Presidente dos Correios busca ampliar serviços para marketplaces
Do comércio eletrônico às provas do Exame Nacional do Ensino Médio, de carro ou de barco, a maior empresa de serviço postal do Brasil, os Correios, quer implementar uma reestruturação na nova gestão. Deixando para trás os quatro anos em plano de privatização, a máxima é “ampliar parcerias e receita”, mas como estatal. Para isso, pretende resgatar os serviços de entrega para os grandes marketplaces como Amazon, fortalecer a venda dos chips de telefonia móvel e vender novos produtos nas agências, além de contar com oferta de mais serviços para o próprio governo federal.
Em entrevista ao Tele.Síntese o presidente dos Correios, Fabiano Silva, detalhou como a empresa pretende se posicionar frente ao cenário cada vez mais concorrido no serviço postal e suas variantes, como a nova política de taxar encomendas internacionais e o desafio de desenvolver a capacidade financeira.
Confira abaixo os principais trechos:
Telesíntese: Começando por uma questão recorrente, por que o melhor para os Correios é que ele não seja privatizado?
Fabiano Silva: Os Correios têm uma importância estratégica para o país, em especial porque nós lidamos com um assunto consagrado na nossa Constituição Federal, que é o direito de todas as pessoas se comunicarem. A comunicação é uma garantia que o Estado brasileiro tem que dar para que todas as pessoas, em qualquer parte do país, tenham o direito de comunicação e quem garante isso somos nós. Os Correios é a única empresa que consegue estar presente em todos os municípios do país. Então, nós funcionamos como o integrador nacional e isso, de certa forma, garante o que a gente chama de soberania.
É essencial que a empresa seja pública porque as empresas privadas não cumprem essa função social.
Por exemplo, no Amapá, há uma comunidade que fica em uma ilha que exige 12 horas de barco para alcançá-la. E lá tem uma agência dos Correios para integrar aquela população ao território brasileiro.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o correio que dá prejuízos anuais, mas é uma instituição pública, porque lá também é considerado uma empresa estratégica para o país. Veja… Na maior economia capitalista do mundo, o correio também é público.
Mesmo que a gente não fale mais de privatização. Existe a possibilidade de venda de ativos?
Silva: Temos que fazer uma gestão da empresa que garanta sustentabilidade financeira, mesmo sabendo que nós temos esse ônus grande que é comunicar o Brasil inteiro. Precisamos ser um braço de execução de políticas públicas do governo e isso tem um custo. Por exemplo, nós temos vários imóveis espalhados pelo país. A administração anterior colocou as cartas de imóveis à venda. Nós optamos por vender somente aqueles que, de fato, não há qualquer interesse para a empresa, imóveis onerosos, que não tem fundamento.
Mas também decidimos que não vamos vender os imóveis que são tombados, que são históricos. Por exemplo, temos um imóvel em São Paulo, na Praça dos Correios, que é um prédio lindo. Aquele móvel estava à venda, mas nós não queremos vender, porque tem um valor muito grande para empresa, valor sentimental e estratégico. Então, vamos fazer uma parceria com a Prefeitura de São Paulo, que vai poder utilizar e revitalizar o imóvel, e nós vamos continuar atuando lá também em um determinado espaço. Vai servir também ao poder público e à população.
Nós vamos fazer uma reestruturação da nossa carteira imobiliária. E, em qualquer venda, o valor apurado deverá ser direcionado para aquisição de imóveis que são estratégicos para nós. É uma reciclagem da nossa carteira.
Reciclagem, com novos imóveis…
Silva: Nós precisamos crescer. Aqui em Brasília, nós vamos construir um Centro de Tratamento de Encomendas (CTE). Esse projeto, por exemplo, estava parado aqui há anos. Nós vamos agora licitar, vai ser um imóvel grande, nós vamos construir dentro de novos parâmetros, que garanta a sustentabilidade. No Nordeste, também estamos discutindo a instalação de um centro internacional. O Nordeste corresponde a cerca de 25% da nossa carga. A gente quer instalar um centro para que a encomenda chegue direto lá e que possa desenvolver a região.
Quando a gente fala de reciclagem de ativos, seria só mesmo a questão dos imóveis ou algo mais, algum braço dos Correios?
Silva: Os Correios hoje não tem muito braço. Na verdade, esse é um dos objetivos que nós temos de criar algumas operações que possam agregar valor à empresa. Por exemplo, o Correio francês vende vários produtos dentro da agência. Aqui nós também temos esse projeto.
Qual é a previsão para o centro de tratamento de encomendas em Brasília?
Silva: Para o CTE de Brasília, eu já assinei o início do procedimento de licitação. Também vamos reformar cerca de 400 agências, vamos reformar alguns centros de distribuição também. São investimentos altos. A empresa passou por um longo período de falta de investimento. A administração anterior optou por não investir e hoje a gente sente que isso foi um grande problema, porque se alguns investimentos tivessem sido realizados, estaríamos num outro patamar.
