PF e militares pedem que STF reconheça uso legal de softwares de vigilância

Acesso a dados de dispositivos móveis poderia aprimorar mecanismos de investigação, de acordo com autoridades. Ministério da Justiça defende que casos de uso não sejam confundidos.
STF promoveu dois dias de debates sobre softwares de vigilância | Foto: Pedro França/Agência Senado
STF promoveu dois dias de debates sobre softwares de vigilância | Foto: Pedro França/Agência Senado

Em audiência pública sobre a necessidade de regulamentação de softwares de monitoramento de aparelhos de comunicação pessoal realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 11, representantes da Polícia Federal e do Exército defenderam o reconhecimento de hipóteses em que tais ferramentas podem ser úteis em investigações, seguindo a legislação.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por sua vez, enfatizou que a lei brasileira protege a privacidade e a inviolabilidade da intimidade, ao mesmo tempo em que permite a quebra de sigilo em caso de investigações, mas que tais procedimentos não podem ser confundidos com práticas que, de fato, seriam ilegais (entenda mais abaixo).

O diretor de Inteligência da PF, Rodrigo Morais Fernandes, entende que os recursos como o acesso à geolocalização e acesso a dados telemáticos “são necessários para atividade de investigação”.

“A Polícia Federal estuda essas ferramentas há muito tempo. Nós nunca as adquirimos justamente por não saber como funcionava. Agora, sabendo, por meio de investigação, com base em laudos periciais, entendemos”, disse.

Ainda de acordo com Fernandes, a demanda por uma regulamentação do uso desse tipo de software já foi levada pela PF à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “Estamos em tratativas com a Anatel para tentar regulamentar, porque a gente precisa, sim, para atividade de investigação criminal, com ordem judicial prévia, ter acesso a esse tipo de solução”, afirmou.

No mesmo sentido, o Coronel João Ricardo da Cunha Croce Lopes, do Comando do Exército, explicou que ferramentas de rastreabilidade são importantes para executar desde missões humanitárias, como assistência após desastres naturais, até o combate a crimes.

“As ferramentas ora tratadas nessa audiência são utilizadas ainda em apoio às atividades de investigação da Polícia Judiciária Militar, quando devida autorização judicial e supervisão do Ministério Público Militar, à luz da legislação penal brasileira, que estabelece todos os ritos procedimentais para a investigação eficiente”, disse o coronel.

Lopes destacou, ainda, que “a vertente preventiva de defesa do Estado Brasileiro reside na ação diplomática como instrumento da solução de controvérsia, porém apenas a existência de uma estrutura militar de credibilidade é capaz de gerar dissuasão efetiva”.

‘Vigilantismo’ é ilegal

A secretária de Direito Digital do MJSP, Lilian Cintra de Melo, chamou atenção para a importância de diferenciar os usos ao debater o tema.

“Mecanismos de controle tanto interno como externo, bem como a rastreabilidade e a auditabilidade, são pressupostos de tecnologias investigativas para garantia de direitos e garantias fundamentais. A Inteligência, portanto, não se confunde de forma alguma com práticas de vigilantismo e espionagem que, nesse caso, é o uso inadequado e ilegal”, afirmou.

Melo entende que “a generalização do desvio de conduta de servidores públicos no uso de tecnologias representa um risco grande ao Estado Democrático de Direito, principalmente numa luta que é desigual contra o crime organizado, que não dispõe de limite legal nenhum para sua atuação”, mas que também é necessária a “responsabilização de atividades ilegais”.

Audiência

A audiência pública no STF – realizada entre segunda-feira, 10, e esta terça – foi convocada pelo ministro Cristiano Zanin, relator de um processo no qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questiona a ausência de regulamentação do uso desses programas de monitoramento por órgãos públicos (ADPF 1143), por possível “omissão legislativa” sobre o tema, o que estaria causando a violação de diversos direitos constitucionais ligados à privacidade. O pedido é para que o STF dê prazo para o Congresso Nacional suprir eventual lacuna na lei e que também o Supremo estabeleça balizas a serem seguidas até haver regras em vigor.

Em maio, a Corte encaminhou pedido de informações aos tribunais de contas para que informem processos abertos sobre contratos públicos para uso de softwares de monitoramento, entre eles, a ferramenta First Mile, que motivou a investigação pela Polícia Federal por uso na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), supostamente para espionar desafetos do governo federal, caso denunciado pela imprensa no ano passado.

Nesta segunda-feira, 10, o TCU apresentou jurisprudência, informando que há cinco processos já analisados, envolvendo ferramentas apontadas por especialistas como capazes de interceptar dados ilegalmente. Nas análises, os ministros concluíram apenas com recomendações para que os contratos incorporem mecanismos que permitam auditoria nos sistemas para fins de controle externo.

Entre outros participantes na audiência, está a Conexis que se manifestou contra a permissão de uso dos softwares do tipo e relacionou o emprego dos softwares de intrusão às exceções previstas em caso de estado de sítio.

Nesta terça, a Anatel também se pronunciou, recomendando a adoção de uma tecnologia que atenda os órgãos públicos competentes de uma forma a não explorar vulnerabilidades do sistema de telecom.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura dos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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