Quando as teles e as TVs comerciais se aliam aos movimentos sociais

O desligamento dos sinais de TV analógica conta com o engajamento de líderes comunitários e ONGs de diferentes perfis para fazer chegar às famílias dos programas sociais os kits de conversores e antenas gratuitos.

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O processo de migração da TV analógica para a TV digital está servindo de espelho, no Brasil, para o reflexo de ação de diferentes países latinos. Mesmo com um adiamento ou outro,  os sinais digitais de TV estão se iluminando neste gigantesco país, apesar de no início de sua implementação ninguém acreditar que isso poderia dar certo.

Afinal, em seu início, em 2014, a  Anatel estava cobrando uma fatura com dois anos de antecedência, vendendo às teles a faixa de 700 MHz, mas concedendo mais prazo para as emissoras de TV desocupar esse espectro; os empresários de TV comercial, descapitalizados, tinham resistências na adoção do padrão digital; e havia muitas dúvidas sobre como evitar que o sinal digital se restringisse à elite brasileira, pois mais de 70% dos aparelhos, à época, ainda eram de tubo.

Política iniciada no governo petista, mantida no atual governo. E, apesar das diferenças ideológicas, o que havia sido decidido no passado, permaneceu no presente, o que permitiu a continuidade do programa.  Durante esse período, algumas decisões foram mais importantes para a migração vingar:

– o dinheiro das teles arrecadado no leilão para financiar a migração não ficaria no caixa do Tesouro, mas em um conta administrada pelas próprias empresas.

– o dinheiro das teles (vários bilhões) seria usado também para manter ligadas as TVs da população de baixa renda, com a compra e distribuição gratuita dos conversores de sinais para as famílias dos cadastros sociais.

Duas derrotas, porém, também ocorreram: o Ginga, software nacional que permitira a interatividade, não foi aproveitado para alavancar a tecnologia nacional nem para ampliar o acesso aos serviços de governo. E as TVs públicas não conseguiram criar uma rede única, nem a multiprogramação.

A implantação dos sinais de TV digital também está sendo bem-sucedida porque os interesses econômicos dos dois principais grupos envolvidos confluíram: o das teles, que precisam de mais frequência (e em particular esta de maior alcance), para ampliar a oferta da banda larga móvel; e o das TV, que entenderam que os sinais digitais trazem imagens mais bonitas e mais nítidas e, consequentemente, mais anúncios.

Lideranças

Mas há também outro componente para o bom resultado dessa política pública, adotado pelos empresários e Anatel, que conduzem o processo. A empresa criada para implementar a migração – EAD, ou Seja Digital – passou a fazer parcerias com as ONGs e lideranças dos movimentos sociais para chegar à população mais carente e,com isso, fazer chegar o conversor digital.

As teles entenderam que não basta vender o celular para os mais pobres, e as TVs viram que não adianta apenas transmitir as novelas para tirar a desconfiança das famílias quanto a essa novidade tecnológica e a sua gratuidade, e foram atrás das lideranças comunitárias para conseguir fazer chegar os kits de antenas e conversores a milhares de residências brasileiras.

E assim tem sido feito, cidade a cidade, estado a estado. Este mês, em 31, deverão ser desligadas, de uma só vez, as TVs de 107 municípios do Rio Grande do Sul (incluindo a capital gaúcha); 28 cidades do Paraná (Curitiba entre eles) e seis de Santa Catarina, com a ilha de Floripa dentro.

Há meses, os líderes comunitários de cada local foram identificados, convidados a trabalhar pelo projeto. Formaram mutirões, com metas de mobilização comunitárias entidades tão díspares como um clube de síndico; um clube de futebol de ferroviários, uma entidade de economia solidária , outra de  cultura na rua ou mais uma de defesa ao direito à comunicação. Todos engajados no projeto maior, de não deixar qualquer brasileiro sem o sinal de TV digital.

Como disse José Carlos Martelleto, presidente da EAD, em uma das apresentações que fez nas viagens prévias para o balanço das metas estabelecidas: “ Era um projeto tecnológico e passou a ser um projeto de inclusão”.

 

A jornalista viajou para SC, PR e RS a convite da Anatel e EAD para acompanhar as reuniões de balanço prévio ao desligamento.

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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