GESAC: Após governo faltar a debate, deputado cobra respostas em 48 horas
A Comissão de Fiscalização, Financiamento e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados realiza nesta quarta-feira, 6, uma audiência pública com o objetivo de debater eventual direcionamento indevido em contratos públicos de conectividade via satélite à Starlink. Já adiada uma vez para garantir a presença dos participantes, o Ministério das Comunicações (MCom) e a Casa Civil não encaminharam representantes para participar presencial ou remotamente na sessão remarcada para esta tarde.
O autor do requerimento de audiência pública, deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), despachou um questionário extenso aos dois órgãos, pedindo o retorno em até 48 horas.
O parlamentar leu a íntegra da mensagem do MCom encaminhada a ele na véspera da audiência informando sobre a ausência e fez críticas.
“Dá um cheiro ruim nessa informação, não sei se tem alguma coisa a esconder, alguma preocupação de todo o processo”, disse Áureo Ribeiro.
As perguntas encaminhadas ao MCom e à Casa Civil cobram informações sobre como o governo vai garantir competição adequada e conectividade significativa, além de detalhar qual é o papel da Telebras na estratégia de universalização do acesso à internet.
Ao Tele.Síntese, o deputado afirmou que não descarta solicitar uma fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU) referente ao caso a depender do retorno (ou não) do governo.
Veja a íntegra das perguntas abaixo:
Perguntas para o MCom
- O Senhor é a pessoa responsável pelo processo de renovação do contrato da política pública GESAC, um dos maiores programas de inclusão digital do mundo, que existe desde 2002. Desde o início, ainda na fase de consulta pública, a indústria de satélite geoestacionário enviou comentários indicando que o lote 2 – acesso à internet 60 Mbit/s com acesso WiFi externo -, só poderia ser atendido por satélites de baixa órbita da Starlink, empresa de Elon Musk, que hoje é monopolista no mercado brasileiro no provimento desta solução. A exigência do lote 2, com garantia de banda de 5% (CIR), direciona sumariamente o atendimento apenas pela Starlink. A manutenção de tais parâmetros poderá gerar contestação do mercado e impugnar o processo, atrasando sua conclusão, aumentando o desgaste com a indústria satelital e encarecendo o valor do contrato. Os Artigos 5º e 11º da Lei nº 14.133/2021 são claros em “assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição” e “evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis”. Porque o Ministério das Comunicações manteve esta exigência no Termo de Referência (TR) da consulta de preços, mesmo após as colocações públicas da indústria de satélites geoestacionário? Porque gastar mais recursos públicos para obter o mesmo resultado?
- O MCOM pretende insistir nesse parâmetro de contratação para atender as comunidades quando sabe que isso direciona a licitação e restringe a competição, em detrimento de todas as outras operadoras atuantes no Brasil, incluindo a Telebras, mesmo quando o MEC, principal interessado no atendimento das escolas, já suspendeu essa exigência?
- Porque no quesito de qualificação técnica do item 9.32.2 do TR exige apenas um mínimo de 1 mil pontos de conexão via satélite em operação nos últimos 12 meses? Para um processo cujo objeto é a contratação de 28 mil pontos para acessos satelitais, esta exigência de número mínimo de conexões representa apenas cerca de 3,6% do objeto do contrato, o que deixa dúvidas quanto à sua validade para a qualificação de empresas com capacidade de entrega do objeto. Este critério foi introduzido pelo MCom para viabilizar a participação de alguma empresa específica? Dos atestados de qualificação técnica recebidos, qual a empresa que apresentou o menor número de conexões via satélite?
- Não seria melhor unificar os lotes 1 e 2 do Termo de Referência do Novo GESAC, proporcionando economia de escala, pois otimiza a distribuição técnica e de equipamentos em âmbito nacional? Neste caso, a formatação da licitação em lote único é a que possui mais vantagens, incluindo, além das já aqui pontuadas, a garantia de recebimento de propostas que façam o balanço dos diferentes custos de logística que caracterizam a prestação do serviço em âmbito nacional. Tais vantagens, vale frisar, já foram aceitas pelo TCU em oportunidade anterior, em processo envolvendo a análise de contratação análoga e no contexto da mesma política pública (Processo TC n.º 023.481/2018-8). Dadas as vantagens técnicas e econômicas e a aceitação do processo pelo TCU, porque o Ministério das Comunicações não unificou os dois lotes no TR? A unificação dos lotes reduziria a possibilidade de participação da Starlink e seus revendedores?
- O Ministério das Comunicações avaliou os impactos do Termo de Referência do Novo GESAC no satélite de defesa e comunicação da Telebras (SGDC), assim como a manutenção da exigência de 1 Mbps por aluno no atendimento às escolas públicas? Isto significa o esvaziamento do satélite da Telebras, que atende atualmente mais de 17 mil escolas públicas? Porque fazer uma política pública para sucatear um ativo da União que custou aos cofres do tesouro, em 2016, R$ 3 bilhões?
