Para diretor da EDS, papel dos integradores nas licitações de nuvem está subdimensionado

Jônatas Mattes, diretor da unidade de nuvem da EDS, defende que integradores tenham peso maior nas contratações de tecnologia realizadas pelo Poder Público. E calcula que aqui, os parceiros receberam 1,4% do orçamento dos editais em 2024, contra mais de 50% no Reino Unido.
Jônatas Mattes é diretor da unidade de multinuvem da EDS (Divulgação)
Jônatas Mattes é diretor da unidade de nuvem da EDS – Extreme Digital Solutions (Divulgação)

Se você entra em um serviço digital do governo, ou é atendido por um servidor público que utiliza um computador, indiretamente já esteve em contato com o Extreme Group. Trata-se de uma empresa relativamente nova, com 10 anos de mercado, mas que tem como carro chefe a entrega de serviços de TI para o Poder Público.

Do governo federal a órgãos estaduais, a empresa faturou apenas em 2023 R$ 350 milhões, disso, a boa parte veio dos editais vencidos juntos ao Poder Público para entrega de serviços digitais – do desenvolvimento de software à manutenção de plataformas, de armazenamento em nuvem a soluções multicloud.

Para 2024, a previsão é aumentar a receita, e chegar a R$ 500 milhões de faturamento. Ainda assim, esta participante do mercado de nuvem tem visto órgãos públicos errarem na elaboração dos editais, e recomenda aperfeiçoamento.

Para o diretor de nuvem da EDS, Jônatas Mattes, o maior problema das licitações multinuvem, hoje, é o subdimensionamento do trabalho das integradoras. A seu ver, são essas empresas que consomem o grande volume de horas de trabalho dos projetos digitais, que demandam mão de obra intensiva. Ainda assim, ficaram, até o momento neste ano de 2024, com apenas 1,4% do volume de recursos pago nos editais, calcula. Todo o restante vai para as provedoras de cloud.

Outro ponto sensível, a seu ver, é a percepção de que toda licitação funciona como um marco zero da nuvem para o órgão. Ou seja, mesmo que um tribunal, ministério ou agência já utilizem a nuvem de um provedor específico, ao lançar um edital, abrem a possibilidade para descontinuidade do serviço com o qual já contam, em vez de exigir do integrador ao menos a parte fundamental da nuvem já utilizada.

Veja, a seguir, as opiniões de Mattes na entrevista exclusiva abaixo:

Tele.Síntese – O que EDS faz e qual que é o papel de vocês no mercado brasileiro?

Jônatas Mattes, diretor da unidade de nuvem da EDS – Somos uma empresa relativamente nova, estamos completando 10 anos em 2024. Nesse tempo, nos tornamos uma holding com seis empresas. Começou como Extreme Digital Solutions e hoje já é o Extreme Group, a partir da expansão orgânica e de uma série de aquisições.

Quando surgiu, a EDS era uma empresa do quê?

Mattes – Originalmente é uma empresa de serviços, uma integradora de serviços, de software, que desenvolve de plataformas e dá sustentação a plataformas. Hoje, a empresa tem várias unidades de negócio, além das empresas que constituem o grupo. A unidade de negócio que eu lidero é a de Multicloud, de negócios de nuvem. A nossa principal unidade de negócios, que é professional services, com 700 a 800 pessoas que desenvolvem aplicações, principalmente para governo, mas também para o mercado privado.

E em 2021, começamos a atuar com representação de nuvem. Não temos data centers, e nem está nos nossos planos. Acreditamos muito na expansão de hyperscalers, em parceria com eles. Nossos principais parceiros são AWS, Google, Huawei, IBM e Tencent Cloud, e temos parceria com a Intel, pois 70% dos clientes pedem Intel.

E qual o tamanho de vocês hoje?

Mattes – O faturamento do ano passado foi de R$ 350 milhões. Para este ano, a projeção é alcançar R$ 500 milhões. Dois terços dessa nossa receita vem do core, que são os serviços profissionais. E hoje o Extreme Group tem 1.200 profissionais.

Você falou que cresceram comprando. Novas aquisições estão no radar?

