Presidente da Claro defende isonomia para a Lei do SeAC, ou seu fim

O presidente da Claro Brasil, José Félix, concorda com mudança na Lei do SeAC para atender à AT&T, mas não aceita que a competição não seja isonômica. Para ele, seja Fox, HBO ou Globo, se essas empresas quiserem cobrar assinatura de TV, seja na internet ou no satélite, terão que pedir licença de SeAC. E acha que se não prevalecer a isonomia, o mercado de audiovisual estará absolutamente internacionalizado em três anos.
Brasilia, 21 de maio de 2019 – Telebrasil 2019 – Foto: Saulo Cruz / Themapress

A Claro Brasil  é líder no segmento de banda larga fixa, de TV paga e segunda colocada no mercado de telefonia móvel. Nos leilões de venda de frequências realizados pela Anatel, compra tudo o que a deixam comprar, normalmente pagando à vista. Seu presidente, José Félix, prepara-se para o leilão da 5G, mas antes está envolvido na defesa da Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e não concorda com os argumentos de que o serviço criado pela lei não se encaixe na internet.

Felix apoia alterações na Lei do SeAC, mesmo consciente de que elas estão direcionadas para atender a um competidor – a AT&T – que controla a Sky, segunda maior operadora de TV paga do país. Ele reconhece que a eliminação dos artigos quinto e sexto dessa lei – que proíbe a propriedade cruzada entre distribuidor e produtor de programas de TV – irá beneficiar o seu concorrente, mas também todas as operadoras de telecomunicações, inclusive a Claro.

Não aceita, porém,  os argumentos de que a lei não serve para a internet. ” Queremos apenas a isonomia. Quem quer o melhor dos mundos são esses que defendem que na internet não tem SeAC. Hoje, tem.  Eu também reclamava da lei, mas nós a cumprimos. Todos têm que cumprir. Simples assim”, advoga.

E chega a ser irônico quando ouve argumentos de que a produção nacional será preservada na internet, mesmo sem o SeAC,  porque o brasileiro adora o conteúdo nacional. “Tem que ser muito cara de pau para defender uma coisa dessas. Qual o jogo da  HBO, da Disney, da Fox? Todos  gingantes. Esses gigantes vão transmitir as suas grades fechadas lá de fora, para todo o Brasil, para todo o mundo, como fazem o Facebook e o Google. Em três anos, se não prevalecer a isonomia, o mercado estará completamente internacionalizado”, alerta.

A seguir, os principais trechos da entrevista :

Tele.SíntesePor que a Claro defende a manutenção das transmissões da TV aberta via satélite na banda C? Não vai continuar a interferência quando a 5G chegar? Não é melhor deslocar o serviço para a banda Ku?

José Félix –  Antes de responder, faço uma pergunta. Quem vai ter que pagar para acabar com essa interferência?

Tele.Síntese – Entendo que deverão ser as operadoras de celular, que vão ocupar o espectro com novo serviço.

Félix– Ótimo. E eu  resolvo esse problema usando um filtro. Em nossa avaliação, não é necessária a migração.

Tele.Síntese – Em relação à Lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado), a Claro parece estar em uma posição isolada…

Félix – Acho que as pessoas não entendem direito o que está acontecendo. Está-se fazendo açodadamente um puxadinho numa casa mambembe. Há uma lei instituída no país. Por mais que eu não gostasse, na hora que virou lei, fomos trabalhar dentro das regras. E investimos muitos bilhões para ficarmos em um negócio dentro da lei.

Tele.SínteseO que está em debate?

Félix– O SeAC é o Serviço de Acesso Condicionado. Isso significa dizer que “eu condiciono você a ver o que estou oferecendo”.E, normalmente, o condicionante é o pagamento. A Lei não fala em telecom, não fala que tem que usar uma caixinha, que tem que transmitir em cima do cabo ou no satélite ou na internet.  A lei regulamenta um serviço. Portanto, quem faz esse serviço deveria estar sujeito a esse regulamento. Tão simples quanto isso. Tanto é verdade que a Anatel emitiu uma cautelar reforçando essa posição. Isso é o que diz a lei. Mas, quando se lida com diversos grupos econômicos, todos se aproveitam e há uma grande confusão.

Tele.SínteseOs críticos a sua tese alegam que a Claro quer o melhor dos mundos. Poder comprar direitos de transmissão de conteúdo nacional e querer que todos fiquem presos ao SeAC

Félix – O que não é legal é criar uma porteira aberta na internet e não deixar eu entrar na porteira.

Tele.Síntese Mas se caírem os artigos 5 e 6 da Lei do SeAC, a operadora não fica liberada para entrar na porteira da internet?

