O futuro chegou mais rápido
[O Tele.Síntese vai publicar ao longo das próximas semanas as reportagens publicadas no Anuário Tele.Síntese de Inovação 2020, editado no final do ano passado e que pode ser baixado na íntegra e gratuitamente aqui]
No início do ano estava nos planos das operadoras investir para aumentar a capacidade de fibra óptica, estender a rede 4G, lançar redes 5G DSS, preparar o core da infraestrutura para também atender às futuras operações de 5G standalone e aprofundar estudos sobre o uso do Open RAN. Sem dúvida, um grande número de tarefas e envolvendo alto volume de recursos.
No meio do caminho apareceu uma pandemia que colocou os serviços de telecomunicações no protagonismo da economia para que, durante a quarentena, milhões de trabalhadores adotassem o home office, estudantes passassem a utilizar intensivamente o e-learning, consumidores aumentassem a procura de serviços de streaming e de e-commerce, e outras atividades on-line. Isso sem contar a área de saúde que, mais do que nunca, precisou avançar na digitalização e conexão. Foi então necessário combinar o planejamento anterior com as medidas que o momento exigia.
“Durante o período mais intenso do isolamento social chegamos a registrar um aumento de 40% no volume de tráfego em nossas redes”, comenta Átila Branco, diretor de Planejamento de Redes da Vivo. Ele comemora o fato de que a empresa estava preparada para uma situação como essa, fruto de um esforço de capacitação, modernização, capilaridade e controle investido na infraestrutura para suportar a demanda e a evolução para o 5G. No ano passado, a Vivo investiu cercade R$ 9 b ilhões, principalmente na expansão da rede fixa e móvel.
Na avaliação do executivo, houve um processo de aceleração da “transformação digital” da sociedade, que refletiu na procura de conectividade de qualidade, especialmente a internet de ultra velocidade. “Entre abril e junho tivemos um impacto diretamente nas vendas de conexões via fibra óptica com velocidade de até 300 Mega. Tanto que no segundo trimestre a empresa bateu um recorde ao adicionar mais de 210 mil novos clientes nesse serviço, atingindo 2,9 milhões de acessos”, comenta. O volume representou um crescimento de 32% sobre o mesmo período do ano passado. A expansão da fibra chegou a 30 novas cidades, segundo Branco. Ele lembra que, com isso, a operadora está presente em 253 municípios e mais de 13 milhões de domicílios cobertos.
Para a Claro, o aumento no consumo de dados foi da ordem de 30% a 35%, principalmente na rede fixa. “Foi um desafio enorme, nós temos grande market share de banda larga fixa que foi bastante utilizada e que, ao contrário da móvel, é um serviço que não tem planos de franquia”, diz André Sarcinelli, diretor de Engenharia da operadora. Nesse cenário, os tradicionais momentos de pico de tráfego em tempos normais se reproduziram também durante o dia e os “vales” onde havia diminuição nos acessos se estreitaram.
Sarcinelli conta que houve uma antecipação de fluxo bem evidente. Por exemplo, o que a Claro projetava para o tráfego de dados em setembro aconteceu no dia 22 de março, o pico do movimento durante a quarentena. A empresa também antecipou investimentos já previstos para aumentar a capacidade de transmissão do backhaul, anéis ópticos, processamento na banda larga e ampliação das máquinas que armazenam conteúdos, como Netflix e Facebook, dentro da rede.
As OTTs também colaboraram com as operadoras na questão do tráfego. De acordo com Sarcinelli, em abril o Youtube, por exemplo, não ofereceu vídeos com HD (High Standard) a seus consumidores e a Netflix, que teve um aumento significativo de procura durante a pandemia, evitou transmitir conteúdo na resolução 4K.
Mas, se pressionou a operação fixa, a pandemia também teve impacto sobre a rede móvel. O tráfego de voz vinha caindo nos últimos anos substituído por apps de comunicação, que tiveram o uso intensificado, ao mesmo tempo em que as ligações voltaram a crescer. A Claro sentiu pressão em seus sites em áreas periféricas, como algumas cidades do interior, do litoral ou condomínios afastados dos centros urbanos. A empresa já havia reforçado rádios em localidades com menos de 50 mil habitantes, o que ajudou a escoar o tráfego de dados daqueles que preferiram passar a quarentena longe das grandes cidades.
