OTT e rede de telecom são parte da mesma equação, diz Mucci, CEO da Cisco
O Country Manager da Cisco Brasil, Ricardo Mucci, prefere aplainar a disputa que se tornou mais intensa durante o Mobile World Congress (MWC) realizado em fevereiro, em Barcelona, sobre se as empresas de internet, ou as OTTs (empresas Over the Top) devem pagar para usar as redes de telecomunicações, ou o “fair share”, como as operadoras defendem.
Para o executivo, há “um círculo virtuoso de quando se tem um dos melhores conteúdos as melhores aplicações sendo entregues com a maior qualidade possível pelo menor preço possível e para o maior número de clientes possíveis, pelo maior número de operadoras, melhor qualidade e com preço justo”.
Na visão de Mucci, nessa “espiral positiva” às vezes acontecem deformidades. Ele reconhece que o preço do bit caiu muito, que os investimentos a serem feitos nas redes são enormes, mas lembra que as empresas de streaming também reclamam de seus custos, e que, sem conteúdo não haveria rede.
Nesse conversa durante o MWC, Giuseppe Marrara, diretor sênior de Políticas Públicas da empresa, conta também porque não vê disputa entre o Wifi 6E e o 5G, seja fixo ou móvel.
Leia aqui os principais trechos da conversa:
Tele.Síntese – No Mobile World Congress foi anunciada a escolha da plataforma Cisco pela V.tal. O que representa esse acordo?
Ricardo Mucci – A parceria com a V.tal, é a primeira que assinamos na América Latina. Não é a primeira no mundo, mas é a primeira no Brasil e na América Latina e que vai proporcionar a construção de uma rede 5G multi-tenant, ou seja, com a capacidade de atender mais de um cliente conectado a uma nova estrutura de rede de transporte. Como você constrói um ambiente altamente resiliente, otimizado e automatizado para receber conexões 5G em um modelo multi-tenant, ou seja, um
modelo multicliente? É o primeiro projeto na América Latina, e é uma parceria de longo prazo que a gente assina com a V.tal.
Tele.Síntese – O que, exatamente, vocês capacitam a V.tal para fazer?
Ricardo Mucci – Dar a capacidade de a V.tal como uma operadora genuinamente neutra, ser o birô de provimento desse tipo de solução e tecnologia para as outras operadoras móveis, principalmente aquelas que não têm uma estrutura pronta para isso. É uma chinese wall a ser construída, ou seja, uma rede 5G criada não afeta a outra e vice-versa.
Tele.Síntese – Ainda sobre o MWC, como a Cisco vê a posição da GSMA e de operadoras de celular de que a destinação da faixa de 6GHz para o WiFi é desperdício de banda? E a reação da Anatel, de que vai ainda ampliá-lo para o uso externo?
Giuseppe Marrara- O WiFi já estava com as suas duas faixas altamente saturadas. Hoje, uma banda de 2,4 GHz está com treze canais totalmente tomados e altamente sensíveis a interferências. A faixa de 5 GHz, que foi liberada para uso em 2003, e que está a praticamente 20 anos rodando, também sofre com os gargalos, são 24 canais altamente comprometidos e tomados também. Foi perfeita a decisão da Anatel de abrir uma nova faixa de 6 GHz. Mas os dispositivos precisam também de ser aptos e falar dentro dessa frequência. Uma questão é trafegar em a 100/150 megabits no máximo, na faixa de 2,4 GHz ou 300/350 megabits no máximo na faixa de 5 GHz. Agora, com o 6E, a velocidade chega 1 Gigabit e o dispositivo precisa ter disponibilidade, estar habilitado. Mas aos poucos os aparelhos já serão habilitados para isso.
Tele.Síntese – Mas não é frequência demais para um acesso que é fixo?
Marrara – A Cisco entende que o WiFi é fundamental para que o 5G funcione perfeitamente, já que cerca de até 60% do tráfego do 5G é offload para o WiFi e o WiFi também se beneficia dessa single transition com o 5G, que é a melhor aplicação para outdoor com mobilidade. As três primeiras camadas são idênticas, eles se separam em cima, quando chegam perto da interface aérea. Do ponto de vista para o usuário, você consegue ter o melhor do 5G com mobilidade em alto desempenho e WiFi, dentro de uma capacidade de adensamento muito grande do dispositivo, o que vai beneficiar aplicações de IoT, até ambientes muito densos em dispositivos, como por exemplo, escolas, áreas de saúde, estádio, até o open roaming
Tele.Síntese – O que é open roaming?
Marrara – Open roaming é você ter a capacidade de usar a sua rede celular e entrar em um ambiente que permite conectar o IP da sua operadora. Basicamente é uma troca de credenciais, enviados pelo operadora, de forma que você passe a utilizar seu celular
não mais através da torre, mas sim, através da sua rede, gerando assim um offload de carga.
Tele.Síntese – Do ponto de vista do usuário significa mudança de tarifa?
Marrara – Não. Pela política da operadora, não. Agora, o bit transportado pelo WiFi é muito mais barato, muito mais barato que o bit transportado pelo 5G. Então, quando você faz isso, você melhora a qualidade para o usuário, para ele é transparente, porque ele continua tendo o mesmo serviço que teria com o 5G, mas ao mesmo tempo libera mais capacidade do 5G para outros usuários. Hoje a gente está falando do WiFi 6E, mas já iniciamos os estudos do WiFi 7, que vai vai utilizar exatamente a banda de 6 GHz.
