Qualidade, receita para vencer barreiras à exportação da carne brasileira
Embora o Brasil seja o principal exportador de carne bovina, respondendo por 22% do total do produto exportado, 70% do que exporta são carnes desossadas congeladas, de baixo valor agregado. Para ampliar o mercado e elevar o valor agregado, com exportação de carnes com osso e carnes mais nobres, é preciso melhorar a qualidade do produto e vencer a batalha da comunicação.
A receita, segundo especialistas que participaram do Agrotic Gado de Corte, realizado pela Momento Editorial em Cuiabá, MT, no dia 24 de maio, é adotar políticas de rastreamento do produto, que permitam certificar desde sua origem genética, passando pelo processo de manejo de pastagem, criação e alimentação até o abate. E de promoção da carne brasileira do exterior, para vencer as muitas barreiras restritivas tanto de ordem fitossanitária quanto econômica, em função de interesses comerciais.
Para Laudemir Andre Muller, supervisor de Projetos Setoriais da Apex Brasil, há uma enorme oportunidade para o Brasil nesse mercado. Ele vê na Ásia as maiores possibilidades para a carne brasileira, por ser o mercado que mais cresce e porque as barreiras existentes ali são de ordem fitossanitária que podem ser quebradas com medidas relacionadas à melhoria da qualidade do produto. Hoje, informa, a China somada a Hong Kong já é o principal destino das exportações de carne do país.
Essa também é a percepção de Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Centro de Pesquisa de Economia Aplicada – CEPEA. O consumo de carne bovina por pessoa na China ainda é muito baixo – cinco quilos por ano equivalente ao consumo de pescado per capita no Brasil -, existindo um enorme mercado a ser explorado num país que está deixando de ser rural. E o Brasil é o principal candidato a ocupar esse espaço, pois exporta 20% de sua produção de carne bovina, enquanto a Austrália, líder em exportação de carnes nobres, exporta 80% de sua produção.
Mas se o Brasil evoluiu muito em termos de produtividade da carne bovina, Carvalho destaca que ainda há muito o que fazer. Os dados comparativos indicam que o desmame dos bezerros no país é feito mais tardiamente que em países mais competitivos como Austrália e Estados Unidos, e o peso dos bezerros é bastante inferior ao serem desmamados. Também a produção da primeira cria pelas vacas – 80% procriam com menos de três anos – ainda é inferior à média dos países mais avançados.
Promoção do produto
Para melhorar a percepção da carne brasileira no exterior, a Apex Brasil vem desenvolvendo, desde 2013, o programa Brazilian Beef. De seus objetivos também fazem parte a qualificação de empresas para exportação; a defesa de interesses nos mercados-alvo, evitando ou reduzindo barreiras; a identificação de negócios; e a participação em eventos.
De acordo com Muller, os resultados já começam a aparecer com o aumento – ainda que pequeno – de carnes de maior valor agregado. Tanto que em 2017, embora tenha havido uma pequena queda no volume exportado (1,4 bilhão de toneladas), o valor total foi de US$ 5,7 bilhões, pouco superior ao do ano anterior.
Os desafios imediatos da Apex são a retomada das exportações de carne bovina in natura para os EUA; o incremento da quantidade de plantas habilitadas a exportar para China; o início das exportações para a Indonésia e Tailândia; a liberação de Singapura para exportação de carne com osso e miúdos; a retomada do fluxo de exportações para Filipinas; e a ampliação da cota permitida pela União Europeia para exportações provenientes de países do Mercosul.
A promoção da carne brasileira no exterior passa também pela batalha da comunicação, diz o jornalista Gabriel Romeiro, que por mais de 30 anos foi chefe de redação do Globo Rural. Ele acredita que paralelamente ao enfrentamento das questões relativas à qualidade para vencer as barreiras sanitárias, o setor pecuário tem um problema de comunicação tanto com a sociedade brasileira quanto com o mercado internacional. Lembrou que muitas inverdades se disseminam por falta de comunicação adequada, como o boi ser emissor de gases de efeito estufa e contribuir para o aquecimento global.
Aliás, existe um aplicativo desenvolvido pela Embrapa, baseado no modelo Eaggle, para recuperação de áreas degradadas, que otimiza a recuperação de pastagens. Esse app é resultado de um estudo que demonstra que o consumo da carne não aumenta as emissões de gases de efeito estufa quando desacoplado do desmatamento, de acordo com o centro de pesquisa.
Certificação
O aumento da exportação de carnes de valor agregado está relacionado às iniciativas de certificação desenvolvidas pela Confederação Nacional da Agricultura, que criou, em parceria com a Embrapa e a start up Olimpo, uma Plataforma de Qualidade de Carne Bonificada. E pelos produtores da raça Angus, que bem antes da existência dessa plataforma, estabeleceram as características do produto que são certificadas pela TÜV Brasil, filial da TÜV Rheiland, multinacional com 500 escritórios e 200 laboratórios espalhados pelo mundo.
Camilo Carromeu, analista de TI da Embrapa Gado de Corte, explica que a Plataforma de Gestão de Carne Bonificada da CNA começou a operar em 2016 e é integrada a Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA) do Ministério da Agricultura, de certificação e garantia da qualidade. Ela permite a gestão dos protocolos de rastreabilidade de raça e mercado e é composta por um módulo web e por um aplicativo móvel.
Os programas de qualidades estão disponíveis para as seguintes carnes certificadas: Angus, Hereford, Braford, Nelore Natural, Charolês, Wagyu e Devon. Em 2017, 2.258 produtores aderiram ao programa, foram abatidos 574,6 mil animais certificados e a bonificação por cabeça (o que o produtor recebeu a mais do frigorífico por ter a carne certificada) foi de R$ 170,04 em média (7%).
Na avaliação de Guilherme Amado, coordenador técnico da TÜV Rheiland Brasil, a grande vantagem de uma certificação internacional é que ela pode ser comprovada de qualquer ponto do globo. Basta o interessado fazer a imagem do QR Code impresso na etiqueta da carne e verificar no site da certificadora. No caso da carne Angus, que vem sendo certificada desde 2003, hoje a certificação é feita em 29 frigoríficos do país.
Segundo levantamento do Programa Carne Angus, de 2012 até 2017, foram embarcados quase mil toneladas, com expansão de 106% no ultimo ano. Os embarques para a Comunidade Europeia concentram a maior fatia em volume e receita, mas novos países vêm aderindo à clientela. Atualmente, o Brasil exporta cortes Angus certificados para 13 países, com destaque para os novatos Arábia Saudita, China e Singapura.