O que dizem provedores de internet e plataformas contra eventual taxa de rede

Movimento contra fair share proposto por teles reuniu associação de prestadores, e empresas como Netflix, Mercado Livre, LiveMode e Quinto Andar em dia de exposições em Brasília.
Debate contra taxa de rede movimenta empresas
Debate contra taxa de rede movimenta provedores e plataformas | Foto: Freepik

Prestadores de serviços digitais se reuniram em Brasília nesta quarta-feira, 13,  para discutir os impactos de eventual taxa de rede, ou “fair share”, no Brasil. O encontro foi promovido pela Aliança pela Internet Aberta, em Brasília, com o objetivo de apresentar e estimular o debate sob a perspectiva das plataformas e provedores de médio e pequeno porte. 

A proposta das operadoras é de implementar uma cobrança a ser paga pelas grandes empresas que geram maior demanda de dados, como vídeo sob demanda e redes sociais, alegando sobrecarga e necessidade de mais investimentos na infraestrutura, pela sustentabilidade das redes. A discussão realizada nesta semana reuniu agentes do setor público e privado que questionam a medida.  

Para Raúl Echeberría, diretor executivo da Associação Latino-Americana de Internet (ALAI), o Brasil é o país na região da América do Sul, “e talvez no mundo”, onde “menos faz sentido” discutir uma taxa de rede. “É o país que tem mais a perder, porque tem desenvolvido nos últimos anos a melhor infraestrutura de interconexão local”, opinou.

Echeberría chamou atenção para o que poderia ser, na prática, uma negociação entre as empresas. Em sua visão, provedores de conteúdo poderiam retirar o cache dos CDNs (redes de distribuição de conteúdo) até formalizar o modelo de cobrança, em um processo que poderia demorar meses e priorizar grandes operadoras. 

Em termos de custo, o diretor da ALAI não vê vantagem. “O acordo provavelmente vai ser que a operadora vai ter que pagar pelos conteúdos [custo do trânsito] o mesmo que eu [provedor de conteúdo] estou pagando para eles”, exemplificou. 

“Enquanto isso, milhares de provedores quebrarão [aguardando a vez de negociar, após grandes teles]. Haverá maior concentração do mercado, populações do interior do país que tinham acesso à internet perdem, alguns provedores são comprados pelas operadoras, enquanto outros tentam sobreviver”, apostou.

Associações de provedores de internet debatem sobre impactos de eventual taxa de rede em Brasília
Associações de provedores de internet debatem sobre impactos de eventual taxa de rede em Brasília | Foto: Reprodução/AIA

No mesmo sentido, o presidente executivo da TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas), Luiz Henrique Barbosa, destacou a possível mudança no mecanismo de distribuição do conteúdo e os impactos na competição . “Vai afetar sistemas de rede de transporte de cabos submarinos, porque vai todo mundo procurar minimizar custo, e isso desorganiza a estrutura como está feita no Brasil. Empodera algumas empresas e enfraquece uma grande maioria”, disse.

Barbosa defende “um caminho alternativo” para problemas da rede. “Temos uma rede robusta, descentralizada e alguns problemas para resolver, sim, mas são outros, que não esse, na nossa visão”, se referindo ao fair share como solução para sustentabilidade das redes e competição.

 “Tem outros problemas de disfunção do mercado brasileiro, [como a] falta de fiscalização em questões de impostos. Tem gente competindo e jogando o preço para um nível que não se sustenta, porque tem uma estrutura de custos diferente, [por exemplo], não paga poste, não paga imposto, há disfunção do Simples. Isso precisa ser enfrentado”, argumenta.

Cristiane Sanches, do conselho da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), acrescentou como os possíveis impactos da taxa de rede o surgimento de novos desafios no avanço da prestação de internet para áreas onde a conexão significativa ainda não chegou.

“Aqueles pontos que não são atendidos hoje, e que a gente tem realmente demanda pela conectividade, estão totalmente relacionados à preço, muitos deles. Então, se a gente estabelece um mecanismo regulatório de tarifação de preço, […] e cria-se um mecanismo de subsídio cruzado entre duas partes que, na verdade, tem um relacionamento que é sinérgico, como efeito imediato, é ampliação de custo. Isso a gente não pode ter para conquistar o restante das áreas não atendidas”, alertou Sanches.

Empresas

Do lado das empresas de serviços digitais, os argumentos puxam para os impactos aos consumidores. “O Netflix se importa com a internet aberta porque o seu cerne, o streaming, é sobre a escolha do usuário”, disse Thomas Volmer, gerente de Política de Distribuição de Conteúdo Global da plataforma.

Volmer afirmou que a infraestrutura no Brasil conta com mais de mil servidores para otimizar o acesso ao conteúdo, e que esse investimento deve ser considerado para a infraestrutura e o impacto para quem fornece a conexão.  

“Com esses conteúdos que o Netflix produz, fazemos com que as pessoas queiram pagar para ter melhores conexões e retroalimentamos esse ciclo”, alegou. 

Outros representantes de empresas destacaram a associação do movimento contra o fair share à defesa da neutralidade da rede. A representante do Mercado Livre, Ana Patriota, apontou que o marketplace surgiu do modelo aberto de conexão atual e acabou sendo suporte para empreendedores, mantendo 90% de sua base de pequenas empresas.

“Hoje, nós conseguimos garantir o serviço a qualquer pessoa que tenha acesso à internet no Brasil. […]  Aumentando o custo, seria repassado aos vendedores”, disse Patriota. 

No mesmo sentido, a executiva jurídica do grupo Quinto Andar, Fernanda Pascale, ressaltou que a empresa se firmou “quando a neutralidade de rede virou regra” e atualmente gerencia 215 contratos de locação, em modelo de negócio que se baseou no online, visando baixo custo e praticidade. “Sem isso [neutralidade de rede] o consumidor não teria essa vantagem. Os custos com certeza seriam repassados ao consumidor final”, disse.

Marcos Borges, vice presidente da LiveMode, ressaltou a parceria com a empresa de mídia CazéTV, a partir do direito digital da Copa do Mundo de 2022. “Se houvesse alguma barreira de entrada [à época], castas de acesso, formas que dificultassem o acesso desse conteúdo, de fato, o canal não teria atingido o sucesso que atingiu”, exemplificou.

Outros lados

A taxa de rede é um dos pontos discutidos no âmbito da Tomada de Subsídios nº 26 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).  Foram 1.330 contribuições enviadas pela plataforma de participação social online da agência, e outros 20 estudos técnicos, cartas e análise entregues diretamente.  O debate foi apresentado em alto nível, com empresas e entidades trazendo propostas detalhadas, pareceres técnicos, econômicos ou jurídicos para embasar suas visões. (Saiba mais aqui)

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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