O Brasil precisa de muito mais data centers, diz diretor da Huawei
Na busca da baixa latência da 5G, as operadoras precisarão construir mais Data Centers ao redor do Brasil, analisa Carlos Roseiro, diretor de Soluções Integradas da Huawei do Brasil. Isso será necessário para compor uma arquitetura distribuída com rede nativa de nuvem.
No entanto, a arquitetura distribuída não será suficiente para viabilizar alguns modelos de negócios, como as salas cirúrgicas. Esses casos só deverão existir com investimento do Estado mediante fomento à pesquisa, opina Roseiro.
O diretor também contou ao Tele.Síntese que a Huawei vem testando a viabilidade de massificação de alguns casos de uso junto às operadoras. Os produtos visam aumentar a produtividade e segurança na área de armazém, agricultura e mineração.
Em relação à participação da fabricante na oferta de equipamentos para a rede privativa do governo e da rede da Amazônia, que serão construídas a partir dos recursos arrecadados com o leilão do 5G, Roseiro afirmou que a empresa ainda está aguardando os requisitos a serem divulgados pelo governo para entrada dos players.
Tele.Síntese – Quais são os principais clientes da Huawei na 5G? Quais produtos e serviços a empresa pretende focar?
Carlos Roseiro – Os cases do 5G são divididos em três grandes tipos de uso. Primeiro tipo de uso: smartphone, pelos consumidores finais. Segundo case: o que a gente chama de FWA, é o uso do 5G para prover uso de internet residencial, muito similar a fibra, só que em vez de chegar um cabo, você tem um acesso WiFi dentro de casa usando 5G. Terceiro tipo de uso: a gente chama de B2B, que é o uso pelas grandes empresas de tecnologia para melhorar sua eficiência e produtividade no dia a dia.
A tecnologia da Huawei vai estar por trás de todos esses casos de uso. Na área de B2B a companhia está fazendo experiências. No primeiro grande caso de uso 5G para o segmento corporativo, a gente lançou um armazém em Sorocaba (SP). Quando a gente implantou uma rede dentro do armazém de 5G e um carro autônomo, que leva a mercadoria do ponto A ao ponto B conectado à rede 5G. Isso faz com que a produtividade do armazém aumente consideravelmente, porque as mercadorias são transportadas de uma forma muito mais rápida e eficiente.
Outro caso de uso que a gente aplicou foi na agricultura. Temos alguns exemplos em Rio Verde (GO), com drone para produção de imagens de alta resolução. Com tratamento de inteligência artificial (IA), você consegue fazer o diagnóstico de doenças daquela colheita.
Um outro caso tem a ver com uma transmissão ao vivo via rede 5G. Ou seja, você consegue estar com uma câmera, filmando em um ponto com cobertura 5G, transmitindo com resolução muito maior de 4K.
Na mineração, estamos trabalhando com a Senac em um caso de mineração que consegue identificar com câmeras conectadas via 5G se as pessoas estão entrando em áreas perigosas dentro da mina e destaca o vazamento de gases. Se a pessoa estiver sem capacete, é disparado um alerta.
Tele.Síntese – Nesses casos, os clientes são as operadoras?
Roseiro – Todos esses pilotos têm sido com grandes operadoras, sim, tem sempre uma operadora junto conosco. A gente também trabalha com o segmento de pequenos provedores, mas não temos nenhum piloto com eles.
Tele.Síntese – Qual a aposta da Huawei para a rede de 26 GHz? Quais serão as futuras aplicações para essa faixa?
Roseiro – A principal aplicação é o FWA, que é internet residencial. A faixa de frequência é complicada, precisa de um uso de frequências mais híbrido. Vemos o uso residencial dessa faixa como a principal aplicação, porque ela apresenta uma grande largura de banda sem a necessidade de mobilidade. Nos parece ser uma faixa de frequência para uso massivo para o consumidor final.
