Rede neutra não se confunde com single grid, alerta Balbino, da Anatel
A febre das redes neutras tem razão de ser e trará mudanças permanentes ao mercado, segundo especialistas reunidos hoje, 30, em debate na Futurecom Digital Week. Financeiramente, faz todo sentido a aposta no conceito, uma vez que há liquidez no mercado de capitais e busca por investimentos seguros e de retorno garantido no longo prazo. Para as teles, o modelo ajuda a reduzir capex e risco de investimentos que não gerem retorno na velocidade adequada para manter o nível de competição.
Além disso, o conceito deverá se estender sobre redes móveis e até sobre os dada center edge que as operadoras até o momento vem construindo por iniciativa própria.
Para o regulador, isso trará desafios, como garantir, com normatização posterior, se for o caso, a neutralidade real dos agentes e que o conceito não seja interpretado pelo mercado como a possibilidade de existência de redes single grid no país.
Anatel: tem que ser neutro de verdade
Abraão Balbino, superintendente de competição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) afirmou no painel que o conceito de rede neutra não é novo. A agência trabalhou com essas hipóteses anos antes, mas sempre houve a visão de que iniciativas do tipo precisam partir da iniciativa privada, uma vez o Estado, ao regular separações estruturais, pode gerar assimetrias na alocação dos recursos, podendo haver descoordenação entre oferta e demanda.
Com o movimento partindo do setor privado, a seu ver, este risco tende a diminuir pois as empresas vão competir entre si no segmento. Mas, alertou, o regulador ficará atento.
“Não podemos confundir com o conceito de single grid, achando que uma só infraestrutura vai existir e fazer tudo. Entendemos que a rivalidade de agentes importa em infraestrutura é possível, sim. Em redes de transporte metropolitanas e urbanas, ter uma rede neutra é importante, mas com diferentes níveis entre os operadores. Porque se tiver uma só rede, um só operador, não tem como estimular a competição apenas pelo serviço”, falou.
Ele ressaltou o que falou em live para o Tele.Síntese há duas semanas: só haverá rede neutra se o operador for atacadista e não tiver dominância no varejo. Caso haja participação relevante no mercado junto ao consumidor final, está sujeito às regulações e, do ponto de vista regulatório, não será considerado neutro.
“Neutralidade, isonomia e transparência, são muito importantes e só são conseguidas quando se desverticaliza, porque retira a chance de o agente econômico busca vantagens indevidas”, diz. Desverticalização é o processo de separar as unidades de negócio da empresa e garantir separação completa entre elas, inclusive econômica.
“Do ponto de vista regulatório, um operador só vai ser de fato neutro se aquele operador não está atuando nos dois níveis: atacadista e varejista. Muitos agentes estão dizendo que vão construir empresa neutra, mas só será neutra se de fato tiver separação daquela empresa de atacado do varejo”, acrescentou.
Risco para pequenos
Para João Moura, presidente executivo da Telcomp, associação que representa operadoras competitivas, o surgimento de tantos interessados em fazer redes neutras se deve ao retorno financeiro previsto.
“Temos uma diferença de valuation muito grande entre ativos de fibra e as telcos tradicionais. Ativos de fibra são negociados a múltiplos acima de 10x o Ebitda. Ao ponto que as telcos, a no máximo 6x. Isso aí atrai novos investidores de olho em ativos com receitas recorrentes, previsíveis e de longo prazo. Combina a chegada dessa nova classe de investidores e a necessidade de as operadoras melhorarem seu caixa, seu balanço”, afirmou.
Ele ressaltou que redes neutras de grandes operadoras varejistas podem não ser tão neutras como prometem caso tenham, de larga, a gigantesca unidade de varejo como cliente principal. “Uma grande empresa que separar a parte da rede, mantendo o varejo cliente dessa unidade de infraestrutura, mas já nasce com um cliente âncora poderoso. Evidente que o operador da rede neutra vai privilegiar esse cliente poderoso em detrimento do pequeno”, afirmou.
Rede neutra também na 5G
Abel Camargo, VP de novos negócios da American Tower Brasil, concorda. Ele ressalta, ainda, que as operadoras não dispõem de dinheiro suficiente para implantar infraestrutura em todo o país, e por isso precisam recorrer a parcerias de compartilhamento ou reduzir a necessidade de investimentos próprios por meio de sociedades.
Ao mesmo tempo, lembrou, a rede de cobre brasileira não tem qualidade suficiente, o que empurrou as teles à necessidade de trocar o que for possível por fibra. “Substituir ADSL, cobre, requer um capital muito alto. Não há geração de caixa suficiente no setor para permitir o investimento. E esse é um fenômeno que já aconteceu no setor de torres”, ressaltou.
A ATC entrou no mercado de redes fixas neutras em 2018, com a compra dos ativos da antiga Cemig Telecom. A partir daí, vem expandindo seu mercado. Já fechou contrato com a Vivo para uso da sua rede de acesso óptica em Minas Gerais. No estado, a ATC cobre Belo Horizonte e está construindo redes em mais 40 cidades.
Para Camargo, o modelo de redes neutras veio para ficar, e vai se estender também para a área móvel, chegando ainda ao edege computing. “Faz todo o sentido no móvel, já que a 5G vai ter uma característica semelhante à fibra, com muita capilaridade. E não faz sentido haver sobreposição de infraestrutura”, disse.
Na computação de borda, que depende da construção de data centers mais próximos aos usuários, será preciso também haver racionalidade dos aportes. “Por que estas estruturas não seriam neutras? Consomem energia, usam ar condicionado, serão muitas com a 5G para redução da latência. O software que roda ali, evidentemente, é de cada operadora. Mas acho que a 5G abre oportunidade para que o conceito de neutralidade tenha muito mais ainda onde ser explorado”, falou.
Tecnologia
Camargo, da American Tower, lembrou o conceito de neutralidade na rede fixa tornou-se com a fibra óptica, em função do avanço tecnológico. “Não compartilhamos a fibra com o cliente, compartilhamos a luz. Essa realidade ajuda o surgimento desses entes puramente neutros. E a qualidade de uma rede neutra tem que ser muito mais alta, pois em caso de problema, afeta ao mesmo tempo várias operadoras”, completou.
A evolução tecnológica vai continuar, e ainda mais modelos de compartilhamento vão surgir. Adrés Madero, da Infinera, afirmou que a tendência é que haja o uso de tecnologias abertas não apenas nas redes de acessos móveis, onde está havendo a desagregação entre as interfaces de rádio e os sistemas, em conceito conhecido como OpenRAN.
“Haverá essa desagregação também nas redes IP. Até os roteadores serão plataformas abertas. E isso vai levar a mais inovação”, vaticinou.