O TCU, o TAC e a banda larga dos ricos

As críticas do relatório do TCU ao TAC acordado entre a Anatel e a Telefônica deixam de levar em consideração que os investimentos serão feitos apenas onde houver VPL negativo. Ou seja, sem lucro para a empresa.

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O relatório da secretaria de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) tornado público esta semana por este portal sobre a proposta de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) da Anatel com a Telefônica aponta correções que devem certamente ser feitas pela agência e pela empresa, até porque é mesmo o papel de um órgão fiscalizador apontar as fragilidades do Estado e de seus regulados. Mas o documento peca na virulência, no intervencionismo e na postura apresentados. Para analistas e executivos da empresa que se debruçaram sobre a peça, o documento chega mesmo a cometer erros grosseiros de conceitos.

Mais do que uma sensação de que a burocracia fiscalizatória do Estado brasileiro nunca gostou dessa proposta de TAC formulada pela Anatel, os próprios técnicos do tribunal admitem isso. Está lá escrito: “(…) caso as multas fossem cobradas, seriam destinadas a fundos específicos cuja função principal é estimular políticas públicas do setor de telecomunicações”. Ora, essa afirmação é no mínimo uma esperança e um equívoco. Esperança porque nunca dinheiro do setor de telecom foi usado para outra coisa a não ser pagar juros da dívida ou outras despesas do Tesouro, como demonstrou recente auditoria feita pelo próprio TCU, e equívoco porque dinheiro de fundo setorial, o Fust, se um dia for liberado, só pode ser usado para telefonia fixa.

Mas os executivos acharam estranho mesmo as críticas do relatório quanto ao fato de a agência ter priorizado os investimentos em fibra óptica (FTTH); criticado as cidades escolhidas para os investimentos dos compromissos adicionais em banda larga; e responsabilizado os dirigentes da agência por um possível prejuízo ao erário devido a desvios no cálculo do VPL.

Em relação à escolha pela fibra, o relatório chega a afirmar: “o projeto com FTTH beneficia a operadora, porque possui um grande apelo comercial e um público-alvo com poder aquisitivo maior, representando maior rentabilidade do projeto”. E alega também que estaria contra a política pública. Ora, na política pública, definida pelo então ministro André Figueiredo (última política ainda em vigor), a prioridade é mesmo  fibra óptica e banda larga. Tanto que, no primeiro projeto apresentado pela Telefônica, os investimentos seriam apenas em São Paulo, e com  fibra apenas até o quarteirão. “Depois da publicação desse decreto, a Anatel passou a exigir muito mais investimento em fibra óptica em cidades fora de SP”, assinala o executivo.

Agora, falar que esse projeto foi escolhido porque dá mais “rentabilidade” é ter a mesma miopia ao afirmar que  “não é relevante se a localidade a ser atendida possui demanda de usuários interessados em pagar pelo serviço, visto que esse não constitui o objetivo primordial dos compromissos adicionais”. 

Ora, todos os projetos foram escolhidos  com base no conceito do VPL negativo. Ou seja, se não vai dar lucro, obviamente, não pode ser rentável para a operadora. E, se o projeto não é lucrativo para a operadora, não é muito melhor para a sociedade que ele atinja o maior número de pessoas possível? Essa é a intenção da Anatel em sua proposta. Pode-se até questionar se uma e não outra cidade merecia estar na lista, mas por em xeque o critério, aí sim, é uma questão que não parece caber a um órgão meramente fiscalizador.

E há uma questão que intriga mesmo esse analista. Em determinado momento, o relatório chega a afirmar que o TCU não calculou o VPL do projeto. Ou seja, acusou a Anatel de ter desviado dinheiro com base na revisão de cálculo que a própria agência fez. “Ora, o papel do tribunal é confirmar se as contas estão certas, se não estiverem, mandar corrigir”, assinala.

Sem TAC

Não é provável que os ministros do TCU acatem o relatório, pois isso implicaria acabar com o TAC e, na prática, com a interiorização da banda larga. Na avaliação do setor, se o TAC não vingar, tudo fica como está: as multas continuarão a ser pagas, ou contestadas na justiça, e os investimentos em rede de banda larga fixa não sairão das 300 cidades onde estão instaladas atualmente.

” Nenhuma empresa coloca banda larga fixa em cidade nova há mais de dois anos, alguém já percebeu isso? Porque os mercados rentáveis já foram cobertos”. E, assim, os ricos continuarão com mais velocidade, com 4G e 5G, e os mais pobres, permanecerão desconectados. Não deve ser este o país que queremos construir.

Há sim a discussão se se deve permitir que os recursos públicos – multas, são aplicadas porque a empresa não cumpriu algo que a regulação determinava – devam ser aplicados em redes privadas. Para equacionar essa questão, e fazer avançar a banda larga no país evitando que continue a se concentrar entre poucos, a saída deve ser o compartilhamento a preços justos dessas redes feitas com esses recursos. Mas isso também não deveria ser uma questão do TCU, mas uma decisão da agência reguladora.

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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