Regulamentação do BaaS: o que pensa o setor
No final de outubro, o Banco Central (BC) abriu uma consulta pública para colher opiniões e sugestões sobre a sua proposta de regulamentação dos modelos de parceria para oferecimento de serviços financeiros e de pagamento, o chamado banking as a service (BaaS).
No texto de divulgação da consulta pública, o BC explicou que os principais objetivos da regulamentação é dar mais transparência à prestação desses serviços a fim de mitigar riscos dos clientes finais, além de definir claramente as responsabilidades das empresas envolvidas, algo importante para a estabilidade e eficiência do sistema financeiro.
Para o setor, esse passo do BC na regulamentação da prestação desse serviço já era esperado, como disseram ao DMI, portal de informação sobre o sistema financeiro digital e de crédito do Tele.Síntese, representantes da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) e da recém-criada Associação Brasileira de Banking as a Service (BaaS). A reportagem conversou com as duas entidades para ouvir o que avaliam como pontos positivos da proposta do BC e quais aspectos precisam ser mais elaborados.
“A regra é positiva porque dá um padrão mínimo para a indústria e elimina eventuais inseguranças e interpretações jurídicas que existiam no mercado”, disse Bruno Balduccini, sócio do escritório de advocacia Pinheiro Neto e advogado da Associação Brasileira de Banking as a Service (ABBAAS), entidade criada em dezembro para representar fintechs e empresas que atuam no ramo e interagir com autoridades regulatórias, governos e demais stakeholders.
Se até agora, por exemplo, existia no mercado a interpretação de que o prestador de serviço de BaaS não precisava conhecer o cliente final, acarretando riscos em termos de lavagem de dinheiro, a partir da regulação, é algo que deve mudar. “Se a empresa está prestando um serviço para alguém que tem por trás outros clientes, tem que saber quem são, controlar o fluxo e conseguir identificar riscos de PLT [prevenção à lavagem de dinheiro] e coisas do gênero”, afirmou Balduccini.
Na visão do advogado da ABBAAS, a definição feita pelo BC na proposta de regulamentação traz mais clareza sobre o serviço. “O Banco Central definiu que o BaaS nada mais é do que a prestação de um serviço de pagamento ou de crédito por parte de uma instituição regulada para uma tomadora de serviço, que é uma pessoa jurídica, que oferece essa solução de crédito ou de pagamento ao cliente final”, comentou.
Assim como Balduccini, Carlos Augusto de Oliveira, diretor-executivo da ABFintechs, entidade que tem diversas fintechs que atuam como BaaS entre suas cerca de 800 associadas, vê como positiva a iniciativa do BC de colocar a proposta de regulamentação do BaaS em consulta pública. “Há um amadurecimento muito grande do regulador. Para nós, é uma oportunidade de ter uma discussão mais estruturada em cima de uma base concreta”, afirmou.
De acordo com Oliveira, a proposta do BC reflete as conversas que o BC veio tendo com o setor nos últimos tempos. “As definições sobre responsabilidade, transparência e requisitos de contratação, no geral, são muito positivas”, considera.
O diretor-executivo da ABFintechs destaca como um dos principais pontos positivos do texto o estabelecimento do BaaS como uma atividade regulamentada. “Isso era algo que não estava escrito. Era tácito, mas não estava formalizado. Isso traz uma série de obrigações agora formalmente declaradas para quem presta esse serviço”, explicou.
Prestador único
Tanto o representante da ABFintechs quanto da ABBAAS veem aspectos da proposta que precisam ser mais discutidos. Um deles refere-se à proibição de contratação de mais de uma instituição prestadora de serviços de BaaS. Isto é, se uma empresa ou uma fintech querem oferecer aos seus clientes serviços de conta, pagamento e crédito, terão que concentrar todas as contratações em uma única empresa que atua como BaaS. “Na prática, não sei se há um player que consiga fazer tudo com uma mesma empresa. É algo que não faz sentido”, acredita Balduccini.
O advogado afirma que essa regra pode causar uma concentração, tirando do mercado empresas menores que não ofertam todas as modalidades do pacote. Com a concentração, outro risco é de aumento do preço desses serviços.
Oliveira, da ABFintechs, concorda que a determinação de contratação de apenas uma prestadora de serviço de BaaS tira a liberdade de escolha das empresas contratantes. “Nem todos os BaaS oferecem todos os serviços e, mesmo que ofereçam, pode haver variação na qualidade e no preço. Por isso, é importante poder contratar fornecedores diferentes, até mesmo para o benchmarking dos serviços. Para novos prestadores de BaaS, é uma boa oportunidade para serem testados”, disse.
Capital adicional
Outro aspecto da proposta do BC que deve gerar comentários das entidades é quanto à proposição de requerimentos adicionais de patrimônio líquido e de capital mínimos, além de requerimentos prudenciais, para as instituições que prestam serviços de BaaS.
“O escopo de responsabilidade está bem definido, mas se for exigir capital adicional, além do que é exigido como instituição autorizada, pode sobrecarregar as empresas”, considera Oliveira.
“Se uma empresa tem vários clientes, tem um fluxo maior de dinheiro e isso gera a necessidade de capital. Mas será que o capital é o caminho? Será que não vai fechar o mercado só com os grupos que têm mais capacidade financeira?”, questiona Balduccini. “Entendo a preocupação do Banco Central, mas, por outro lado, temos que manter o princípio da regra que garante inovação, transparência e competição.
A consulta pública do BC sobre a regulamentação do BaaS receberá contribuições até o dia 31 de janeiro. Tanto a ABFintechs quanto a ABBAAS ainda estão ouvindo as empresas associadas para elaborar os comentários a serem enviados à autarquia. A ABBAS, inclusive, está fazendo um levantamento para saber o tamanho do mercado de BaaS no Brasil.
A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) também irá enviar contribuições. Em nota à reportagem, a entidade disse que a regulamentação do BaaS é essencial para garantir “os mais altos níveis de transparência e a segurança nas operações financeiras”. A federação também considera que a consulta pública do BC chega num momento oportuno, já que houve um crescimento da prestação desse tipo de serviço nos últimos anos com a digitalização dos clientes, os avanços tecnológicos e o surgimento de novos prestadores de serviços financeiros na área tecnológica.
“A consulta reconhece a necessidade da existência desse tipo de serviço para promover a criação e a expansão de novas funcionalidades, assim como aumentar a competição”, disse a entidade.
“Por outro lado, ela propõe regras, condições e procedimentos de conduta para o aumento da rastreabilidade das transações e prevenção de fraudes e a lavagem de dinheiro, assim como determina a responsabilização pela prestação dos serviços contratados. A Febraban e seus associados aprofundarão a análise da consulta de forma a contribuir com sua construção conforme os prazos estabelecidos”, afirmou a Febraban, sem especificar pontos com os quais deve enviar contribuições.