia uma mensagem perguntando se o usuário dá o seu consentimento para a rastreabilidade dos seus dados no aplicativo que ele acaba de baixar. Isso passa a se tornar uma decisão do consumidor. Para as big techs, que transformam os dados do usuário em produto, essa mudança é de grande impacto.  Lucena lembra que o mercado financeiro se baseia em potencial de ganhos futuros dessas empresas.

“O APT muda drasticamente as questões vinculadas à privacidade. Os investidores pensam que, se o Facebook não tem mais a mesma quantidade de metadados, não conseguirá mais entregar produtos com acerto tão grande e as receitas da empresa vão cair”, diz Lucena, apontando outro motivo para a queda das ações do Facebook observada na divulgação do último resultado.

“Os analistas estão descobrindo que metade dos usuários de i-phone estão declinando de permitir o uso de seus dados. Isso é muito grave, pois ainda que esses usuários sejam uma minoria, é uma minoria com perfil qualificado de consumidores. São mudanças que podem ser estruturais e podem ser vetores para alterar para onde as coisas estão indo”, completa Cavallini.

Para ele, embora os resultados financeiros do trimestre também não tenham sido bons, isso não é tão importante como a queda do número de usuários. Há que se considerar ainda os investimentos no Metaverso, que são de longo prazo. Mas um dos fatores a preocupar é a concorrência que está deixando o Facebook para trás. Enquanto o Facebook está sofrendo com os anúncios, o Google está crescendo no segmento; ao mesmo tempo, o TikTok explode em número de usuários e é o app mais baixado.

“Um quarto ponto são os escândalos e o quinto é a que a visão anti-trust voltou a ganhar força nos EUA. Na Europa, há um foco maior em legislação e tributos, mas eles não têm força para legislar. Os EUA podem decidir dividir a Meta”, alerta o especialista.

Lucena observa que a Meta vem sendo questionada sobre eleições, privacidade, discurso de ódio durante muito tempo no Congresso e Zuckerberg não tem conseguido dar respostas. “Há a possibilidade real de uma legislação anti-trust”, prevê o economista.

Ele lembra que ocorreram dois casos clássicos no passado: a Standard Oil, de propriedade de John Rockefeller, foi obrigada a se dissolver em 1911, por decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, com base na Lei Sherman Antitrust. Já a AT&T teve o monopólio do setor de telecomunicações até 1984, quando foi desmantelado por meio de um acordo com o governo, que a processava com base na lei antitruste, dando origem a outras sete empresas regionais.

Cavallini cita ainda um terceiro caso que acabou não acontecendo:  a divisão de Microsoft no início dos anos 2000. Para ele, os EUA teriam perdido a coragem para esse tipo de mudança. E há um argumento que pode ser usado por essas grandes corporações que é a concorrência com a China. “Ainda que essas decisões sejam técnicas e políticas, o story telling da opinião pública e do Congresso acaba fazendo diferença. Como dividir o Facebook se há um TikTok tão forte, uma Amazon, se há um Alibaba?”, questiona Cavallini.

Mas se o Congresso norte-americano desistir de adotar medidas mais duras, como obrigar a divisão do Facebook,  não significa que não haverá regras pró-competição importantes, avalia.  A Europa aprovou uma legislação impedindo que os dados do Facebook sejam tratados fora do continente, o que é ruim para o negócio de publicidade da empresa. Mesmo que o Facebook abrisse um datacenter na Europa, a empresa perderia grande parte de sua base de dados para a formação dos targets

“Sabemos que a tecnologia evolui muito rapidamente e as empresas demoram mais tempo para acompanhar essas mudanças. A legislação demora mais ainda. Mas estamos chegando num período em que a regulação e as políticas públicas vão começar a acompanhar essas ondas de digitalização, a exemplo da LGPD. Isso vai começar a se refletir sobre as big techs. Para uma empresa como o Facebook com todas as dificuldades que listamos acima, isso é muito ruim”, diz Cavallini.

Para o analista, a pressão sobre as redes  sociais contra a política de ódio e fakenews não está funcionando. “Mas a solução, seja qual for, não me parece que será boa para o Facebook financeiramente. A empresa num caminho em que tudo aponta contra”,  conclui Cavallini, apontando que a queda das ações da empresa poderá continuar.

Por Carmen Nery 

 

 

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Redação DMI

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