Félix – Claro que não! Estou sujeito a uma lei chamada SeAC. O meu cliente paga uma assinatura. Eu cobro para   ele receber o meu serviço com cerca de 23% de impostos, que repasso para o governo. Os outros caras na internet vão pagar 11%  para fazer a mesma coisa que eu faço. E o que o farei com os 10 milhões de clientes que continuarão a pagar 23% de imposto?

Tele.SínteseHá quem defenda que o melhor seria, então, acabar com a Lei.

Félix – Essa seria a melhor solução. Deixar todo mundo em condições iguais.  Ninguém está querendo acabar com a internet. Não temos nenhum problema com a Netflix, com a HBO. Todo mundo faz o que quer na internet. A única coisa que a gente está falando é que, se uma empresa oferecer canal linear, estará prestando serviço de SeAC. Não importa se é por satélite ou por internet.

Tele.SínteseMuitos advogados argumentam que a lei não fala em “canal linear”

Félix – Há muito desconhecimento.  A lei já é esquisita por si só. Esses  artigos 5 e 6, por exemplo, estabelecem que somente telecom é que não pode contratar artista.  E aí os caras querem tirar esses artigos.  Se isso resolve o problema da AT&T, por mim, pode tirar.

Tele.SínteseQual é o problema, então?

Félix – Se fizerem só isso, vão criar uma disparidade gigantesca no mercado. Não estamos querendo proteger nada. Só o que queremos é isonomia. Mais nada. Caindo os artigos 5 e 6, a AT&T ou qualquer empresa do mundo ou brasileira poderá pedir uma licença de SeAC.

Vamos pegar a Globoplay, por exemplo. Hoje, ela não pode ser distribuidora, e, caindo os artigos  5 e 6 ela poderá,  bastando para isso pedir licença de SeAC. Muitos não querem a licença de SeAC porque tem muita obrigação! Hoje, internet é SeAc por que a lei não diz como se deve transmitir o serviço.

Qual é o jogo da HBO, da Disney, da Fox? Todos gigantes! A lei manda eles terem uma licença de SeAC.  Isso eles não querem, porque têm que pagar 23% de imposto, porque a lei  obriga a carregar os  canais brasileiros, a ter call center… Eles querem,  lá, dos Estados Unidos, transmitir para o Brasil inteiro, para o mundo inteiro.

Tele.SínteseUm dos argumentos dos grandes produtores nacionais é que o brasileiro gosta de ver  a TV nacional. E, por isso, não haveria risco para o conteúdo nacional….

Félix – Isso é brincadeira, né?  Tem que ser muito cara de pau para dizer uma coisa dessas. Na AT&T, se fala inglês. O cara da  Fox, da Disney, também falam inglês e vão jogar o conteúdo para o Brasil traduzido, legendado.  Acha que eles vão se  preocupar espontaneamente com o canal brasileiro?  Vai acabar tudo aquilo que os produtores nacionais conseguiram. Tudo vai para o brejo. Em três anos, se não prevalecer a isonomia, o mercado estará absolutamente internacionalizado. Parece que a gente é que é o dinossauro. Não somos contra a nada. Só queremos que a lei seja obedecida. Pode fazer VOD, zap ou qualquer coisa que não seja SeAC. O Netflix está em nossa rede, meu Deus! Não tem nada a ver com essa discussão.

 

Nota da Redação

A lei do SeAC e o que estabelecem os artigos 5 e 6, em debate:

Art. 5º O controle ou a titularidade de participação superior a 50% (cinquenta por cento) do capital total e votante de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e por produtoras e programadoras com sede no Brasil, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços. (Vigência)

§ 1º O controle ou a titularidade de participação superior a 30% (trinta por cento) do capital total e votante de concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e de produtoras e programadoras com sede no Brasil não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços.

§ 2º É facultado às concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e a produtoras e programadoras com sede no Brasil, diretamente ou por meio de empresa sobre a qual detenham controle direto, indireto ou sob controle comum, prestar serviços de telecomunicações exclusivamente para concessionárias e permissionárias dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens ou transportar conteúdo audiovisual das produtoras ou programadoras com sede no Brasil para entrega às distribuidoras, desde que no âmbito da própria rede.

§ 3º É facultado às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, diretamente ou por meio de empresa sobre a qual detenham controle direto, indireto ou sob controle comum, controlar produtoras e programadoras com sede no Brasil que exerçam atividades exclusivamente destinadas à comercialização de produtos e serviços para o mercado internacional.

Art. 6º As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, bem como suas controladas, controladoras ou coligadas, não poderão, com a finalidade de produzir conteúdo audiovisual para sua veiculação no serviço de acesso condicionado ou no serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens:

I – adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional; e

II – contratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza, inclusive direitos sobre obras de autores nacionais.

Parágrafo único. As restrições de que trata este artigo não se aplicam quando a aquisição ou a contratação se destinar exclusivamente à produção de peças publicitárias.

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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