O que dizem provedores de internet e plataformas contra eventual taxa de rede
Prestadores de serviços digitais se reuniram em Brasília nesta quarta-feira, 13, para discutir os impactos de eventual taxa de rede, ou “fair share”, no Brasil. O encontro foi promovido pela Aliança pela Internet Aberta, em Brasília, com o objetivo de apresentar e estimular o debate sob a perspectiva das plataformas e provedores de médio e pequeno porte.
A proposta das operadoras é de implementar uma cobrança a ser paga pelas grandes empresas que geram maior demanda de dados, como vídeo sob demanda e redes sociais, alegando sobrecarga e necessidade de mais investimentos na infraestrutura, pela sustentabilidade das redes. A discussão realizada nesta semana reuniu agentes do setor público e privado que questionam a medida.
Para Raúl Echeberría, diretor executivo da Associação Latino-Americana de Internet (ALAI), o Brasil é o país na região da América do Sul, “e talvez no mundo”, onde “menos faz sentido” discutir uma taxa de rede. “É o país que tem mais a perder, porque tem desenvolvido nos últimos anos a melhor infraestrutura de interconexão local”, opinou.
Echeberría chamou atenção para o que poderia ser, na prática, uma negociação entre as empresas. Em sua visão, provedores de conteúdo poderiam retirar o cache dos CDNs (redes de distribuição de conteúdo) até formalizar o modelo de cobrança, em um processo que poderia demorar meses e priorizar grandes operadoras.
Em termos de custo, o diretor da ALAI não vê vantagem. “O acordo provavelmente vai ser que a operadora vai ter que pagar pelos conteúdos [custo do trânsito] o mesmo que eu [provedor de conteúdo] estou pagando para eles”, exemplificou.
“Enquanto isso, milhares de provedores quebrarão [aguardando a vez de negociar, após grandes teles]. Haverá maior concentração do mercado, populações do interior do país que tinham acesso à internet perdem, alguns provedores são comprados pelas operadoras, enquanto outros tentam sobreviver”, apostou.
No mesmo sentido, o presidente executivo da TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas), Luiz Henrique Barbosa, destacou a possível mudança no mecanismo de distribuição do conteúdo e os impactos na competição . “Vai afetar sistemas de rede de transporte de cabos submarinos, porque vai todo mundo procurar minimizar custo, e isso desorganiza a estrutura como está feita no Brasil. Empodera algumas empresas e enfraquece uma grande maioria”, disse.
Barbosa defende “um caminho alternativo” para problemas da rede. “Temos uma rede robusta, descentralizada e alguns problemas para resolver, sim, mas são outros, que não esse, na nossa visão”, se referindo ao fair share como solução para sustentabilidade das redes e competição.
“Tem outros problemas de disfunção do mercado brasileiro, [como a] falta de fiscalização em questões de impostos. Tem gente competindo e jogando o preço para um nível que não se sustenta, porque tem uma estrutura de custos diferente, [por exemplo], não paga poste, não paga imposto, há disfunção do Simples. Isso precisa ser enfrentado”, argumenta.
Cristiane Sanches, do conselho da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), acrescentou como os possíveis impactos da taxa de rede o surgimento de novos desafios no avanço da prestação de internet para áreas onde a conexão significativa ainda não chegou.
“Aqueles pontos que não são atendidos hoje, e que a gente tem realmente demanda pela conectividade, estão totalmente relacionados à preço, muitos deles. Então, se a gente estabelece um mecanismo regulatório de tarifação de preço, […] e cria-se um mecanismo de subsídio cruzado entre duas partes que, na verdade, tem um relacionamento que é sinérgico, como efeito imediato, é ampliação de custo. Isso a gente não pode ter para conquistar o restante das áreas não atendidas”, alertou Sanches.
Empresas
Do lado das empresas de serviços digitais, os argumentos puxam para os impactos aos consumidores. “O Netflix se importa com a internet aberta porque o seu cerne, o streaming, é sobre a escolha do usuário”, disse Thomas Volmer, gerente de Política de Distribuição de Conteúdo Global da plataforma.
Volmer afirmou que a infraestrutura no Brasil conta com mais de mil servidores para otimizar o acesso ao conteúdo, e que esse investimento deve ser considerado para a infraestrutura e o impacto para quem fornece a conexão.
“Com esses conteúdos que o Netflix produz, fazemos com que as pessoas queiram pagar para ter melhores conexões e retroalimentamos esse ciclo”, alegou.
Outros representantes de empresas destacaram a associação do movimento contra o fair share à defesa da neutralidade da rede. A representante do Mercado Livre, Ana Patriota, apontou que o marketplace surgiu do modelo aberto de conexão atual e acabou sendo suporte para empreendedores, mantendo 90% de sua base de pequenas empresas.
“Hoje, nós conseguimos garantir o serviço a qualquer pessoa que tenha acesso à internet no Brasil. […] Aumentando o custo, seria repassado aos vendedores”, disse Patriota.
No mesmo sentido, a executiva jurídica do grupo Quinto Andar, Fernanda Pascale, ressaltou que a empresa se firmou “quando a neutralidade de rede virou regra” e atualmente gerencia 215 contratos de locação, em modelo de negócio que se baseou no online, visando baixo custo e praticidade. “Sem isso [neutralidade de rede] o consumidor não teria essa vantagem. Os custos com certeza seriam repassados ao consumidor final”, disse.
Marcos Borges, vice presidente da LiveMode, ressaltou a parceria com a empresa de mídia CazéTV, a partir do direito digital da Copa do Mundo de 2022. “Se houvesse alguma barreira de entrada [à época], castas de acesso, formas que dificultassem o acesso desse conteúdo, de fato, o canal não teria atingido o sucesso que atingiu”, exemplificou.
Outros lados
A taxa de rede é um dos pontos discutidos no âmbito da Tomada de Subsídios nº 26 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Foram 1.330 contribuições enviadas pela plataforma de participação social online da agência, e outros 20 estudos técnicos, cartas e análise entregues diretamente. O debate foi apresentado em alto nível, com empresas e entidades trazendo propostas detalhadas, pareceres técnicos, econômicos ou jurídicos para embasar suas visões. (Saiba mais aqui)