Projeto que redefine terrorismo ameaça a democracia, alerta a sociedade civil
A Câmara dos Deputados negou na semana passada a tramitação em regime de urgência do projeto de lei Projeto de Lei 1595/19. O texto propõe a criação de um marco regulatório anti-terrorismo. Prevê vigilância permanente, operações constantes de infiltração e coleta de dados, fomento ao desenvolvimento de tecnologias locais antiterroristas, e facilitação para órgãos do governo realizarem interceptações telefônicas. Prevê a criação de um aparato de combate ao terrorismo – uma espécie de polícia criada com o fim de executar as ações previstas no marco.
O texto sofreu duras críticas no plenário no dia 8, quando o pedido de urgência foi votado – e derrotado. De autoria do deputado bolsonarista Vitor Hugo (PSL-GO), o freio à tramitação não se deu por larga folga, no entanto. Foram 228 votos contra a urgência. Eram necessários 257. Já 199 deputados votaram contra a redação.
O texto cria o Sistema Nacional (SNC) e a Política Nacional Contraterrorista (PNC), sob supervisão do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Também prevê treinamento e qualificação de profissionais de segurança pública e da inteligência para ações preventivas e repressivas, “sigilosas ou ostensivas”, para desarticular ou enfrentar grupos terroristas. Há previsão, ainda, de pedidos de localização geográfica e interceptação de telefonemas e operações de infiltração em ações realizadas dentro ou fora do território nacional.
Ameaça a vozes dissidentes
Apesar da negativa à urgência, entidades civis temem que o texto seja pautado e aprovado em 2022, ano eleitoral. Para dezenas de movimentos sociais, inclusive aqueles ligados às liberdades digitais, a regra proposta ameaça a democracia ao criminalizar grupos dissidentes do governo.
“A estigmatização, perseguição e criminalização das vozes dissidentes no Brasil tem crescido em alta velocidade nos últimos anos, e o PL 1595/2019 intensificaria esse cenário (i) ao ampliar o conceito de terrorismo, ameaçando a existência e as ações de qualquer oposição ao governo; (ii) ao estabelecer uma polícia secreta centralizada no Presidente da República; (iii) ao garantir a impunidade desses agentes paralelos em casos de abuso ou violação de
direitos e (iv) caso esteja vigente durante as eleições de 2022”, escrevem em nota técnica as entidades. O material foi distribuído aos parlamentares ainda no dia 8.
O grupo ressalta que o Brasil não sofre com ameaças reais de terrorismo e que o Código Penal já prevê responsabilizações para as práticas delituosas que o projeto busca enquadrar como ações terroristas. “O objetivo do texto é conter a ação e a articulação social, pilares da democracia brasileira essenciais à efetiva participação política”, avaliam.
Alerta que o PL quer criar uma “polícia política e secreta”, não prevista na arquitetura da segurança pública brasileira. “A polícia política subordinada ao Presidente dará a ele o amplo acesso a informações privilegiadas e dados privados de toda a população, representando uma superestrutura de vigilância e infiltração nas organizações sociais e políticas”, ressaltam.
Por fim, avisam: “Propostas que restringem liberdades fundamentais, como é o caso do referido PL, devem ser amplamente debatidas com a sociedade civil e com demais setores da população que podem sofrer com o teor de suas medidas. A ausência desse diálogo coloca as propostas sob risco de não serem reconhecidas como legítimas e, ainda, de imporem novos riscos às lutas sociais e às vozes dissidentes”.
A nota é assinada por:
Anistia Internacional Brasil
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Artigo 19 – Brasil e América do Sul
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – Abraji
Católicas pelo Direito de Decidir
Central de Movimentos Populares – CMP
Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA
Centro Popular de Direitos Humanos – CPDH
Coalizão Direitos na Rede – CDR
Coletivo Rosas no Deserto de familiares, amigxs e sobreviventes do sistema prisional DF
Comissão Arns
Comissão Brasileira Justiça e Paz – CBJP
Comissão de Advocacia Popular – OAB/PE
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Conectas Direitos Humanos
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares.
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos – CONAQ
Escola de Formação Quilombo dos Palmares – Equip
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum Direitos Humanos de da Terra – FDHT MT
Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU
Fundação SOS Mata Atlântica
Greenpeace Brasil
Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife – IP.rec
Instituto Marielle Franco
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto Soma Brasil
Instituto Vero
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Justiça Global
LBL Liga Brasileira de Lésbicas
Movimento Camponês Popular – MCP
Movimento de Mulheres Camponesas – MMC
Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos – MTD
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Pescadores e Pescadoras – MPP
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM
NOSSAS
Núcleo de assessoria jurídica universitária popular Luiza Mahin/UFRJ
Oxfam Brasil
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Rede Justiça Criminal – RJC
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
Terra de Direitos