Proposta da Anatel traz embate entre Exército e Petrobras por faixa de 700 MHz

A Anatel propõe tomar 10 MHz da faixa de 700 MHz hoje destinada ao Exército e Segurança e destiná-la para ser usada por empresas de petróleo, gás, energia e saneamento. Em troca, ampliaria para 20 MHz a frequência da Segurança Pública em outra faixa. Mas as reações são muitas.
Embate entre Exército e Petrobras por faixa de 700 MHz. Crédito: freepick
A consulta pública da Anatel provoca reações distintas. Crédito: Freepick

A proposta da Anatel, cuja consulta pública terminou no final do ano passado, de “refarming” da faixa de 700 MHz, provocou um embate entre poderosos agentes, entre eles o Exército, forças de segurança estaduais de um lado e Petrobras, empresas de utilities (concessionárias de energia e de saneamento) e fabricantes de equipamentos de outro.

A Anatel propõe retirar das forças de seguranças 10 MHz (5+5 MHz entre 703/708 MHz uplink e 758/763 downlink) alocados há muitos anos para esse segmento e direcionar esse pedaço de espectro para o Serviço Limitado Privado (SLP), em caráter primário. Com isso, a agência argumenta que conseguiria atender ao pleito dos dois setores: ampliar o tamanho do espectro disponível para a polícia e defesa nacional, mas em outro espectro; e atender às empresas do segmento de utilities, que há tempos reivindicam uma frequência baixa para aplicações em seus próprios sistemas inteligentes.

Conforme a proposta da agência reguladora, os sistemas de segurança pública seriam deslocados para a faixa de 800 MHz, quando ganhariam 20 MHz, e isso seria possível porque a agência pretende fazer também o “refarming” ou reocupação das bandas A, B, D e E, as primeiras frequências vendidas para a telefonia celular, que tiveram recentemente as licenças prorrogadas, apenas até o ano de 2028.

Reação do Exército e Segurança

Mas essa iniciativa não foi bem aceita pela comunidade de segurança. Conforme o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército Brasileiro retirar esta faixa, mesmo que seja para ampliar o tamanho da capacidade, não deveria acontecer. Argumentou o Exército:

“Tal decisão obrigaria maiores gastos ao Erário Público, em detrimento do cidadão, para beneficiar empresas privadas, em sua maioria estrangeiras, com redução de custos nas suas redes comerciais. Em 2013, quando por decisão da ANATEL foi concedida essa faixa à Segurança Pública, houve uma demonstração de espírito público da Agência e demonstração de preocupação com o bem-estar da população. Tirar essa faixa da destinação prevista em 2013 (Resolução nº 625), em especial para a Segurança Pública e Defesa Civil, é privilegiar empresas privadas em detrimento dos serviços essenciais prestados pelos Órgãos de Segurança Pública e pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública dos Estados Membros da Federação”, afirmou o representante do Exército.

A Secretaria da Segurança Pública do estado do Rio Grande do Sul também manifestou sua discordância. ” A Segurança Pública presta um serviço crítico e de grande relevância diretamente à sociedade e a imposição da alteração da faixa de frequência para estabelecimento de serviços de telefonia privada voltados ao atendimento das equipes policiais nas ruas levaria a um aumento de custos desnecessário ao Estado, por vezes inviabilizando sua implantação e privando a população de uma melhoria dos índices de percepção de segurança”, defendeu.

Na mesma linha, a Polícia Militar de São Paulo (PMSP) argumentou que a faixa de 700 MHz está sendo utilizada “para garantir a operação ininterrupta, com elevada disponibilidade e confiabilidade requeridas, as redes de radiocomunicação da PMESP receberam, somente nos últimos 2 anos, o investimento de R$145.190.653,33”.

A Defesa da alteração

Mas a proposta da Anatel recebeu, por sua vez, elogios e amplos apoios da Petrobras e empresas de utilities. Para a Petrobras, “a  proposta tem grande impacto positivo para a indústria de óleo e gás, pois permite a utilização do canal de 5 MHz no SLP em caráter primário. Esta subfaixa já é utilizada em ambientes offshore, para a tecnologia LTE em plataformas marítimas da Petrobras. Com o uso primário seria garantida a proteção à subfaixa para as aplicações em uso pelos outorgados do SLP”.

Para a UTC, entidade que congrega diferentes empresas de utilities, “Esta faixa será de grande valia para as empresas dos setores de energia elétrica, gás e petróleo, água e saneamento. Estas empresas estão desenvolvendo diversos projetos de modernização de suas redes de distribuição, com a sua automação e implantação de medidores inteligentes, bombas e religadores telecomandados etc. Estas iniciativas permitirão a melhoria dos serviços prestados com a redução do número de falhas e diminuição do tempo para restabelecimento da rede e estão alinhadas com o conceito de cidades inteligentes, trazendo enormes benefícios para toda a sociedade

As empresas destes setores conseguem atender uma quantidade maior de usuários ao poderem utilizar as faixas abaixo de 1 GHz devido ao maior alcance que estas faixas permitem. Com isto, estima-se menores investimentos e custos dos projetos de automação das redes, refletindo diretamente nas tarifas cobradas aos usuários”.

Note-se que na proposta da Anatel não há qualquer menção ou estudo para  que esta última fatia do espectro seja destinada também para o Serviço Móvel Pessoal (SMP), ou a telefonia móvel, cujo último pedaço dessa frequência para a exploração comercial da telefonia celular, de 20 MHz,  foi comprado no recente leilão do 5G, pela Winity, controlada pelo fundo Pátria, por R$ 1,42 bilhão.

Havia um receio de alguns agentes privados, antes do leilão realizado em novembro de 2021 que o refarming da frequência de 700 MHz poderia acabar motivando a venda desses 10 MHz para a telefonia móvel celular, o que poderia acabar desvalorizando a frequência colocada à venda. O que não se confirmou, visto que o espectro de 10 MHz que a Anatel tem a intenção de retirar da segurança pública será direcionado exclusivamente para o serviço limitado privado.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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