Para Marco Di Costanzo, diretor de Engenharia e Implementação de Rede da TIM, o período de pandemia por conta da Covid-19 foi um grande aprendizado. O principal deles é que o futuro digital que era projetado para quatro, cinco anos chegou de um dia para o outro com as pessoas trabalhando, estudando, comprando, e se divertindo remotamente. E tudo funcionou perfeitamente.
O aumento de tráfego na operadora também ficou entre 30% a 35%. A empresa fez os ajustes necessários, como reforço dos rádios, gerenciamento central pelo Centro de Controle de Operação, e outras medidas. Ao mesmo tempo, internamente, não levou mais de uma semana para que seus funcionários passassem a trabalhar em home office, sem prejuízo dos serviços.
Todos os movimentos para garantir conexão e qualidade durante a pandemia não pararam investimentos estratégicos. Nesse período, por exemplo, a TIM inaugurou 64 lojas e manteve o ritmo de crescimento de sua rede 4G . “Com investimentos firmes e sólidos, estamos em 3.500 cidades com essa plataforma e temos não apenas a maior rede 4G mas também a maior infraestrutura VoLTE (Voz sobre LTE) do país”, reafirma o executivo.
Na Oi a expansão do tráfego chegou a cerca de 33% na banda larga fixa. Os investimentos programados para o ano favoreceram o atendimento dessa demanda, segundo Mauro Fukuda, diretor de Estratégia, Tecnologia, Arquitetura e Rede da empresa.
A programação para a área de rede incluía uma agressiva expansão da tecnologia de fibra óptica FTTH (Fiber to the Home), para chegar a 134 municípios cobertos e mais de dois milhões de casas conectadas, com a meta de 8 milhões.
A operadora tem o maior backbone de fibra do Brasil. São 388 mil quilômetros por todo o país e com um crescimento expressivo que já se tornou um case internacional, diz Fukuda. “Nós introduzimos novas funcionalidades, com velocidades maiores chegando a até 400 MHz. Favorecemos o upload que ficou com velocidade próxima do download, permitindo baixar os dados mais rápido, fazer videoconferências que são bidirecionais sem enfrentar problemas”, relata o executivo.
Outra meta da operadora no ano, que foi muito benéfica na pandemia, foi a de aumentar a capacidade de transmissão, inclusive na rede IP. Também está avançado o processo de virtualização da rede (VPN) que teve início há cerca de dois anos. “Hoje todos os equipamentos que compramos precisam ser virtualizados”, observa o executivo. Na rede móvel, teve prosseguimento o processo de refarming do 2G e 3G para implantação das redes 4,5
GHz e a preparação para o lançamento do 5G.
Para enfrentar o “furacão” da pandemia, as operadoras contaram bastante com apoio dos fornecedores. “A pandemia trouxe um perfil diferente para o mercado e aumentou muito a preocupação com a conectividade, com a banda larga”, diz Luiz Tonisi, diretor geral da Nokia [Este texto foi originalmente publicado no Anuário 2020, publicado em dezembro de 2020, Tonisi foi para a Qualcomm poucos dias depois]. Esse novo cenário mostrava um crescimento exponencial das contratações de serviços de alta performance e transferiu prioridades para a banda larga residencial.
Com as operadoras preocupadas com questões como mais capacidade de backhaul, última milha e expansão da fibra óptica, os fornecedores estabeleceram equipes de plantão para acompanhá-las. “Quando você lança um serviço de FTTH na residência, por exemplo, tem todo um arcabouço por trás daquilo, para o perfeito funcionamento daquela banda larga”, ressalta o executivo.
O problema para muitos era que tudo estava acontecendo ao mesmo tempo, praticamente on-line. Na avaliação de Tonisi, foi uma mudança muito forte que não deverá retornar totalmente à normalidade. Ele acredita que o home office será uma prática mais adotada pelas empresas, o que fará com que muitos continuem trabalhando de casa.
“Nós abraçamos a causa e tomamos várias iniciativas de apoio aos nossos clientes para que pudessem entregar serviços para a sociedade”, enfatiza Rômulo Horta, diretor de marketing da Huawei Enterprise Business Group no Brasil. Segundo ele, havia equipes preparadas para acompanhar o consumo de banda larga, tanto nas redes fixas como nas móveis, antecipando possíveis problemas.
Para muitas das demandas que surgiram já havia um planejamento de longo prazo das operadoras para ser executado, mas que acabou sendo antecipado. De acordo com o executivo, isso se refletiu também nos ISPs que, em muitos casos, anteciparam investimentos já previstos.
