Presidente da Claro defende isonomia para a Lei do SeAC, ou seu fim
A Claro Brasil é líder no segmento de banda larga fixa, de TV paga e segunda colocada no mercado de telefonia móvel. Nos leilões de venda de frequências realizados pela Anatel, compra tudo o que a deixam comprar, normalmente pagando à vista. Seu presidente, José Félix, prepara-se para o leilão da 5G, mas antes está envolvido na defesa da Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e não concorda com os argumentos de que o serviço criado pela lei não se encaixe na internet.
Felix apoia alterações na Lei do SeAC, mesmo consciente de que elas estão direcionadas para atender a um competidor – a AT&T – que controla a Sky, segunda maior operadora de TV paga do país. Ele reconhece que a eliminação dos artigos quinto e sexto dessa lei – que proíbe a propriedade cruzada entre distribuidor e produtor de programas de TV – irá beneficiar o seu concorrente, mas também todas as operadoras de telecomunicações, inclusive a Claro.
Não aceita, porém, os argumentos de que a lei não serve para a internet. ” Queremos apenas a isonomia. Quem quer o melhor dos mundos são esses que defendem que na internet não tem SeAC. Hoje, tem. Eu também reclamava da lei, mas nós a cumprimos. Todos têm que cumprir. Simples assim”, advoga.
E chega a ser irônico quando ouve argumentos de que a produção nacional será preservada na internet, mesmo sem o SeAC, porque o brasileiro adora o conteúdo nacional. “Tem que ser muito cara de pau para defender uma coisa dessas. Qual o jogo da HBO, da Disney, da Fox? Todos gingantes. Esses gigantes vão transmitir as suas grades fechadas lá de fora, para todo o Brasil, para todo o mundo, como fazem o Facebook e o Google. Em três anos, se não prevalecer a isonomia, o mercado estará completamente internacionalizado”, alerta.
A seguir, os principais trechos da entrevista :
Tele.Síntese – Por que a Claro defende a manutenção das transmissões da TV aberta via satélite na banda C? Não vai continuar a interferência quando a 5G chegar? Não é melhor deslocar o serviço para a banda Ku?
José Félix – Antes de responder, faço uma pergunta. Quem vai ter que pagar para acabar com essa interferência?
Tele.Síntese – Entendo que deverão ser as operadoras de celular, que vão ocupar o espectro com novo serviço.
Félix– Ótimo. E eu resolvo esse problema usando um filtro. Em nossa avaliação, não é necessária a migração.
Tele.Síntese – Em relação à Lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado), a Claro parece estar em uma posição isolada…
Félix – Acho que as pessoas não entendem direito o que está acontecendo. Está-se fazendo açodadamente um puxadinho numa casa mambembe. Há uma lei instituída no país. Por mais que eu não gostasse, na hora que virou lei, fomos trabalhar dentro das regras. E investimos muitos bilhões para ficarmos em um negócio dentro da lei.
Tele.Síntese – O que está em debate?
Félix– O SeAC é o Serviço de Acesso Condicionado. Isso significa dizer que “eu condiciono você a ver o que estou oferecendo”.E, normalmente, o condicionante é o pagamento. A Lei não fala em telecom, não fala que tem que usar uma caixinha, que tem que transmitir em cima do cabo ou no satélite ou na internet. A lei regulamenta um serviço. Portanto, quem faz esse serviço deveria estar sujeito a esse regulamento. Tão simples quanto isso. Tanto é verdade que a Anatel emitiu uma cautelar reforçando essa posição. Isso é o que diz a lei. Mas, quando se lida com diversos grupos econômicos, todos se aproveitam e há uma grande confusão.
Tele.Síntese – Os críticos a sua tese alegam que a Claro quer o melhor dos mundos. Poder comprar direitos de transmissão de conteúdo nacional e querer que todos fiquem presos ao SeAC
Félix – O que não é legal é criar uma porteira aberta na internet e não deixar eu entrar na porteira.
Tele.Síntese – Mas se caírem os artigos 5 e 6 da Lei do SeAC, a operadora não fica liberada para entrar na porteira da internet?
Félix – Claro que não! Estou sujeito a uma lei chamada SeAC. O meu cliente paga uma assinatura. Eu cobro para ele receber o meu serviço com cerca de 23% de impostos, que repasso para o governo. Os outros caras na internet vão pagar 11% para fazer a mesma coisa que eu faço. E o que o farei com os 10 milhões de clientes que continuarão a pagar 23% de imposto?
