Pressionado, Cade instaura processo contra a Globo

Superintendência-geral do Cade aprova a instauração de processo administrativo contra a emissora pela prática da bonificação por volume. Iniciativa levanta temores quanto a precedentes prejudiciais às agências e capazes de respingar sobre Google e Facebook, que concentram o mercado de publicidade online

O processo aberto pelo Cade contra a Globo em 2020 andou na última semana. Técnicos da autarquia apresentaram relatório a respeito do assunto dia 14. No caso, concluíram haver indícios de que a empresa utiliza a bonificação por volume, conhecida como BV, para obter vantagem concorrencial no mercado de publicidade, tanto na TV aberta, quanto na TV paga.

Os técnicos recomendaram a instauração de processo administrativo contra a Globo por parte da superintendência geral. O superintendente-geral interino, Diogo Thomson de Andrade, acatou a sugestão e determinou a abertura do processo. Deu 30 dias para a empresa se defender.

Nos bastidores, no entanto, o que se tem é uma disputa política de alta envergadura. O presidente Jair Bolsonaro pressiona o Cade para que tome alguma atitude contra a Globo. Além desse processo, o órgão também analisa concentração de campeonatos de futebol e a contratação de artistas em regime de exclusividade.

A instauração do processo a respeito do BV é vista por gente do mercado como o cumprimento uma “promessa de campanha” do atual presidente da autarquia, Alexandre Cordeiro. Ele assumiu o posto no dia 12, dois dias antes de o superintendente-interino decidir pelo prosseguimento do processo – aberto pelo próprio Cordeiro, sem qualquer provocação de terceiros, em fevereiro de 2020.

O assunto, no entanto, é visto com muitas ressalvas. O BV é uma prática corrente no mercado e regulada por lei de 2010. Para alguns interlocutores, uma decisão que impeça a Globo de utilizar o recurso pode abrir um precedente prejudicial para agências de publicidade. Mas, principalmente, pode respingar sobre outras grandes comercializadoras de publicidade hoje do Brasil: as big techs Google e Facebook. Ambas também pagam BV às agências de publicidade.

Conforme o painel do Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP), que reúne dados do mercado brasileiro de publicidade, no primeiro trimestre deste ano as agências de publicidade investiram R$ 676 milhões nas publicidade digital, equivalente a 23,3% do total. A TV aberta recebeu 56,9%, equivalente a R$ 1,65 bilhão. Na comparação com o mesmo período de 2020, tem-se uma queda na TV aberta, que detinha 58% de share, e crescimento da publicidade online, que tinha 17,3% de participação.

A investida contra a Globo através do Cade pode, portanto, mirar um alvo e acertar outro. Tanto que tem gerado desconforto em Brasília. Para integrantes do Ministério da Economia, a autarquia tem se mostrado muito política. Há o temor de que a imagem do Cade como organismo técnico seja abalada, o que poderia ter reflexos no interesse de investidores estrangeiros indispostos a realizar aportes em um ambiente que considerem sem regras claras. Cordeiro, o novo presidente do Cade, é ligado ao presidente do PP, Ciro Nogueira (PI).

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Rafael Bucco

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