Com muitas pessoas em home office, os investimentos também se voltaram para as camadas de aplicações dos servidores de computação em nuvem para conseguir resultados melhores. “O melhor de tudo é que ninguém foi impactado negativamente, todos tiveram de se reinventar ativamente para garantir que tudo fosse feito com capacidade e qualidade”, analisa.
Outro exemplo da pressão que o setor sofreu durante a pandemia foi na telemedicina, que exigiu plataformas mais robustas e sistemas de segurança mais avançados. “Nós interagimos ativamente com nossos clientes para juntos entendermos como o tráfego migrou das áreas centrais para outras e ajudamos a fazer a otimização das redes”, conta Marcos Scheffer, vice-presidente de redes da Ericsson.
A atuação da empresa se concentrou muito nas redes móveis, que em algum momento perdeu tráfego para a fixa, mas já retornou aos níveis pré-pandemia e continua crescendo. O executivo enxerga uma mudança de costumes muito forte durante a pandemia e aposta na tendência de que o uso de novas aplicações continuará elevando o tráfego.
Tradicional fornecedor de fibras ópticas, a Furukawa tem visto a demanda das operadoras aumentar significativamente nos últimos anos, mesmo antes da pandemia. E os ISPs vêm ajudando a expandir a carteira de clientes e colaboram para a previsão de crescimento de 17% nesse ano fiscal, repetindo o desempenho do anterior. Mas a pandemia também traz problemas.
Na avaliação de Hélio Durigan, o mercado teria condições de crescer aproximadamente 30%, acompanhando a expansão do mercado de banda larga. Ele aponta alguns obstáculos, como a concorrência ilegal que oferece preços baixos e produtos de baixa qualidade. Além disso, aumentou também a competição dos tradicionais fornecedores de sistemas de rede que passaram a oferecer fibra óptica.
Além disso, o mercado passa por dificuldades para a compra de insumos necessários à produção de equipamentos dessa área, também em função da pandemia e da mudança de foco de grandes consumidores, como a China, que agora se dedica mais à 5G. Esse movimento também tem desestabilizado os preços, justo em um momento de
grande demanda.
A trajetória das operadoras brasileiras para o 5G não foi afetada pela pandemia e as empresas continuaram se preparando para a chegada do chamado 5G standalone, enquanto lançaram o 5G DSS (Dynamic Spectrum Sharing), ou non-standalone. A diferença entre os dois formatos é que o DSS permite compartilhar a frequência do 4G LTE com usuários do 5G, enquanto a standalone é uma rede única e independente. Poucas redes comerciais em operação no mundo trabalham com essa rede única.
“A Vivo considera a tecnologia 5G fundamental para a necessária digitalização do Brasil e com o potencial de mudar significativamente a forma como vivemos e como as empresas fazem negócios”, afirma Branco. Ele acredita que, de forma geral, o 5G traga benefícios em três campos principais: Internet móvel de alta qualidade com novas experiências mais imersivas como Realidade Virtual e Realidade Aumentada; comunicações de missão crítica que demandam conexão ultra estável e de baixa latência, como controle remoto de infraestruturas críticas em fábricas, carros autônomos ou robôs industriais; e, por fim, Internet das Coisas (IoT) que possibilita a conexão massiva de sensores para o desenvolvimento de novas aplicações.
Ele ressalta que as operadoras deram a largada para o lançamento do 5G DSS com as frequências existentes, mas alerta que sem uma banda contínua e dedicada, a experiência do 5G ainda não poderá ser sentida em sua totalidade. A Vivo já teve a funcionalidade 5G DSS ativada em sua rede para algumas regiões em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Rio de Janeiro, Goiânia, Curitiba e Porto Alegre.
Há três anos a Claro deu início à modernização de suas Estações Radio Base (ERBs), trocando 16 mil dos 20 mil sites. Esse foi o início para garantir o 4,5G e a aderência para a nova tecnologia 5G DSS. A Claro começou o lançamento desse serviço com a cobertura em áreas de São Paulo e Rio de Janeiro, mas anunciou logo em seguida a extensão para 12 cidades com perfil de alta densidade de tráfego.
O projeto de implantação do modelo Edge, com a criação de 12 data centers para levar o processamento para a ponta, mais perto do cliente, nem chegou a ser utilizado para o 5G DSS, conta Sarcinelli. “O Edge vai ser importante para aplicações que precisam de processamento na borda, como na indústria 4.0 ou carros autônomos”, observa.
Ele ressalta que hoje as fábricas trabalham com “cabos para todos os lados”, sem flexibilidade de movimentos em função de toda a fiação. Para ele, o Edge poderá ser dentro da própria fábrica, operando como uma rede privada.
