Pela neutralidade da Internet

A neutralidade da internet passa pela regulação do oligopólio das big techs. Só assim a internet poderá continuar a ser livre.

O debate sobre a neutralidade da rede, fair share, pedágio, ganhará em breve um novo ingrediente com a especialização de serviços que poderá ser feita com as novas soluções do 5G. Mas entendo que esse debate não pode ser centrado apenas nas redes de telecomunicações, sendo imperioso que aborde também aqueles que usam essas mesmas redes e, por isso, acredito que ele deve incluir também a neutralidade da Internet.

E quando defendo a neutralidade da internet, estou advogando sobre o  incomensurável poder de um punhado de pouco mais de quatro ou cinco megacorporações que precisam das redes de telecomunicações para ampliar seus oligopólios sobre a humanidade.

Ora, as redes de telecom continuam a ser altamente reguladas, medidas, cobradas, fiscalizadas, emendadas, multadas, avaliadas, reclamadas, em todo o planeta. E devem continuar a sê-lo, por que, sim, são ativos essenciais para qualquer sociedade.

Mas, essas megaempresas de internet, ou big techs, toda vez que algum regulador age para minimizar os efeitos de seu poderio, como em uma simbiose, tornam-se porta-vozes da democracia, confundindo-se intencionalmente com a própria internet. E os donos dessas empresas argumentam que a internet nasceu, cresceu, floresceu justamente porque seu mundo é desregulado. A internet deve ser livre. Mas o oligopólio precisa ser regulado.

Recente artigo publicado pela União Europeia, demonstra que os gastos dessas empresas com os lobbies na defesa de seus interesses são maiores do que os da empresas de petróleo ou de remédio, na Europa. Aqui no Brasil, infelizmente, não temos nenhuma informação sobre esses gastos e nem mesmo sobre a lucratividade dessas empresas, pois elas não informam números “regionais”.

A concentração de capital destas empresas é tamanha que, em apenas 24 dias, no início deste ano de 2024, seu valor de mercado cresceu a espantosa quantia de meio trilhão de dólares, informava a Elos Ayta Consultoria. As cinco maiores big techs estadunidenses – Apple, Microsoft, Alphabet (Google), Amazon e Meta (Facebook) – valiam, em fevereiro deste ano, US$ 10,5 trilhões, ou R$ 50,5 trilhões!

Apenas essas cinco empresas somam cinco vezes mais a geração de riqueza de nosso país, com mais de 210 milhões de pessoas!. O PIB do Brasil foi, no ano passado, de R$ 10,9 trilhões.

Europa identifica os Gatekeepers

A União Europeia, multicultural, entendeu que este é o principal problema e está agindo. Já aprovou pelo menos DUAS leis que tratam da questão. A de Serviços Digitais (DAS) e, recentemente, a dos Mercados Digitais (MAS).

As duas legislações não regulam a “internet”, mas regulam o oligopólio, estabelecendo exatamente que corporações devam ser enquadradas. No primeiro caso, são 17 empresas (obviamente as cinco estão na lista). No segundo caso, seis empresas (as mesmas cinco e a chinesa ByteDance, dona do Tik Tok).

Define também quais são os serviços essenciais que precisam ser regulados para proteção da democracia e dos direitos individuais dos europeus.

Diferentes estudos têm demonstrado e confirmado – vale a pena ler, por exemplo, o livro Os Engenheiros do Caos, de Guiliano da Empoli, que alerta sobre a construção dos algorítimos das big techs, capazes de até mesmo criar partidos políticos – que por trás das fake news e manipulação do discurso social está mesmo o modelo de monetização das big techs.

É por isso que, para assegurar a democracia, as big techs precisam, sim, ser reguladas para que, urgentemente, a internet volte a ser neutra, como está fazendo a Europa.

Expansão digital

No Brasil, isso significa que essas empresas devem participar do esforço nacional e público de ampliação da infraestrutura de comunicação. As big techs investem, sim, em cabos submarinos, em projetos inovadores de rede. Mas são investimentos que atendem aos seus próprios negócios. Nada de errado nisso.

Mas empresas deste tamanho precisam contribuir para o fortalecimento da infraestrutura de países como o nosso. Devem, sim, ser conclamadas a participar com recursos.

Isso é ferir a neutralidade da rede? De que forma?

Essas empresas, que dizem defender a democracia, devem também se incorporar a projetos públicos de universalização da internet. Pela regulação do Estado, definida e aprovada democraticamente.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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