Políticas públicas e adensamento positivo
Desde que se iniciou massivamente como principal serviço para comunicação pessoal terrestre, o celular sempre teve como desafio o aumento de sua área de abrangência. Mesmo quando a universalização do acesso à comunicação era um papel legal do serviço telefônico fixo, a telefonia móvel se mostrou como o verdadeiro serviço popular, muito devido à estrondosa expansão e à penetração da modalidade pré-paga.
Duas décadas depois, o aumento da cobertura da rede para alcançar vilarejos, localidades e trechos de estradas sem o serviço de internet móvel é a parte mais importante da política pública de conectividade brasileira. O edital de licitação das radiofrequências empregadas no 5G (Leilão do 5G), em sua forma e em sua filosofia, é a maior prova de que as fichas da aposta da conectividade universal e significativa estão depositadas no Serviço Móvel Pessoal.
Na outra ponta, no cenário de competição do serviço móvel temos um mercado mais consolidado, com três operadoras nacionais majoritárias e saudáveis, mas com duas que ficaram pelo caminho nos últimos quatro anos: a Nextel e a Oi. A retirada dessas duas operadoras do mercado e a assunção de seus clientes pelos concorrentes produziram efeitos, alguns deles sobre as redes de prestação do serviço, que acabaram encolhendo.
Dado o desafio de expansão da rede para levar serviço a quem não tem, uma nova tecnologia de conectividade chegando e o encolhimento da infraestrutura pela saída de agentes, configurou-se uma expectativa muito grande sobre qual o tamanho e a robustez da rede nacional para suportar o crescimento vertiginoso do tráfego consumido no Brasil – a expectativa é de um crescimento de 30% na América Latina entre 2022 e 2030 [1]– e ainda expandir o alcance do SMP (Serviço Móvel Pessoal). Dessa expectativa, um debate chama a atenção e versa sobre dispor de mais radiofrequência para os prestadores existentes, versus a possibilidade de, com as frequências já detidas, investirem em um adensamento de infraestrutura, suficiente para escoar o tráfego, e deixar frequências ainda sem uso para as novas prestadoras que surgiram do Leilão do 5G.
Desligamentos
Números levantados pela ABRINTEL (Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações), em parceria com a consultoria Teleco, sobre a base de estações radiobase do SMP licenciadas na ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), demonstram que, de fato, o Brasil ganhou muitas estações no ano de 2023, em torno de 6,1 mil. No entanto, muito provavelmente pelo efeito das desativações das operações de Oi Móvel e Nextel, a base aponta que houve uma perda de 14 mil estações entre 2020 e 2022. Em uma análise por tecnologia, a apuração mostra que, em 2023, havia 805 equipamentos a menos licenciados do que em 2020 (223.352 contra 222.547). Uma olhada nos números é suficiente para perceber que os desligamentos foram mais das tecnologias 2G e 3G, e as ativações, concentradas no 5G (mais de 15 mil estações), com discreto crescimento no 4G (cerca de 3,5 mil estações).
É inegável que a chegada de nova tecnologia com a rápida instalação de mais de 15 mil estações em três anos tem que ser reconhecida e comemorada. Entretanto, não se pode considerar que esse movimento seja exatamente um “aumento de cobertura”, como desejado pela política pública. A considerar que as radiofrequências de operação atual do 5G são superiores às das tecnologias anteriores, há que se esperar uma quantidade maior de estações para uma mesma área de cobertura. Por consequência, há que se ver um crescimento maior de estações dessa tecnologia que não devem produzir uma cobertura em áreas novas.
Ao geral, os atuais investimentos intensos em 5G devem ser encarados como a criação de hot spots em capitais de estados e cidades maiores para disponibilidade de mais velocidades aos brasileiros que já dispõem de terminais 5G. Não coopera, portanto, com a expansão da cobertura para quem não tem.
Matematicamente, qualquer ganho de estações radiobase melhora a relação de adensamento médio do Brasil, que hoje ainda está acima dos 2 mil habitantes por estação (alta, considerando a referência como os Estados Unidos, no 4G em 2019, com a taxa de cerca de 1000 habitantes por Estação[2]). Mas há que se entender que determinadas instalações efetivamente contribuem para expansão da cobertura e outras não.
Adensamento Positivo
A instalação de uma nova antena, de qualquer tecnologia de conectividade, em uma nova infraestrutura de suporte em localidade que não tem qualquer cobertura contribui com a política pública. Isso deve ser considerado, portanto, um adensamento positivo, que vai ao encontro das medidas regulatórias adotadas na construção do Edital do 5G, de maior conectividade para os serviços públicos digitais das áreas suburbanas e rurais, dos trechos de estradas e das escolas conectadas, do alcance de quem não tem conexão nem de fibra óptica para trabalhar, estudar, vender ou aprender de casa.
Por outro lado, a colocação de uma nova antena 5G em uma torre que já tem 4G é um ganho inegável para a população local e um avanço tecnológico, porém não gera nova cobertura e nem leva serviço a quem não tem. Contribui para mudar a matemática do adensamento por habitante, mas não gera a expansão da abrangência que o país precisa.
Deste ponto de vista, o simples crescimento do número de estações radiobase observado no ano de 2023 não pode ser considerado, sobremaneira e isoladamente, como um passo no sentido do atendimento à política pública de levar mais cobertura a quem não tem. O mais correto seria avaliar o número de infraestruturas de suporte – por sua instalação estar mais associada a uma nova cobertura – porém cuja quantidade está, de fato, estagnada desde 2019, em cerca de 80 mil unidades[3].
Para comemorarmos as conquistas de cada passo para o atendimento à política pública de conectar os desconectados precisamos buscar o Adensamento Positivo efetivamente com a instalação de novas infraestruturas. Levar em conta o desejável avanço do 5G nas áreas urbanas, entretanto, deve tomar por prioridade o aumento da mancha de cobertura das tecnologias de conectividade e a robustez das redes.
Luciano Stutz
Presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações (Abrintel) desde fevereiro de 2020. É engenheiro industrial eletricista. Atuou em empresas como Light, Eletrobras, Telefônica/Vivo e Nextel.
[1] Fontes: Ericsson mobile data traffic outlook, junho de 2023 e Estudo “A gestão da infraestrutura de telecomunicações como um pilar fundamental para o futuro da América Latina – SmC+, dezembro de 2023.
[2] Fonte: NOTA TÉCNICA Nº 3216/2022/SEI-MCOM, de 25 de março de 2022, do Ministério das Comunicações do Brasil.
[3] Número apurado no mesmo levantamento da ABRINTEL, sobre a base de dados da ANATEL, considerando que duas estações licenciadas a mais de 10 metros de distância estariam em duas infraestruturas distintas.