Tele.Síntese – Há quem defenda que o melhor seria, então, acabar com a Lei.
Félix – Essa seria a melhor solução. Deixar todo mundo em condições iguais. Ninguém está querendo acabar com a internet. Não temos nenhum problema com a Netflix, com a HBO. Todo mundo faz o que quer na internet. A única coisa que a gente está falando é que, se uma empresa oferecer canal linear, estará prestando serviço de SeAC. Não importa se é por satélite ou por internet.
Tele.Síntese – Muitos advogados argumentam que a lei não fala em “canal linear”
Félix – Há muito desconhecimento. A lei já é esquisita por si só. Esses artigos 5 e 6, por exemplo, estabelecem que somente telecom é que não pode contratar artista. E aí os caras querem tirar esses artigos. Se isso resolve o problema da AT&T, por mim, pode tirar.
Tele.Síntese – Qual é o problema, então?
Félix – Se fizerem só isso, vão criar uma disparidade gigantesca no mercado. Não estamos querendo proteger nada. Só o que queremos é isonomia. Mais nada. Caindo os artigos 5 e 6, a AT&T ou qualquer empresa do mundo ou brasileira poderá pedir uma licença de SeAC.
Vamos pegar a Globoplay, por exemplo. Hoje, ela não pode ser distribuidora, e, caindo os artigos 5 e 6 ela poderá, bastando para isso pedir licença de SeAC. Muitos não querem a licença de SeAC porque tem muita obrigação! Hoje, internet é SeAc por que a lei não diz como se deve transmitir o serviço.
Qual é o jogo da HBO, da Disney, da Fox? Todos gigantes! A lei manda eles terem uma licença de SeAC. Isso eles não querem, porque têm que pagar 23% de imposto, porque a lei obriga a carregar os canais brasileiros, a ter call center… Eles querem, lá, dos Estados Unidos, transmitir para o Brasil inteiro, para o mundo inteiro.
Tele.Síntese – Um dos argumentos dos grandes produtores nacionais é que o brasileiro gosta de ver a TV nacional. E, por isso, não haveria risco para o conteúdo nacional….
Félix – Isso é brincadeira, né? Tem que ser muito cara de pau para dizer uma coisa dessas. Na AT&T, se fala inglês. O cara da Fox, da Disney, também falam inglês e vão jogar o conteúdo para o Brasil traduzido, legendado. Acha que eles vão se preocupar espontaneamente com o canal brasileiro? Vai acabar tudo aquilo que os produtores nacionais conseguiram. Tudo vai para o brejo. Em três anos, se não prevalecer a isonomia, o mercado estará absolutamente internacionalizado. Parece que a gente é que é o dinossauro. Não somos contra a nada. Só queremos que a lei seja obedecida. Pode fazer VOD, zap ou qualquer coisa que não seja SeAC. O Netflix está em nossa rede, meu Deus! Não tem nada a ver com essa discussão.
Nota da Redação
A lei do SeAC e o que estabelecem os artigos 5 e 6, em debate:
Art. 5º O controle ou a titularidade de participação superior a 50% (cinquenta por cento) do capital total e votante de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e por produtoras e programadoras com sede no Brasil, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços. (Vigência)
§ 1º O controle ou a titularidade de participação superior a 30% (trinta por cento) do capital total e votante de concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e de produtoras e programadoras com sede no Brasil não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços.
§ 2º É facultado às concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e a produtoras e programadoras com sede no Brasil, diretamente ou por meio de empresa sobre a qual detenham controle direto, indireto ou sob controle comum, prestar serviços de telecomunicações exclusivamente para concessionárias e permissionárias dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens ou transportar conteúdo audiovisual das produtoras ou programadoras com sede no Brasil para entrega às distribuidoras, desde que no âmbito da própria rede.
§ 3º É facultado às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, diretamente ou por meio de empresa sobre a qual detenham controle direto, indireto ou sob controle comum, controlar produtoras e programadoras com sede no Brasil que exerçam atividades exclusivamente destinadas à comercialização de produtos e serviços para o mercado internacional.
Art. 6º As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, bem como suas controladas, controladoras ou coligadas, não poderão, com a finalidade de produzir conteúdo audiovisual para sua veiculação no serviço de acesso condicionado ou no serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens:
I – adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional; e
II – contratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza, inclusive direitos sobre obras de autores nacionais.
Parágrafo único. As restrições de que trata este artigo não se aplicam quando a aquisição ou a contratação se destinar exclusivamente à produção de peças publicitárias.