Depois, tem outras aplicações para uso industrial que também são semifixas, como a cobertura do armazém. Se se precisar de uma grande largura de banda com várias câmeras de vídeo funcionando simultaneamente, talvez essa faixa de frequência seja uma boa solução para implementar a 5G.
Tele.Síntese – Agora que o leilão terminou, qual a expectativa da Huawei, quais serão os próximos passos? Os equipamentos de vocês já estão preparados para 5G?
Roseiro – Os próximos passos agora são as operadoras fazerem os pedidos de compra e a Huawei tratará de entregar o quanto antes. A tecnologia já está disponível há muito tempo. Montando a rede 5G tem que colocar uma antena no poste e o resto da infraestrutura já está preparada. É um processo extremamente rápido de fazer, do ponto de vista de tempo e solução, é um processo muito rápido.
Tele.Síntese – Então, os prazos de cobertura estabelecidos pela Anatel são bem possíveis?
Roseiro – Do ponto de vista técnico, é absolutamente possível.
Tele.Síntese – A Huawei vai produzir equipamentos 5G no Brasil?
Roseiro – Móvel é móvel, não tem distinção entre 4G e 5G. A Huawei tem uma fábrica em Manaus e uma fábrica em Sorocaba. Os equipamentos móveis são produzidos lá e é de lá que saem.
Tele.Síntese – Quais produtos vocês estão fabricando no Brasil?
Roseiro – A Huawei tem no Brasil quatro grandes unidades de negócio. A gente tem uma unidade que fornece equipamentos de telecom para as operadoras. Uma segunda que fornece equipamentos de telecom e servidores, data center para empresas não telecom. Depois tem a terceira unidade que é cloud, Huawei Cloud. A nuvem é uma grande aposta da Huawei no Brasil.
A quarta unidade é de consumo para pessoas físicas. Está mais focado em wearables, pequenos aparelhos como watches, pulseiras. A ideia é trabalhar mais esses tipos de produtos e não tanto os smartphones. O Brasil nunca foi um mercado para desenvolvimento de smartphones. Os wearables são um mercado pequeno, mas interessante.
Tele.Síntese – A Huawei pretende participar das redes privativas do governo e rede Amazônia?
Roseiro – Ainda não foram feitos os requisitos para implantação, então não conseguimos dar uma afirmação a respeito. Se a gente não sabe quais são os requisitos não posso dizer se será uma condição possível de ser atendida pela Huawei.
Tele.Síntese – O Brasil é um mercado estratégico para a Huawei? Se sim, por quê?
Roseiro – O Brasil é um dos países do G20, uma das maiores economias do mundo. A Huawei está presente no país há 23 anos. O Brasil é um mercado absolutamente importante para a Huawei, pela sua dimensão, seu potencial, o dinamismo da sua economia e pela vontade da transformação digital que o Brasil está atravessando.
O brasileiro é um dos povos que mais adere a tudo o que é digital, seja redes sociais, smartphones. Se houver um movimento de transformação digital no Brasil, a Huawei gostaria de estar presente.
Tele.Síntese – Vi que o senhor comentou no Futurecom que algumas aplicações da 5G não serão possíveis por uma questão de custo, como as cirurgias remotas. A Huawei está baseando seus investimentos nessas perspectivas?
Roseiro – Telecom é um negócio que necessita de escala, seja para um fabricante como Huawei ou uma operadora. O que a gente consegue observar a partir da experiência da China é que tem um período chamado de experimentação. Nele, tentamos construir um caso que faça sentido do ponto de vista econômico. Tem que fazer muita experimentação. Todos os setores lá [China], praticamente, estão tentando experimentar algumas coisas.
No Brasil, tem os casos da agricultura e da mineração. Estamos tentando ver se faz sentido. Agora, do ponto de vista da Huawei e das operadoras, quando você começa a enxergar quais experimentos são viáveis, tem um momento de tentar fazer o que chamamos de replicação do modelo. Começamos a ver que uns fazem mais sentido do ponto de vista de escala e de benefício para indústria e tentamos focar mais neles.