O serviço postal cresceu muito nos últimos anos. Como os Correios podem lidar com o Mercado Livre, entre outros marketplaces?
Silva: Esses marketplaces são nossos clientes. O Mercado Livre é um cliente muito importante que nós temos. Outros também, como o Magazine Luiza, é um cliente muito relevante. A Amazon diminuiu muito a participação, mas estamos investindo em retomar essas empresas como nossos clientes. Então, enxergamos como parceiros.
A participação dos marketplaces foi diminuindo ao longo do tempo e precisamos que essas empresas voltem a trabalhar com os Correios.
E, é claro, essas empresas têm demandas específicas. Na medida em que nós, que somos prestadores de serviço, não formos flexíveis, gerou naturalmente a necessidade dessas empresas desenvolverem suas próprias estruturas. Por isso houve o decréscimo de receita.
Estamos retomando o relacionamento, trabalhando de forma personalizada. O Mercado Livre voltou aqui em uma ótima relação. Estamos construindo soluções que atendam a todas as empresas de modo satisfatório. Enxergamos como parceiros e como clientes, que são.
Quais são as formas de atrair esses parceiros?
Silva: Nós somos prestadores de serviço, e gente precisa ter um serviço que atenda adequadamente essas demandas. Hoje todo mundo busca mais eficiência, qualidade e agilidade. O tempo é um muito importante nessa relação de comércio eletrônico. As empresas procuram isso e a eficiência é um princípio que deve nos nortear.
Nós temos uma lição de casa, que estamos fazendo, de passar confiança para os clientes de que nós seremos, sim, uma empresa que podem confiar e que terá, sim, uma agilidade na entrega das encomendas.
Falando em agilidade, os Correios podem trabalhar com entregadores colaboradores? Como ocorre com outras empresas de serviço postais?
Silva: Nesse setor, aconteceu o que a gente chama de uberização. É comum você ver nos finais de semana chegar na sua casa, de repente, uma pessoa com criança no banco de trás do carro, em uma situação precarizada, para entregar uma encomenda. Nós não somos isso. Somos uma empresa com responsabilidade social. Os funcionários são concursados, têm seus direitos celetistas garantidos, têm proteção social e são extremamente organizados do ponto de vista sindical. É diferente com essas pessoas que estão à margem de um sistema de proteção. Isso é importante que a população, quando vá fazer a compra, saiba que entre as opções [de entrega], aqui tem uma empresa pública e ela está contratando de uma empresa que retribui para ela, porque o povo brasileiro é o dono dos Correios.
Nós temos a função social de estar presente em todos os municípios. Todo município tem uma agência e nós vamos querer colocar internet em todo lugar. Pra que, quando a pessoa chegar lá na ‘praça dos Correios’, em qualquer cidadezinha, possa acessar a internet.
Sobre os pontos de internet, é interessante, em que pé está isso? Haverá parcerias?
Silva: Estamos discutindo. No momento, há o projeto do Ministério das Comunicações. Então, vamos atuar para que isso seja viável. Talvez ainda esse ano a gente tenha novidades muito importantes no setor.
No Legislativo, há projetos de lei que discutem uma atualização da legislação sobre os serviços postais. Embora muito do previsto estivesse tratando de privatização, há alguma oportunidade de aproveitar a tramitação e aprimorar a lei atual?
Silva: O setor pode ter uma regulação que seja mais atualizada. Mas a gente não trabalhou o projeto ainda. É algo que a nossa assessoria parlamentar está começando a trabalhar.
Atualmente, temos um projeto que é super importante, que prioriza as compras do governo para os Correios. Esse projeto é muito importante para a empresa, para gente fazer o serviços junto ao governo federal. Já foi aprovado na Câmara e está no Senado, com parecer favorável da Professora Dorinha Seabra (União-TO) e esperamos que na volta do recesso ele seja aprovado.
A principal crítica a esse projeto de priorização dos Correios é o receio de se deixar de lado critérios os economicidade e qualidade. Qual é sua resposta a esse tipo de questionamento?
Silva: Nós preenchemos todos os requisitos para sermos contratados. Vamos ter o menor preço, a melhor logística e atenderemos ao interesse público. Somos uma empresa relevante para o povo brasileiro, então, é natural que o governo queira também fortalecer a empresa.
Nós não podemos passar por um processo de inanição financeira. [O projeto] não está falando que 100% das compras do governo sejam destinadas aos Correios. É uma priorização dos Correios, pode significar 10%, algo assim. Algo que seja vantajoso para a administração pública, esse é o critério. Nem poderia ser diferente. É olhar para a empresa pública como um player importante.
