O mercado brasileiro de telecom passa por uma desorganização estrutural, avalia presidente da Claro

Para José Félix, três são as principais causas que estão provocando essa desorganização: o equivocado conceito do que é prestador de pequeno porte; a ausência de medidas para preservar os investimentos e tentativa forçada de criar novo competidor na telefonia móvel; e a neutralidade da rede para proteger as OTTs
O mercado brasileiro de telecom passa por desorganização estrutural. Crédito-divulgtação
O presidente da Claro, José Félix, elenca os riscos setoriais. Crédito-
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Um dos maiores investidores brasileiros, a Claro,  avalia que o mercado brasileiro de telecom está enfrentando uma desorganização estrutural, que pode ameaçar a atratividade do negócio e o fôlego dos investidores. E o presidente da empresa, José Félix, aponta para as três principais causas que, em sua avaliação, estão provocando essa desorganização: a falta de fiscalização e erro regulatório que estimulam a atuação das operadoras de telecomunicações informais; a tentativa de forçar o surgimento de um novo operador nacional de telefonia móvel por via regulatória e não de mercado; e a ausência de remuneração das redes de telecomunicações pelos maiores consumidores de sua infraestrutura – as OTTs, como Google, Facebook e gigantes de internet.

Para Félix, não é possível mais as autoridades não enxergarem que o segmento dos provedores regionais de telecomunicações precisa ter uma nova orquestração. ” No Brasil, tem um monte de gente que não é regulada, fazendo o que bem entende”, afirma, em conversa com o Tele.Síntese. E exemplifica: “tem ISP que não manda sequer a nota fiscal para o cliente; que joga fio nos postes de qualquer maneira, ou que não recolhe o imposto devido dos serviços de telecomunicações”.

Em seu entendimento, um dos responsáveis por essa situação é a definição da Anatel do que devem ser as empresas desreguladas. ” A definição de que as operadoras reguladas  (aquelas definidas como Poder de Mercado Significativo) são as com mais de 5 por cento do mercado nacional é um equívoco. O Brasil é muito grande. Da maneira como está, estão sendo geradas distorções enormes”, afirmou. Para Félix, a definição de empresas com poder de mercado deve ser estabelecida por cidade, onde moram os clientes e onde as operadoras atuam. ” Hoje, o sujeito tem  um monte de assimetrias. Operadora com 90% do mercado de banda larga de uma cidade não é considerada pela Anatel uma empresa com poder de mercado.  É uma terra sem lei”, afirma.

Telefonia Móvel

Uma das preocupações do executivo é de que essa desorganização no segmento de banda larga fixa acabe migrando também para o de telefonia móvel, conforme os sinais emitidos pela Anatel. ” A Oi foi vendida porque quebrou. A Nextel foi vendida porque quebrou. Querer forçar uma barra para criar uma concorrência desleal, vai-se pagar lá na frente, com a falta de profissionalismo de um serviço que é complexo e vai acabar deteriorando a infraestrutura”, vaticina.

E exemplifica as razões de sua preocupação como a recente decisão da Anatel de estabelecer o preço da oferta do roaming para as grandes operadoras, que segundo ele, está, realmente abaixo do custo do serviço. ” Nós vamos cumprir a determinação da Anatel, porque somos regulados. A agência diz que é uma medida temporária, mas temporária até quando?”, indaga.

Em sua avaliação, há ainda o risco de a situação no mercado brasileiro ficar mais grave, caso a Anatel atenda à nova reivindicação dos pequenos prestadores, de deixar que eles façam acordos de roaming com todas as grandes operadoras. ” Se a agência liberar isso, essas empresas vão ter a melhor rede do mundo, sem ter rede nenhuma, pois vão pegar o que há de melhor da Claro, da Vivo, da TIM. Para que vão construir rede?”, indaga. Em sua avaliação, o mais importante é que existam empresas saudáveis, para continuarem a investir em rede e ofertarem os melhores serviços.

Félix aponta que no estudo da empresa sobre o comportamento do mercado brasileiro no próximo ano, já existem demandas de mais de R$ 15 bilhões de investimentos. ” O negócio de telecom consome fácil 15 bilhões de Capex por ano. A gente encontra lugar para colocar dinheiro, sem pensar muito. Mas e as receitas? Temos que fazer o atendimento, cumprir todas as obrigações, com  as despesas crescendo 10% ao ano, e ainda temos que remunerar o capital, em um país com a renda que temos”, pondera.

Ele assinala que a recente decisão da Anatel, de proibir o roaming permanente foi acertada, pois, caso contrário, estaria provocando mais um desestímulo à necessária construção das redes de telecomunicações.  ” No roaming normal, um cliente entra e sai de uma cidade que não tem a cobertura da sua operadora. Isso é o que conhecemos. Outra coisa é o cara sair de casa e acampar na casa do outro a vida inteira a preço de banana. Isso não podia perdurar”, completa.

OTTs

Para José Félix, outra ponta mal resolvida e que está afetando o mercado brasileiro de telecomunicações, refere-se ao grande consumo de rede gerado pelas OTTs (as megacorporações de internet, como Google e Facebook, conhecidas como as que atuam Over The Top – ou no topo das redes de telecom), que obriga as operadoras  a ampliarem cada vez mais a capacidade das suas redes, sem que essas empresas contribuam em nada com os investimentos.  Mas ele acha que a alternativa que está sendo construída na Europa, por exemplo, não é a melhor.  ” Inicialmente pensava que lá as OTTs iriam ajudar na construção da infraestrutura. Mas resolveram criar uma taxa e criar um fundo. Nós sabemos como esses fundos funcionam aqui no Brasil…..”, temendo que o exemplo europeu acabe inspirando as autoridades brasileiras.

No Brasil, o FUST (Fundo pela Universalização das Telecomunicações), criado em 2000, e que arrecada mais de R$ 1 bilhão por ano, nunca teve o dinheiro direcionado para o setor de telecomunicações. Com aprovação de uma nova lei pelo Congresso Nacional, 22 anos depois, essa situação poderá começar a ser revertida a partir do próximo ano, quando se espera a aplicação de uma parcela do dinheiro a ser arrecadado.

Para ele, o ideal seria que fosse alterado o conceito de neutralidade da rede, que ele deixasse de valer para essas megacorporações, mantendo esse princípio para as questões que realmente importam, que são a neutralidade da rede para assegurar o direito à informação, o direito à educação, aos serviços públicos. ” A neutralidade é importante. Mas há atividades que entendemos ser uma mera relação comercial. Por que Google, Whatsapp ou Facebook podem ganhar dinheiro com publicidade, usar a nossa rede, e não pagar nada por isso. Qual a razão dessa “neutralidade?” questiona.

 

 

 

 

 

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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