Em 2019, a TIM já apresentava suas primeiras iniciativas com o 5G. “Nós testamos a tecnologia em três cidades, Santa Rita do Sapucaí, Florianópolis e Campina Grande”, lembra Di Constanzo. Foi um projeto que envolveu universidades – Inatel e universidades de Santa Catarina e Paraíba – e várias startups que se encarregaram do desenvolvimento de aplicações para o serviço. Vai estender a experiência para mais três cidades – Bento Gonçalves, Itajubá e Três Lagoas – com um foco diferente das três anteriores. “Agora não vamos mais testar a tecnologia, já fizemos isso e ainda temos o know how da TIM na Itália que já opera comercialmente”, ressalta.
A ideia é realizar a prova de conceito de um novo serviço, o FWA (Fixed Wireless Access) no formato “self service” com 5G DSS. Ou seja, vai oferecer banda larga no modelo, no qual o cliente compra o roteador 5G que, quando ligado automaticamente , se liga à rede e dá instruções para a instalação.
Di Costanzo lembra que o 5G standalone só chegará com os novos espectros que serão leiloados pela Anatel, adiado para 2021 em função da pandemia. “Teremos o maior leilão de espectro do mundo”, comemora. Mas considera que como o Brasil será um dos últimos países a lançar o 5G standalone, há uma possibilidade de assumir a liderança utilizando uma tecnologia ainda em estudo: o Open RAN.
Essa é uma discussão que vem ganhando adeptos e tem entrado no centro da discussão quando se fala de 5G. A NEC é uma das fabricantes que aposta nessa arquitetura. Depois do trial multivendor de carrier agregation em 5G, executado com a Fujitsu, na rede da NTT DOCOMO, a empresa espera consolidar sua estratégia Open RAN e
ampliar o perfil que tem hoje de fornecedora de rádios para uso em rede celular, voltando assim a ter uma atuação mais relevante no setor de telecomunicações também no Brasil.
Para Branco, da Vivo, a evolução tecnológica tem sido um desafio para as operadoras que precisam ter cada vez mais eficiência na alocação dos recursos da rede. Nesse sentido, a Open RAN, que permite desacoplar software e rádio e a entrada de novos competidores, pode ser uma alternativa, avalia.
A operadora fez testes em duas cidades do Nordeste, com resultados promissores, segundo o executivo. Mas com alguns desafios para se equipararem às tecnologias atuais. “Pretendemos trabalhar com essa tecnologia no Brasil, mas entendemos que sua adoção será gradual de acordo com a maturidade do Open RAN”, pondera.
Expectativa com o leilão da 5G
Na Oi testes de Open RAN vem sendo realizados com a Parallel Wireless, empresa com vários clientes, entre os quais a Orange, que a contratou para uma rede virtualizada Open RAN. “Do ponto de vista tecnológico, usar soluções virtualizadas abertas, em ambiente de multivendors, pode trazer economia de custos, mas também alguns desafios”, ressalta Fukuda.
Para Sarcinelli, o Open RAN não é uma novidade, que está com boa adesão.“Temos interesse e queremos que a indústria se desenvolva, mas é uma questão complexa, como garantir que a ERB converse com as empresas, é preciso garantir um tradutor para interoperar porque qualquer upgrade de software precisa estar muito bem casado entre as partes”, alerta.
Ele também chama a atenção para a questão de segurança sem aumentar pontos de vulnerabilidade quando se quebra o sistema em dois fornecedores. Na sua avaliação, é preciso garantir que as plataformas de segurança possam acompanhar essa evolução. “Estamos discutindo alguns testes para avaliação da solução”, informa.
Tonisi, da Nokia, diz que a rede 5G será desagregada, virtualizada e as aplicações poderão estar em qualquer lugar da infraestrutura. “Muitas operadoras estão investindo bastante na virtualização de rede, trabalhando com nuvens públicas e privadas”, conta. Para o executivo, essa tecnologia é muito mais que rádio, é uma arquitetura que vai permitir o serviço na ponta com baixa latência e velocidade.
“Nós fizemos um estudo há pouco tempo que mostra um potencial de negócios de US$ 153 bilhões até 2030 em aplicações que o 5G levará para a indústria, dos quais cerca de US$ 67 bilhões deverão ir para as operadoras”, avalia Scheffer, da Ericsson. Para Horta, da Huawei, será uma mudança radical para todos os setores.