“O Brasil vai se inserir na cadeia global de chips”, afirma Henrique Miguel, do MCTI

O MCTI vê uma grande oportunidade para o país se inserir na cadeia global de chips nas áreas de projetos e de back end, apropriando-se dos volumosos investimentos que estão sendo feitos nos Estados Unidos e Europa, concentrados, em sua maioria nas foundries.
cadeia global de chips
O secretário acredita que o país pode se destacar em projetos e back end, dentro da cadeia de valor do chip. Crédito-Divulgação

O Brasil acredita  na cadeia global de chips, uma nova janela se abre, estimulada pelo movimento dos Estados Unidos e da Europa, depois da constatação da forte dependência à produção asiática, que parou a indústria de todo o globo por falta de semicondutores, durante a pandemia do Covid. E o país prepara-se para participar dessa indústria, diz Henrique de Oliveira Miguel, secretário de Ciência e Tecnologia para a Transformação Digital ( Setad), do MCTI. 

“Os novos investimentos na indústria de semicondutores para os próximos anos serão todos na Europa e EUA, não tem alternativa. Só que eles estão fazendo investimentos principalmente nas foundries, o que abre uma enorme janela de oportunidades tanto em projetos, quanto em back end, que o Brasil tem expertise”, afirma o secretário. 

 

Nessa entrevista ao Tele.Síntese, Henrique Miguel aponta também alguns dos caminhos que estão sendo estudados para a produção do CEITE, centro que acaba de sair da lista de empresas passíveis de privatização. Entre eles, está a produção de chips de potência (para carros elétricos ou híbridos); de encapsulamento avançado; ou de ampliação da capacidade da infraestrutura.

Leia aqui os principais trechos da conversa:

Qual são as possibilidades de o Brasil se inserir da cadeia global de chips ou semicondutores?

 

Henrique Miguel: É uma pergunta realmente complexa. Ao longo da história essa indústria oscilou muito. Houve uma mudança significativa ao longo dos anos não só das tecnologias que evoluíram rapidamente, mas também do modelo de negócios, da concepção de produção. No começo, era um segmento fortemente concentrado, do estilo Intel. A Intel domina toda a cadeia de valor. Intel e outras empresas permanecem ao longo dos anos com esse modelo que sobrevive até hoje.  Só que nos anos 70, 80, as empresas verificaram que esse modelo que integra o projeto, a manufatura, vende o chip e ainda trabalha na cadeia anterior desenvolvendo também fornecedores de insumos e equipamentos, é muito caro! 
Quando os japoneses entraram no mercado, e depois os coreanos, começaram a quebrar essa cadeia de produção. Por exemplo, a empresa vai ter foco em Foundry, que é processar a lâmina, e deixa que alguém faça o back end. Começou a descentralização, a divisão da cadeia, ao mesmo tempo em que a indústria se especializava. Houve uma grande mudança no modelo de produção e de negócios.
Hoje, existem as empresas que fazem projetos, que são independentes. O que era antes tudo integrado não é mais: a unidade de projeto se separou; surgiram empresa especializada em processar a lâmina,  empresa especializada em fazer o back end, que é a etapa final, e até a modalidade de ter uma empresa que na realidade não tem projeto, mas é uma empresa de tecnologia, porque tem o prestador de serviços confiável, estruturado que faz o investimento na tecnologia de produção, de projetos, seja em que nível for, e a empresa se preocupa com o desenvolvimento. Esse, por exemplo é o modelo não só da Qualcomm mas de outras empresas que surgiram, em mais um modelo diferente na cadeia global de chips

 

Embora tenha sido recortada toda a cadeia e tenha crescido a especialização, ainda há uma concentração muito grande em Taiwan e nos EUA. A gente viu um pouco da guerra, da pandemia, do posicionamento geopolítico, o chip se tornou uma questão fundamental. E o Brasil, como se insere nisso?

 

Henrique Miguel: Só para você ver como a questão da cadeia global de chips é complexa, é que a própria China, há mais de três anos, está tentando construir essa indústria, dominá-la, e não consegue. Agora foi dado um novo passo, pressionado pela guerra geopolítica. O momento que estamos vivendo hoje, pós-pandemia, é um momento oportuno, porque mostra o seguinte: não é só a questão geopolítica, é a dependência tecnologia, industrial e o acesso ao chip que pararam as indústrias. E há o risco potencial de ocorrer novamente, pois pode haver uma pressão da natureza, como tsunami, inundação, chuva, seca, e mesmo uma guerra depois. Imagino que o Brasil tem muitas oportunidades de estabelecer uma cadeia produtiva aqui, porque ao longo dos anos conseguimos implantar  Design Houses. Nós temos patrimônio intelectual. E conseguimos estabelecer algumas empresas de back end.
Agora, com a perspectiva de trazer a indústria de volta para as Américas, é uma grande oportunidade para o Brasil. Os novos investimentos para os próximos anos serão todos na Europa e EUA, não tem alternativa. Só que eles estão fazendo investimentos principalmente nas foundries, criando oportunidades tanto em projetos, quanto em back end. É fundamental integrar a produção na cadeia global, considerando que a gente tem investimentos já realizados em back end, em parcerias com grandes empresas. Uma coisa é fazer parceria com empresas regionais, outra coisa é você fazer parceria com a Samsung, que já tem expertise e desenvolvimento de  tecnologia de produção. Essa é uma oportunidade, e é isso que estamos buscando: alianças com os investimentos que estão ocorrendo na Europa e nos EUA, investimentos que poderão se dar tanto na etapa de projetos, quanto na etapa de back end.

