Para teles da América Latina, leis de telecom devem “ir para o lixo”

Executivos defendem revisão completa para que operadoras sobrevivam ao avanço das OTTs e à crise. E dizem ainda que, em vez de defender a implantação da 5G, governos e reguladores deveriam antes promover universalização da 4G.

As leis para o setor de telecomunicações são ultrapassadas e não atendem às exigências da sociedade moderna. Também não favorecem o desenvolvimento do setor que se provou essencial com o estouro da pandemia de covid-19. Essas são algumas das conclusões de executivos de grandes operadoras que participaram hoje, 1º, de debate online organizado pela associação GSMA.

Na abertura do Fórum de Líderes de Políticas da América Latina, ficou claro o desejo dos participantes de passar a borracha nas regras atuais e acelerar mudanças legais que permitam às teles concorrer em pé de igualdade com as OTTs.

Ángel Melguizo, vice-presidente de regulatório da AT&T para a América Latina, alertou que hoje as regras que valem para as operadoras as impedem de atender as exigências dos clientes. “Os clientes estão consumindo produtos digitais. Não se importam se somos plataforma, operadora ou outro ramo. O regulatório tem que prever isso.
E os usuários estão dizendo como querem usar nossos serviços. Como vamos regular o que nem sabemos que vai existir no futuro? Tem cargas regulatórias que temos que jogar no lixo. E temos que experimentar o sandbox regulatório”, defendeu.

Jose Juan Haro, diretor de relações institucionais do atacado da Telefónica e integrante da diretoria da GSMA, defendeu o mesmo caminho. Segundo ele, as regulações em telecom existentes nos diversos países latino-americanos oneram o setor e impedem que seja realizada a inclusão digital. Atualmente, como apontado pela entidade, há pelos 300 milhões de pessoas na região que ainda não estão na internet. Destas, ressaltou Haro, 100 milhões vivem em áreas que sequer têm infraestrutura.

“Temos que jogar fora a agenda regulatória do passado e criar uma nova, que olhe o futuro e que foque em conectar os latino-americanos que não estão conectados”, cobrou.

Ana Jimenez, VP de assuntos corporativos da Tigo, empresa colombiana do grupo Millicom, defendeu postura idêntica. “Temos que ter um novo marco regulatório, partir do zero. E que seja uma construção proativa, hoje os governos são reativos. Os marcos precisam ser simplificados para a indústria se desenvolver. E tem que rever a parte tributária, aliviar as cargas da indústrias e dos usuários nos serviços, nos terminais”, elencou.

Inclusão digital

Os executivos ressaltaram o papel essencial da conectividade para inclusão social e desenvolvimento econômico. Haro, da Telefónica, ressaltou que a pandemia é uma tragédia sem precedentes, que fez 32 milhões de estudantes perderem o ano letivo. E nas áreas sem conexão, vive uma população que sequer consegue buscar alternativas digitais de inclusão diante do lockdown.

“As telecomunicações devem ser tratadas como serviço essencial, devem deixar de ser tratadas como bem de luxo. Que deixem de pagar 50% a mais de impostos que outras indústrias. Se é tão essencial, o que temos que fazer é reduzir essa carga”, ressaltou.

No evento de hoje faltou um representante de governo brasileiro. Havia previsão de presença do secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Vitor Menezes, mas por motivos de agende ele não participou. Mas a realidade apresentada no debate não é diferente do que se ouve rotineiramente nos debates realizados aqui no Brasil.

Haro levantou a bandeira de união das empresas com a sociedade civil para pressionar os governos a rever suas posturas diante da conectividade. “A sociedade civil precisa questionar impostos sobre o setor porque prejudica a capacidade de levar um bem essencial a toda a população”, resumiu.

5G antes de 4G, não!

Os painelistas ainda reclamaram da pressão de reguladores e governos para que as operadoras adotem a tecnologia 5G antes mesmo de concluírem a implantação das redes 4G. “São os políticos que regulam em seus gabinetes os que acreditam que é tempo de 5G na região, quando tem áreas que mal tem 2G. Nós temos que escolher qual a meta política, qual é a prioridade?”, questionou retoricamente Haro, para quem a prioridade deve ser universalizar o acesso.

Ana Jimenez, da Millicom, também reclamou dessas pressões. “Temos que focar os investimentos. Temos que colocar mais 4G nos países e fechar o abismo digital existente, antes de partir para aportes na 5G”, afirmou. Conforme ela, citando números da GSMA, a região tem apenas 51% da população coberta por 4G. Diante disso, ela defendeu uma concertação entre políticas públicas dos países da região para ter como compromisso a inclusão digital.

Essas posições, no entanto, não parecem institucionais da GSMA. No relatório lançado hoje pela entidade sobre a situação das telecomunicações na região, há um capítulo com sugestões para governos e reguladores. Além da revisão das regras para o setor fazer frente ao avanço das OTTs, facilitar a expansão das redes e aliviar tributos, há a defesa de reserva de espectro para a 5G e de planos de ação para incentivar a adoção da tecnologia.

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Rafael Bucco

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