Mattes – O primeiro movimento mais concreto desse ano é a expansão para as Américas. Agora nas últimas três semanas contratamos um profissional especializado, trabalhando nos Estados Unidos, para expandir o nosso portfólio, principalmente na América Latina. Isso começou de forma um pouco mais tímida quando compramos O3S, empresa do grupo que tem clientes no México, Estados Unidos, Argentina, EL Salvador. Temos muita representação de soluções de empresas dos Estados Unidos, e agora começamos a contratação de profissionais lá. É uma unidade que fica nos EUA, mas ela vai atender a América Latina que fala espanhol e que visa explorar mais o setor privado.

E como está o mercado brasileiro de multicloud, principalmente no setor público? O governo está contratando o suficiente? Está contratando direito, a fim de explorar o potencial da tecnologia, na sua avaliação?

Mattes – Isso varia bastante. Acompanho nuvem pública em setor público desde 2017. Fiz uma linha do tempo e consegui identificar padrões. O primeiro edital multinuvem foi do TCU, de 2017, e na minha visão, houve três gerações de contratação até agora. Esperamos que a quarta geração se dê esse ano, mais evoluída. A contratação pode ser de nuvem única ou múltipla, em disputa aberta ou definida (quando o órgão diz que quer Azure ou AWS, por exemplo). Ao longo de 2023, surgiu o modelo de contratação multidefinida, estabelecida pela portaria 5.950/23 do MGI, que traz os requisitos para contratação de dois ou mais provedores, com existência de um integrador para nuvem e software.

As novas licitações atendem bem as necessidades?

Mattes – Eu entendo que o modelo de contratação ainda pode mudar mais. Os órgãos já estão usando nuvem há dois, três, seis anos. E estão usando Microsoft, AWS, Google. Minha visão é que, diferentemente do que propõe o Ministério da Gestão e Inovação, não deveria mais existir ou se exigir a disputa do tipo multinuvem aberta, ou seja, de contratação de quaisquer nuvens para renovar um serviço. Porque, se o órgão já está usando AWS, Google ou Huawei, poderia exigir que se mantenha o atual provedor, e contratar um terceiro ou quarto provedor novo para manter a disputa. Na minha leitura, a portaria permite isso. Mas sinto que há uma visão de mercado em que toda disputa tem que ser multi-open, e isso não faz sentido.

Por quê?

Mattes – Porque não garante continuidade de cargas no setor público, e esse é um item que está na portaria.

Se entendi, você sugere que as licitações tenham uma vertente de continuidade do serviço, e uma vertente de ampliação para os novos serviços que serão criados?

Mattes – A visão de disputa multinuvem tem que prever uma parte de continuidade e uma parte de novos players para garantir competitividade. Não simplesmente desativar provedores e recorrer totalmente novos, pois isso envolve migração, envolve risco, envolve descontinuidade.

Tem caso de descontinuidade por causa disso?

Mattes – Passaram-se três anos do instrumento do Ministério da Economia que orientou uma sére licitações [que devem ter novas versões em breve]. Nós vencemos essa lá atrás, e o mercado está na expectativa da ‘ata v3’ de serviços, que está sendo discutida desde 2023 e não foi publicada ainda. Mas pelo que se comenta, ainda tem defasagens em relação à prática do mercado hoje.

O que essa ata deve mudar para as próximas disputas então, na sua opinião?

Mattes – A primeira preocupação é o drástico subdimensionamento de serviços profissionais. Isso é muito forte nos contratos públicos, a ponto, a meu ver, de prejudicar a indústria nacional de integradores.

Comparando o modelo de contratação do Reino Unido com os modelos de contratação aqui no Brasil, os órgãos aqui colocam 98% do orçamento em nuvem, em itens como máquina virtual, banco de dados, armazenamento. Somente 2% vão para o integrador nacional, que é quem agrega valor, cuida da segurança, faz a manutenção, garante a implementação mais adequada. A melhor forma para o governo, para o setor público, contratar é com uma integradora agnóstica. E esse número, de apenas 2%, é muito grave. Precisa ter mais serviços. No Reino Unido, o integrador representa 58% do valor contratado.

Fiz um mapeamento dos últimos cinco anos de contratações públicas, que somaram R$ 3 bilhões em mais 200 contratos. Neste ano de 2024, levantei R$ 1,25 bilhão em editais de nuvem, pode ter tido mais. São disputas que participamos, ou que observamos. Desse total, R$ 732 milhões já foram assinados. E disso que já fechou o contrato, só 1,4% dos valores foram para pagar os integradores.

E o resto?