 

Qual seria o papel do Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), que saiu da lista da privatização?

Henrique Miguel: É uma situação um  pouco diferente.  O centro tem implantado os três elos da cadeia: o design, front end e back end e a infraestrutura que foi construída e projetada com uma das melhores empresas de projetos de fábrica do mundo, que é uma empresa Alemã. O Ceitec tem um lado positivo e um negativo: não é uma fábrica gigante, é uma fábrica limitada, com 1300m2 de sala limpa. Não é um grande player. Como aspecto positivo, não é um grande problema a ser resolvido, porque a sala limpa é um investimento escalado e isso é bom. Por outro lado, também fica limitado em termos de expansão, de multiplicidade de linhas, de tecnologias concorrentes que podemos ter. Mas identificamos em estudo recente que há determinadas tecnologias novas que são apropriadas para aquela configuração que tem lá. Há uma oportunidade tecnológica e industrial de aproveitar toda a infraestrutura disponível. É a tecnologia para a área de potência, que  são uma nova tecnologia de chips, com novos componentes.
 
Mas o Brasil conseguiria se apropriar dessa nova tecnologia?

 

Henrique Miguel: Sim, porque você existem parceiros globais que não são os tops: não é a tecnologia de celular,  mas é a tecnologia que você precisa para fazer esses tops funcionarem. Para se ter um carro elétrico, vai ter que ter um sistema de carga da bateria, um sistema de potência perfeito, contínuo, que não falhe, que carregue a bateria de lítio com eficiência, o mais rápido possível e no menor tempo.  Então, surge aí uma oportunidade, uma janela, inclusive decorrente desse atraso do Brasil nessa transição, mas que agora, se o Brasil acelerar, com o carro elétrico, ou híbrido, ele vai precisar desses dispositivos. É  a janela que a gente tem para estruturar essa cadeia, visando atendimento interno. Dentro dessa linha, estamos já conversando com alguns parceiros.
A segunda opção são dispositivos que a gente chama de “encapsulamento avançado”. Tem uma nova tecnologia que faz uma combinação entre o wafer e o die (chip não encapsulado), que é um chip puro e aberto, com outros componentes. Como há no CEITEC sala limpa, máquina que processa o die, pode-se fazer essa interconexão no die e construir um dispositivo diferente. Existem várias tecnologias novas de encapsulamento que poderiam abrir linhas interessantes. Você pode atender 5G, 6G, carro conectado, automação residencial, uma gama enorme de alternativas, tanto na área de processamento como na área de comunicação.
A terceira linha que esta surgindo é uma a de se fazer um upgrade na infraestrutura, saindo de uma fábrica que tem a infraestrutura baseada em seis polegadas, que é a dimensão do wafer, passando para oito polegadas. Mas o investimento é maior, seria um investimento de 200 ou 500 milhões de dólares.

 

E quando é que se define a prioridade?

 

Henrique Miguel: O CEITEC esta fazendo uma avaliação da situação real das máquinas,  para aprofundar os planos de negócios, definir qual seria o melhor caminho e parceria com o setor privado. Os ministérios MCTIC, MGI, Casa Civil e MDIC, vamos acompanhar. No nosso ministério a ministra gostou muito da proposta de transição energética, ela acha que pode ter um futuro interessante, com isso a gente pode entrar em um programa de casa popular, oferece painel, sistema de controle. Movimentar a cadeia. 

 

 

Parece existir uma politica de inserção da produção brasileira na cadeia global de chips. Em relação às outras áreas, porque uma das avaliações que faço, é que a tecnologia do Brasil não se inseriu na cadeia global, seja qual for. Somos o terceiro ou quarto maior mercado consumidor, o segundo que mais usa internet, o quinto mercado de telecom… e não temos nenhum celular com a marca Brasil, para não ir muito longe.  Você imagina que tem alguma possibilidade de alterar esse quadro global para além da cadeia de chips?

Henrique Miguel: Essa realmente é uma questão difícil. Tem que repensar essa modelagem.  Nós estamos estudando isso seriamente. Uma parte da questão que você trouxe é que esses produtos de maior volume, que são os principais além de TICs, é dominada pelas multinacionais. As multinacionais, muitas delas não fazem nem projeto para elas mesmas: elas compram projetos. Aí já é uma grande dificuldade  entrar nesse circuito fechado. Mas existem algumas oportunidades.  Há novas rotas surgindo na área de computadores de maior capacidade e que provavelmente vão quebrar um pouco a estrutura Intel, da AMD. Aí surge uma oportunidade de ter algumas tecnologias que vão quebrar um pouco essa modelagem.
Mas ainda enfrentamos a ineficiência tributária e de logística para pensar em exportação. Várias empresas, experientes multinacionais que tentaram exportar, por exemplo, para África, para América Latina ou para outros países, viram que não conseguem. Eu diria que apesar disso, ainda tem exportação. Mas há um cenário novo, considerando que muitos problemas já melhoraram, como os problemas de câmbio, de custo trabalhista. Estão surgindo oportunidades para empresas de software e serviços, porque há uma mão de obra bem formada, qualificada e bastante competitiva. Os grandes problemas mais impeditivos já foram quebrados, mas outros permanecem. Um problema sério é a certificação. As certificações que a gente faz aqui não são aceitas, demoram. A área médica reclama muito….

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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