A administração pública nos escolhe para fazer a distribuição de todos os livros didáticos no país. Essa é a maior operação logística do mundo. Nós entregamos 200 milhões de livros no país inteiro e em qualquer comunidade do país.
O Enem, também, é aplicado em um domingo. A gente tem quatro horas para que essas provas estejam entregues em todos os pontos de prova do país, em margem de erro zero. A gente monta uma central de monitoramento e acompanha pacote a pacote, porque nós temos eficiência. Somos a única empresa que consegue executar esse trabalho.
E o Correios Celular? Como está de operação e quais são os planos futuros?
Silva: Hoje nós temos 500 mil usuários. É um produto importante para gente, mas pouca gente conhece, porque não temos investimentos de divulgação, de publicidade e marketing, nada. Para o ano que vem, nós vamos retomar. Mas em todas as agências dos Correios as pessoas podem adquirir o chip do Correios Celular. Nós temos planos que são pré-pagos, pós-pagos e são planos que são completamente aderentes à população.
Nós somos altamente competitivos com as outras operadoras de celular. Nós temos uma estratégia. Para nós, é muito importante ampliar esse mercado, de repente, levando junto ao governo, que o governo também trabalhe com o Correio Celular. Então esse é um setor que a gente quer de fato priorizar e investir bastante.
Já ganhamos o prêmio do Reclame Aqui como melhor atendimento ao cliente duas vezes. Isso significa que o nosso atendimento, após a aquisição, é o melhor que tem entre as operadoras.
Qual seria a estratégia para o Correio Celular?
Silva: Para o Correio Celular, ainda estamos estudando a melhor estratégia para que a gente amplie. É óbvio que nós queremos ampliar mercado, ampliar receita.
Temos um grupo trabalhando sobre a nova visão que teremos sobre a empresa. Por exemplo, a gente vende Tele Sena, e também vamos passar a vender seguros nas agências [em fase de licitação], ou plano odontológico. O Correios Celular é um nicho importante. O objetivo é fortalecimento e expansão.
Esse grupo que discute a reestruturação do Correios Celular tem um prazo específico para conclusão?
Silva: Tudo que a gente quer fazer é pra esse ano. Essa é uma entrega que estamos correndo, precisamos ampliar parcerias e receitas.
Há orçamento para esse plano de ampliação?
Silva: Contamos com o orçamento de investimento. Não houve investimento nos últimos anos. Houve a troca de computador, troca de carro… manutenção. Seguraram todas as contratações de tecnologias e isso gera uma defasagem tecnológica significativa. Vamos adquirir uma ferramenta de CRM [de armazenagem de informações de clientes para gestão de relacionamento], que é para interação dos nossos clientes. Isso tem um potencial altíssimo para nós.
Outro projeto que ainda está embrionário, mas que está no nosso plano estratégico, é desenvolver uma política de ESG [Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês] que é a responsabilidade ambiental, social e de governança corporativa. Precisamos pensar nisso porque somos uma empresa que emite muito carbono, temos muito carro. Estamos pensando em uma política de substituição da nossa frota, para uma frota sustentável.
Se nós temos dinheiro para tudo isso? Não sei. Mas nós temos a possibilidade de obter financiamento, de organismos internacionais, que já tem uma discussão em andamento. Financiamento também pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], então, temos que procurar essas entidades.
Sobre receita, como a nova política de taxar comércio eletrônico internacional afeta os Correios e como a empresa se coloca nesse debate?
Silva: Há um receio, sim, claro… É comércio. O comércio eletrônico é muito relevante para nós e o comércio eletrônico internacional passou a ser mais significativo. Hoje é uma receita fundamental para a empresa.
A Receita Federal está correta em querer ter um maior controle sobre as mercadorias que entram, em ter um sistema de tratamento adequado, que saiba o que está entrando, até para que o fluxo de entrada seja mais ágil e possa atender a população. O programa Remessa Conforme é importante para avançar nesse sentido.
Nós temos, naturalmente, algumas demandas ainda que estamos tratando junto com o Ministério da Fazenda e com a Receita Federal. Eu creio que a gente vai ter um bom entendimento.
Estamos em tratativas para que o Programa Remessa Conforme seja de fato regulado da forma que eles pretendem e para que os Correios mantenham a posição que ocupa hoje nesse setor.
Qual é exatamente o receio?
Silva: Depende. Se fosse estabelecida uma alíquota alta, inviabilizaria esse comércio. Imagina se você colocasse 60%? Ninguém mais vai querer comprar, fechando a porta desse comércio. Mas não foi isso que foi feito. A receita, corretamente, manteve um valor de 50 dólares para as empresas que tiverem aderido ao programa de conformidade e estabeleceu uma alíquota de ICMS de 17%.