- Tendo em vista que o Ministro da Educação Camilo Santana anunciou, em 11/10/2023 , que suspenderia a exigência de velocidade mínima de 50 Mbps para escolas públicas (Portaria 33, de 7/8/2023), justamente pela suspeita de beneficiar somente a Starlink e por estar acima do padrão internacional, porque o MCOM permaneceu exigindo velocidades de 60/10 Mbps no Termo de Referência da Pesquisa de Preços do lote 2 do Novo GESAC se o parâmetro (que é ainda mais agressivo que o da Portaria) só pode ser atendido pela Starlink?
- O MCOM pretende insistir nesse parâmetro de contratação para atender as comunidades quando sabe que isso direciona a licitação e restringe a competição, em detrimento de todas as outras operadoras atuantes no Brasil, incluindo a Telebras, mesmo quando o MEC, principal interessado no atendimento das escolas, já suspendeu essa exigência?
- A Nota Técnica nº 70/2023/DAGE/SEB/SEB do MEC, anexada à Ata de Reunião do GAPE de 18/10/2023, traz o entedimento e recomendações do MEC e do MCOM sobre a atuação do GAPE. Nesse documento há o reconhecimento de que os programas federais de conectividade que possuem acesso adequado devem ser mantidos, incluindo o Wi-Fi Brasil (outra nomenclatura do GESAC) e que o GAPE deve focar em escolas sem acesso adequado à banda larga. Nesse sentido, pergunto como o MCOM pretende encaminhar a contratação do Novo GESAC? Haverá continuidade do programa que é considerado adequado? Aliás, o que é considerado adequado atualmente para o MCOM?
- No dia 28/12/2023 o contrato de prestação de serviços para o GESAC entre o MCOM e a Telebras encerrará. O novo contrato já está sendo providenciado para assinatura antes dessa data? Se não for assinado, as conexões serão descontinuadas? Como as escolas terão sua conexão a partir de 2024 em diante caso o contrato não seja renovado?
- De acordo com a recentíssima Lei 14.744, de 30/11/2023, a Telebras deve ser contratada de forma direta e preferencial pelos órgãos públicos federais da administração direta e as entidades da administração indireta federal. Diante disso, a Telebras será contratada de forma direta para operar o Novo GESAC? Qual será o papel da Telebras em relação aos demais programas de conectividade? O que se pretende fazer em relação ao Novo PAC? Como todos esses programas conviverão?
- Com essa nova conjuntura legal, não deveria a Telebras ser contratada de forma direta para gerenciar os recursos que o Novo PAC pretende direcionar ao GAPE?
- A Telebras, como operadora de telecom prioritária do governo, não deveria passar a integrar o GAPE/EACE e também figurar como assessora técnica de todos os programas de conectividade de escolas públicas, tendo em vista a sua experiência na operação de um dos maiores programas de conectividade de escolas do mundo, com o histórico de mais de 5 anos de perfil de utilização/tráfego de internet de quase 20 mil escolas e mais de 3 milhões de estudantes espalhados pelo país, além de ser detentora de satélite estatal e com experiência em contratar, construir e operar conexões de internet em âmbito nacional?
- Porque o MCOM, que possui assento no conselho do GAPE, e o ministério ao qual a Telebras é vinculada, nunca apresentou estudo aprofundado no âmbito do GAPE/EACE baseado nas informações históricas do Programa GESAC (com mais de 20 mil escolas conectadas nos últimos 5 anos)?
- Por lei, a condução de políticas públicas de conectividade é competência do Ministério das Comunicações. Por que a Anatel é quem comanda o processo através do GAPE e da EACE?
Perguntas para a Casa Civil
Para o representante da Casa Civil:
- Porque a Casa Civil, na elaboração do Novo PAC[1], não considerou ou sequer mencionou o Programa GESAC, um dos maiores programas de conectividade do mundo, operado pela estatal brasileira Telebras, que conecta quase 20 mil escolas brasileiras e mais de 3 milhões de estudantes espalhados pelo país através do satélite brasileiro SGDC, construído e lançado no Governo Dilma, a um custo de R$ 3 bilhões para os cofres públicos brasileiros e que ainda possui mais de 10 anos de vida útil?
- O que a Casa Civil pretende fazer com o Programa GESAC e com o SGDC após todo esse investimento? A Casa Civil está ciente que o SGDC ficará inutilizado? Isso não representaria desperdício de recursos públicos? A Casa Civil sabe que parte do SGDC é utilizado pelas Forças Armadas Brasileiras e que a sua subutilização pode colocar em risco a segurança nacional?