Mattes – Metade é o que fechou. Então analisando o que ainda está em disputa e o que ainda está em fase de cotação, há uma melhora, pequena. Os editais que ainda estão em disputa e identificamos somam cerca de R$ 119 milhões, e estes preveem um pagamento de 5% do valor ao integrador parceiro. Já os que estão em fase de cotação somam cerca de R$ 406 milhões, e pagam 12%. É uma melhora, mas ainda longe da realidade de outros países.

Como convencer o setor público a mudar isso?

Mattes – Acho que deveria acontecer uma interlocução via alguma entidade setorial em favor dos integradores. Hoje, a visão dos hyperscalers predomina, e com isso, há uma valorização maior da venda do software ou da infraestrutura do que do prestador do serviço gerenciado.

Mas o principal é que, hoje, os órgãos de forma geral constroem um instrumento de licitação falando mais com os provedores, e só na fase de cotação pública é que buscam as integradoras brasileiras para orçar. Nessa fase, já é tarde, o órgão não quer mais voltar atrás. Então esse fluxo tem que mudar. Primeiro, deveriam buscar falar com as empresas especializadas no Brasil, que representam a cloud e estão qualificadas, que querem garantir segurança nacional, estão preocupadas com soberania, com suporte, com a sustentação do que for contratado.

Estamos prestando um serviço especializado, e o que se está identificado é somente um servidor ou um banco de dados nas licitações. É pouco diante da complexidade da nuvem. Assim, não dá para garantir pleno monitoramento, suporte ou evolução se a nuvem é vista como um servidor ou um banco de dados. E toda a camada de Inteligência Artificial, a camada de transformação da aplicação do cliente a um novo cenário? Isso fica de fora. As métricas adotadas hoje são copiadas de modelos de três quatro anos atrás e estão obsoletas.

Como precificar o trabalho do integrador?

Mattes – Uma métrica inteligente seria pagar ao integrador um porcentual do valor pago para o provedor da nuvem, a fim de garantir o suporte amplo independentemente do que estiver acontecendo.

Por exemplo, se o órgão está operando uma carga e ele sofre um ataque, vai aumentar o consumo dele de tráfego de rede. É preciso dar suporte a isso. Então há uma série de elementos que precisamos suportar e que não necessariamente estão precificados. Tem caso de licitação que prevê migração de banco de dados por R$ 270, algo que no mercado se cobra R$ 30 mil, R$ 70 mil, R$ 200 mil reais a depender do projeto. Consideram 1h profissional para um trabalho que leva de 50 a 100 horas para ser realizado. Como um órgão define isso? Sem considerar a avaliação de quem faz o serviço. É preciso escutar mais quem está na linha de frente desses projetos. E tem muitas empresas neste mercado além da gente. Procuramos nos reunir com os órgãos para mostrar essa defasagem.

Você disse que a primeira licitação multinuvem foi do TCU, e depois vieram as outras, e que são várias gerações de editais. Os modelos são muito diferentes?

Mattes – Uma diferença é que, pelo modelo do MGI, não pode haver indexação externa ao catálogo do provedor na contratação. Significa que não pode ser uma contratação em que o provedor da nuvem define os preços. Já o TCU, por outro lado, fez uma contratação completamente indexada ao catálogo do provedor em dólar. Então existem duas visões, com linhas de raciocínio diferentes: uma visão de um catálogo pré-definido e outra visão de não botar catálogo e ficar aberto ao provedor.

Na visão de catálogo do MGI, o preço não muda, mas os provedores reajustam sim seus preços, então é preciso reduzir o contrato. Um catálogo definido, por sua vez, bloqueia muito a inovação e a adoção de novas tecnologias. A visão do TCU garante flexibilidade, mas tem esses riscos de não poder controlar o preço, como a proposta do Ministério da gestão.

O Ministério Público Federal adotou um modelo baseado no princípio de Pareto, ou catálogo exemplificativo, que é interessante, pois tenta unir os dois mundos. Nele, a contratação prevê que 80% do consumo é a máquina virtual, o banco de dados, o armazenamento, o tráfego de rede, mas são 20% dos itens objeto da licitação. Os outros 80% de itens podem ser novos, prevendo o consumo de um novo serviço, mas são o menor volume pago. O edital não é perfeito, mas trouxe uma boa solução para essa contratação de catálogo.

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Rafael Bucco

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