A gente pré-configura pedaços de rede para atender às necessidades de certas verticais. Nesse sentido, há setores que começam a emergir com maior potencial, outros podem ser interessantes para usos individuais, para uma rede privada, por exemplo. Mas do ponto de vista de escala, não tem tanta capacidade de aplicação. Não significa que não sejam viáveis, mas pode haver uma falha de mercado.
Talvez o estado tenha que entrar e financiar por meio de pesquisa, para dizer que tem cirurgia remota no Brasil. No caso, poderia ser uma sala que faz cirurgia à distância, mas não tem uma escalabilidade do ponto de vista de negócios de telecom.
Tele.Síntese – A cirurgia remota tem sido uma das grandes promessas da 5G. Alguns especialistas comentam que há um grande marketing envolvendo a 5G. Tendo em vista que a cirurgia remota já seria muito difícil de massificar e levar para todos. Como podemos ter certeza de que essas promessas não são apenas marketing?
Roseiro – Cirurgia remota é apenas um use case dentro do potencial da medicina remota. Há muitas variantes dentro da medicina remota. Um raio X pode ser tratado com inteligência artificial e ser visto por um médico em São Paulo, fazer uma vídeo consulta.
A cirurgia é algo que precisa de uma estrutura altamente complexa. Um raio X pode ser tratado com IA para que um médico em São Paulo dê um diagnóstico e fale com seu paciente que está no Acre por meio de videoconferência. Tudo isso pode ser feito via 5G.
Tele.Síntese – Algumas aplicações como carros autônomos e realidade aumentada e virtual que precisam de rede de alta qualidade, também podem apresentar empecilhos para se viabilizarem como modelo de negócios para telecom?
Roseiro – A questão tem mais a ver com o ecossistema de desenvolvimento. É preciso o ecossistema para entregar essa promessa que a gente chama de 5G, e não apenas de uma rede 5G. Precisa de muito mais do que isso. Você precisa de aparelhos smartphones, mas também os chips que vêm embarcados em várias máquinas nos carros, nas escavadoras. Tudo isso tem que ser desenvolvido.
Tele.Síntese – Mas a rede também vai ter uma parte importante na constituição da 5G ao permitir uma latência muito baixa. Como é o papel dos data centers nesta equação?
Roseiro – Sim, a rede vai entregar baixa latência, mas não tem a ver com a antena. Para fazer uma rede de baixa latência precisa ter arquitetura distribuída. A rede tem que ser cloud native. Significa que a operadora terá vários data centers pelo Brasil para que a comunicação principal entre o elemento final e a operadora seja feita dentro do data center que está lá.
Se você quiser ter, daqui a muitos anos, um carro conectado no momento em que virar a esquerda ou a direita vai ter que conversar com a operadora. A antena vai estar lá, só que precisa ter um data center perto, porque, se o carro no Rio Grande do Sul tiver que falar com o data center que estiver em Brasília, vai demorar muito tempo.
Hoje, a operadora tem em média um, dois ou três data centers. No futuro, nessa arquitetura distribuída, a operadora vai ter data centers em todo o Brasil. Todas estão fazendo isso em todo o mundo, na China, na Rússia. É uma questão de padrão mesmo.
Tele.Síntese – Qual a importância dos recursos humanos no desenvolvimento da 5G? E como conquistar isso?
Roseiro – Além do ecossistema e do leilão 5G, precisamos de recursos humanos. O Brasil vai ter uma demanda por data analyst, data science, de engenheiros de rede muito grande nos próximos tempos. É importante que isso também seja levado em consideração.
Aumentou muito a demanda pelos funcionários. Se todas as operadoras agora querem construir 5G, com certeza está-se dando um salto de demanda muito abrupto, pode haver uma escassez real de engenheiros. É uma área que demanda um crescimento de emprego e para entregar os recursos necessários demora tempo.
Investir em educação nas tecnologias da comunicação e informação é fundamental para que a 5G aconteça. É essencial também a questão da educação básica, porque você pode treinar uma pessoa se ela tiver uma formação básica.