- Qual o papel que a Telebras vai exercer no atual governo? Porque contratar de outras prestadoras privadas quando se sabe que a Telebras, utilizando o SGDC e outras tecnologias, pode conectar todas as escolas públicas brasileiras, especialmente aquelas que estão em localidades mais distantes dos grandes centros urbanos?
- De acordo com a recentíssima Lei 14.744, de 30/11/2023, a Telebras deve ser contratada de forma direta e preferencial pelos órgãos públicos federais da administração direta e as entidades da administração indireta federal. Diante disso, a Telebras não deveria ser contratada para prover todos os serviços de conectividade no âmbito do Novo PAC?
- Por que a Casa Civil sugere apenas 24 meses de pagamento de serviços de internet? Não ficará mais caro após esse período pela perda da compra em larga escala, negociação e fiscalização centralizada? O que acontecerá com a conectividade nas escolas após o período de 24 meses? A continuidade dos pagamentos de serviços de internet ficará a cargo de estados e municípios? Não se corre o risco de deixar milhares de escola sem internet após os 24 meses, em face das burocracias para contratação, possível falta de recursos locais e vontades políticas? Isso não coloca em risco justamente o que se pretende, ou seja, que nossos estudantes tenham conectividade adequada? Não ficaria para uma decisão política de governadores e prefeitos a manutenção ou não da conectividade nas escolas justamente em ano eleitoral? Não seria mais adequado se manter o modelo do GESAC, mantido há anos pelo Governo Federal, com menor sujeição a decisões políticas locais?
- A Casa Civil estudou os perfis de acesso das mais de 20 mil escolas do Programa GESAC? Qual o percentual de tráfego utilizado por aplicações estudantis sugeridas pelo MEC? Qual o percentual utilizado para acesso a redes sociais e aplicações de comunicação como Whatsapp, Facebook e Instagram? Seria mais de 50% do tráfego total? Caso positivo, é correta a correlação entre o dimensionamento do link e a quantidade de alunos, uma vez que não guarda relação com as aplicações de ensino? A conexão de alta velocidade que se pretende instalar não será utilizada para mero acesso a redes sociais pelas escolas?
- A Casa Civil sabe se há demanda estudantil, ou seja, se há algum programa ou método do MEC que seja apresentado remotamente ou mesmo software ou recurso que demande demasiadamente o circuito de conexão?
- Qual a razão de se estabelecer que a velocidade adequada para internet de 1Mbps por aluno e no mínimo 50 Mbps por escola, quando se sabe que muitas escolas não possuem sequer computadores e equipamentos para esse uso? A contratação de velocidades desnecessárias a preços muito maiores não representaria desperdício de recursos públicos? Não seria mais eficiente a contratação de circuitos dimensionados de acordo com a demanda atual e com a possibilidade de aumento gradual, à medida em que as escolas forem equipadas?
- Sabe-se que esses parâmetros foram definidos por uma métrica teórica da fundação Lehmann (MegaEdu) baseada na experência americana, que possui mais de 98% de escolas conectadas em alta velocidade, o que não corresponde à realidade brasileira. Não deveria ter sido considerada a experiência brasileira dos últimos 20 anos do Programa GESAC?
- É de conhecimento da Casa Civil que apenas a empresa americana Starlink, do Elon Musk, pode atender nacionalmente o parâmetro de velocidade de 50 Mbps por escola? Por que o governo atual mantém vigente uma política criada no governo Bolsonaro abertamente direcionada à Starlink? Qual a justificativa que o governo atual tem para pagar R$ 3.000,00 mensalmente para a Starlink por escola (contrato atual do GAPE), sendo o GESAC atual tem valores perto de R$ 650,00 contando ainda com isenção de ICMS?
- Por que estabelecer um parâmetro mínimo de velocidade que limita o mercado satelital e elimina o satélite brasileiro, que custa muito menos para os cofres públicos?
- Quais são os riscos para o governo brasileiro em concentrar em uma única empresa de capital fechado toda a conectividade de escolas e postos de saúde (PAC) públicos mais remotos do país?
- O Novo PAC pretende ampliar a atuação do GAPE/EACE (que foi criado para gerir R$ 3,1 bilhões advindos do edital de 5G), para que também gerencie os recursos do FUST e do PIEC (mais R$ 3 bilhões), indo de 10 mil escolas com estrutura interna e serviço de internet por 36 meses para 40 mil escolas com menos estrutura interna e serviço pago apenas por 24 meses. Porque o Governo Brasileiro desviará a função da constituição do GAPE/EACE para conectar escolas possuindo uma empresa estatal de telecomunicações pronta e qualificada para prestar tais serviços?
- Com essa política, o GAPE (que não foi criado para isso) e a EACE (empresa constituída por empresas de telecomunicações privadas que atuam no 5G) passariam a gerir um fundo de mais de R$ 6 bilhões, sem o acompanhamento adequado pelos órgãos de controle e a governança que uma empresa estatal teria. Isso é considerado adequado pelo atual Governo?