Nova versão do leilão da Anatel divide mercado sobre exigência de 5G pura

Conforme a versão da nova proposta de edital, as operadoras seriam obrigadas a instalar erbs (estações de comunicação) conforme o "release 16 do 3GPP". Trocando em miúdos, não poderiam decidir por onde começar a oferecer o serviço, mas teriam que adotar nova rede de 5G. A Anatel, por sua vez, justifica essa proposta como uma forma de manter simétrica a competição entre os agentes.

A reunião de segunda-feira, dia 1 de fevereiro da Anatel, que vai aprovar a versão a ser submetida à consulta pública do edital de leilão de venda das frequências para a 5G da telefonia celular, promete ser bastante instigante, a prevalecer a proposta de edital elaborada pelo conselheiro relator, Carlos Baigorri.

Se por um lado a proposta não deve fazer qualquer observação nova sobre questões de cybersegurança, tendo em vista que a pressão sobre os fabricantes chineses em geral e sobre a Huawei em particular  se arrefeceu devido à crise sanitária e aos diferentes  movimentos de mercado, pode trazer como surpresa uma determinação que não estava presente em qualquer das inúmeras versões técnicas ou jurídicas  e nas milhares de páginas que já foram tornadas públicas  sobre esse processo.

Conforme fontes ouvidas pelo Tele.Síntese a nova versão determina que as operadoras que comprarem os lotes nacionais e mesmo os lotes regionais da frequência de 3,5 GHz deverão instalar ERBs (estações rádio-bases) de padrão tecnológico igual ou superior ao release 16 do 3GPP. Ora, para os não entendidos, isso poderia significar mais uma singela especificação técnica da agência reguladora, para garantir o que há de mais inovador para o mercado interno.

Acontece, porém, que citar o “release 16 do 3GPP” como referência para a instalação dos equipamentos da 5G significa dizer que a Anatel está exigindo que as operadoras têm que instalar apenas os equipamentos e softwares que contenham a última versão da tecnologia. Para alguns interlocutores, essa determinação significa impor um custo bem mais alto para as operadoras que atuam no país, visto que terão que construir uma rede do zero, ou seja, autônoma, totalmente nova, sem poder usar os padrões anteriores das tecnologias móveis, pois esse release estabelece o padrão stand alone.

Representantes da indústria argumentam, porém, que esse padrão não impede a adoção do modelo   “não stand alone”, da 5G, até porque, explica um executivo de um dos grandes fabricantes, ” o 3GPP nunca criou padrões disruptivos, e sempre permitiu a convivência com as versões passadas”. Outros interlocutores da indústria reconhecem, porém,  que qualquer que seja o modelo, terá que haver um up grade nos softwares, o que poderá custar mais caro aos atuais operadores.

Conforme a versão que circula, o edital estabelece  que as empresas deverão instalar equipamentos seguindo o “release 16”. Há quem argumente que ao definir esse padrão a Anatel estaria se diferenciando dos países que  já fizeram seus leilões de espectro da 5G. No recente leilão de frequência da 5G dos Estados Unidos, que já alcançou a estratosférica quantia de US$ 80,9 bilhões e ainda não foi encerrado, argumentam não há qualquer referência ao padrão tecnológico que as empresas deverão adotar. Mas outro interlocutor lembra que no recente leilão no Chile foi estabelecido o padrão anterior o release 15, e que seria praxe na América Latina.

O 3GPP é o fórum internacional – que reúne fabricantes e operadores globais – que estabelece os padrões para a evolução da tecnologia móvel. Até o release 14, a 5G foi desenvolvida a partir das redes legadas da tecnologia 4G. A partir do release 15, começou-se a criar o padrão 5G stand alone, mas que “conversa” com a rede 4G. O release 16 já é aquele em que define o padrão do 5G “puro”, de uma nova rede. E é esse o padrão que consta na última versão proposta de edital. Mas a indústria assegura que ele “fala” com a rede legada.

Conforme a proposta em debate, há metas de cobertura bem ambiciosas,- como a instalação dessas erbs 5G release 16 nas capitais brasileiras já em 2022 – ainda não se consegue sequer calcular o custo dessa nova rede.

Aqueles que defendem a proposta da Anatel lembram que que essa orientação continuaria neutra em relação aos fabricantes, visto  que tanto a Huawei como os  europeus também participam do 3GPP e desenvolvem softwares e equipamentos para todos os “releases”.

Entre as grandes operadoras, esse tema não é consensual. Algumas tendem a apoiar a tese, visto que apostam na 5G como ferramenta para outros segmentos industriais, como carros autônomos, e a adoção imediata desse padrão já iria proporcionar essa alternativa. Outras, no entanto, alegam que a adoção desse padrão irá não só encarecer, como atrasar a 5G no país. Para os operadores regionais, esse debate não tem lá muita importância, por que eles não têm redes legadas, mas mesmo assim, poderá significar a aquisição de equipamentos mais caros.

Anatel e Telcomp

A defesa do estabelecimento desse padrão, no entender de interlocutores da agência, está centrada na questão da competição. Para esses interlocutores, o estabelecimento desse padrão poderá equalizar a competição, já que a agência passou a estabelecer metas de cobertura de 5G e não de 4G, como havia a proposta anterior.

A Telcomp, entidade que representa operadoras competitivas, ISPs e atacadistas, emitiu nota na qual diz concordar com a proposta de prever uma base tecnológica comum para os compradores de espectro no leilão 5G. A medida, afirma, “é importante e saudável do ponto de vista de padrão técnico, evolução tecnológica do país e aumento de competitividade”.

A entidade lembra que o 5G NSA usa rádios LTE que se adaptam para ter um acesso 5G em termos de velocidade, utilizando um núcleo LTE. No SA, o núcleo é 5G e, consequentemente, é preciso usar elementos de rádio novos, o que significa que as operadoras teriam que comprar rádios novos para todos os pontos de presença que já possuem.

“O investimento é, de fato, maior para as operadoras e está em linha com o que se espera do leilão: não ser arrecadatório, que incentive o investimento em novas redes e expansão de infraestrutura no país.
Se o Brasil quer uma verdadeira experiência do 5G, com velocidade muito maiores e latência baixíssima que é necessária para muitas das aplicações que se alardeia, é necessário então o padrão “standalone””, conclui em nota.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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