Tele.Síntese – O WiFi 6E mata o FWA (Fixed Wireless Access)?
Ricardo Mucci- Não mata o FWA. As duas tecnologias têm o mesmo objetivo, que é levar conectividade para as pontas. Em um caso, ele vai atender empresas que podem investir na construção do 5G e em outro caso em empresas que não podem. Quem tem 5G, a radiação é muito maior do que a do WiFi. Estamos falando de um nível de custo determinado e um preço e nível de custo diferenciado. Estamos falando de uma franquia de dados de determinadas limitações. São dois modelos de negócios, vamos dizer que, semelhantes, mas usando tecnologias profundamente diferentes. São modelos de negócios parecidas, para públicos diferentes e usando tecnologias diferentes.
Tele.Síntese – A Cisco tem uma participação importante na PPP (Parceria Público Privada) do Piauí Conectado. Qual sua avaliação sobre o projeto?
Ricardo Mucci- A gente chegou a um modelo robusto para levar a conectividade, com garantia econômica e jurídica para um ente privado poder prestar o serviço com qualidade, surgindo o Piauí Conectado. O Piauí tinha o pior megabit do país, tanto em qualidade como em velocidade e hoje é a melhor banda larga deste país. Foi feito a criação de uma PPP, um fundo garantidor, um pagamento baseado com 100% de serviço, uma qualidade do aumento de serviço. Um modelo que se prova muito eficiente.
O Mato Grosso seguiu a mesma linha, abriu uma PPP com fundo garantidor, uma visão de 30 anos, com uma reserva de banda alocada somente para o governo. Esse é um ponto interessante das PPPs na área de telecomunicações, o governo pede 60% do Backbone, os outros 40% a empresa faz o que quiser, ou seja, dar possibilidade de vender essa capacidade excedente no mercado privado, e, mais do que isso, o fomento e a criação de serviços locais, que se acoplam a essa rede e começa a prover serviços de internet e banda larga para pessoas físicas, porque a PPP não vai fazer isso. Gera também a visão de uma nova economia e, obviamente, uma inclusão digital. Eu vejo com muito bons olhos. Não é um processo que geralmente fazemos, porque demora muito, mas outros estados passam a adotá-lo também.
Tele.Síntese – O dilema das operadoras de telecomunicações é valorizar a sua empresa…
Ricardo Mucci- Conversando com as operadoras, a gente vê algumas movimentações na criação de geração de valor agregado. Grandes players do mercado começam a a navegar em ondas outras que não só a de conectividade. Antes as operadoras estavam entregando apenas link em PLS, minutagem, tanto fixo quanto móvel. Hoje a gente vê a operadora entrando na casa do cliente. Eu
acho que é um caminho que tem que ser perseguido, buscar rendas diferentes, não somente de conectividade. De fato, o megabit caiu demais e o advento das redes de fibra óptica facilitou demais a queda da receita. O megabit caiu e as operadoras reclamam muito porque o trafego aumentou demais, investimento demais nessa infraestrutura, mas a remuneração é pouca. É complicado, um baita desafio. Mas as empresas de streaming também reclamam que tiveram uma receita deficitária, porque o custo da produção é muito caro caro.
O fato é que existe um círculo virtuoso de quando você tem um dos melhores conteúdos, as melhores aplicações sendo entregues com a maior qualidade possível pelo menor preço possível e para o maior número de clientes possíveis, pelo maior número de operadoras, melhor qualidade e com preço justo. Isso gera uma espiral positiva de consumo de dados e também de transformação digital que é positiva para todos. E ao longo dessa espiral positiva, às vezes acontecem algumas deformidades, comprimindo um lado ou outro. Não vou entrar no mérito de quem está ou não ganhando dinheiro. São partes da mesma equação, não há necessidade de rede se você não tiver conteúdo, aplicações que motivem o cliente a usá-la e não adianta você ter excelentes aplicações de conteúdo se não tiver uma rede boa, equilibrada e segura para entrega-la. São dois jeitos de ver e acho que tem que ter alguma simetria e é importante manter essa espiral positiva girando.
Tele.Síntese – Em relação ao programa tocado pela Anatel, de conexão nas escolas públicas, a Cisco pretende dar alguma contribuição além de disputar licitações?
Ricardo Mucci- Estamos construindo um modelo para o programa Escola Conectada, que foi uma iniciativa do MEC e é capitaneado pelo BNDES e foi feito com parceria com empresas privadas; Cisco, Fundação Itaú, Fundação Lemann, Positivo e outras. O projeto é de como a gente levava uma transformação completa nas escolas. Mudando a visão para transformação do material pedagógico, alfabetização digital por pessoa e infraestrutura. O modelo abraçou 100 escolas em três grandes cidades; Campina Grande, Ilhéus, Souza (PB) e escolas municipais de educação básica. Nós entramos com toda a infraestrutura e agora temos coletado todas as informações, as análises são feitas pelo CIEB, justamente para que a gente possa levar as questões das
organizações nessa escola e, uma vez que tenha um arcabouço do que funcionou e do que não funcionou, ele será repassado para que as escolas do país possam aderir e aplicar o modelo. Os recursos serão repassados pelo BNDES.