“Netflix é apenas um pedaço do mercado de conteúdo”, diz Huawei

CTO de rede fixa da fabricante defende guinada rumo ao vídeo 4K por parte das provedoras de banda larga fixa, de olho no conteúdo ao vivo. Empresa adota método de aferição de qualidade de rede para a nova resolução e constata: nenhuma operadora no mundo tem a infraestrutura necessária para o vídeo do futuro.
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Daniel Tang, CTO de produto de rede fixa da Huawei

O vídeo já deixou de ser tendência. Realidade na carga das redes das operadoras, é responsável por mais da metade do tráfego de dados na internet mundo afora. Apenas na China, 84% das pessoas dizem que assistem vídeo sob demanda rotineiramente. Mais que a média mundial, de 65%, segundo dados da Nielsen divulgados este mês.

E é chinesa uma das fornecedoras de infraestrutura mais engajadas em elevar a competição no mercado de vídeo. A Huawei abraçou, no final do ano passado, o padrão u-vMOS, que mede a qualidade de transmissão de vídeo nas redes das operadoras. Criou um ranking de desempenho que constata: nenhuma infraestrutura no mundo, até agora, atingiu a nota 4, considerada ótima para a transmissão 4K. Coreia do Sul se aproxima disso (3,8), enquanto países África, América Latina e Oriente Médio lutam para chegar nos 3 pontos (2,9, me média).

Daniel Tang, CTO de produto de rede fixa da Huawei, falou com o Tele.Síntese em abril. Na conversa, deixou claro que as operadoras devem encarar o 4K para gerar receita e se diferenciar em relação às OTTs, que estarão “sempre um passo atrás” por não serem as donas das redes. Abaixo, a entrevista completa, realizada em Shenzhen, na China, durante encontro mundial de analistas.

Tele.Síntese – Como os clientes da Huawei, as operadoras, encaram o vídeo?
Daniel Tang, CTO de redes fixas da Huawei – Uma das mudanças recentes da indústria é que as telcos se tornaram mais pró-ativas, passando não apenas a entregar conteúdo, mas também a ter o conteúdo, a plataforma de vídeo, e oferecer seus próprios serviços de vídeo.

O Brasil ainda tem vastas redes em cobre. Operadoras que ainda usam essa infraestrutura estão atrasadas?
Tang – O cobre ainda tem um grande potencial. É possível adotar tecnologias que propiciam conectividade em gigabanda, no laboratório pelo menos. Fizemos testes com Swisscom e BT. A Swisscom virou cliente em G.Fast para entregar 1 Gbps por cobre. Minha recomendação para os mercados emergentes, onde há ainda muita construção green field [infraestrutura nova em construção], é encontrar a sinergia entre a indústria de telecomunicações e a de utilities [energia e água]. Por exemplo, aqui, o governo chinês determinou em 2014 que toda nova construção residencial tenha FTTH pré-instalada, em cada apartamento. Isso é um custo muito baixo para a construtora. Se as operadoras instalarem os dutos depois de o apartamento pronto, o custo é mais elevado e gera inconvenientes para o usuário.

Como a estratégia recém anunciada da Huawei, de incentivar a adoção em massa da nuvem, impacta as tecnologias em vídeo?
Tang – A estratégia All Cloud torna a rede mais ágil e mais inteligente. O conteúdo é criado, gerido e entregue por meio destas redes mais ágeis. CDNs têm papel importante em entregar vídeo, e são baseadas em nuvem. Com isso, há melhor suporte à conectividade entre o data center e o consumidor, o chamado tráfego de acesso da CDN. Outra questão importante é a localização do data center. Onde devemos colocar estes data centers? Precisamos levar em consideração custo de energia, de imobiliário, e de experiência do usuário. É preciso achar o local com a menor latência. Ultimamente, temos pensado em colocar mini-datacenters nos bairros ou até nas estações radiobase. Mas não há nada definido.

Vocês já preparam as redes para o crescimento do vídeo 4K, que vai se beneficiar das redes gigabit. No mercado mobile, você vê as operadoras preocupadas com o consumo 4K?
Tang – Essa resolução vai depender muito do aparelho do usuário. Se ele tiver um smartphone pequeno, talvez não precise do 4K e talvez a operadora não queira entregar ali o 4K. Mas numa TV de tela grande, faz mais sentido. Primeiro, vemos a implementação do 4K por FTTH ou gigaband DSL. Para isso, a conexão doméstica terá de ser de 50 Mbps, 100 Mbps não apenas no pico, mas por uma ou duas horas ao longo de um filme. Nas redes móveis, o vídeo transmitido hoje em dia tem 720p, normalmente, já sendo possível a transmissão em 1080p. Para o vídeo móvel, é importante usar tecnologia Cloud RAN [que virtualiza estações radiobase]. Com o Cloud RAN, há melhora no desempenho da rede móvel e é possível colocar o servidor CDN mais próximo do site móvel, reduzindo latência e tráfego.

É possível dizer, então, que o 4K será algo para redes fixas, e o HD, para as móveis?
Tang – Temos visto muitas telcos melhorando a rede com mente no 4K. A British Telecom, por exemplo, tem um portifólio 4K em esportes. Por quê? Por causa do preço. Ela consegue cobrar 4 libras a mais a cada evento. Isso é mais ARPU. Então o resultado financeiro é um grande incentivo para migrar. Aqui na Ásia, o 4K não é visto como algo que vai acontecer; já é realidade. As redes já suportam 4K na Coreia do Sul. Aqui na China, a maior parte vai suportar até o final do ano. O 4K deve decolar este ano também na Malásia, no Reino Unido e na Alemanha.

E o mundo móvel?
Tang – Há a questão da velocidade da rede fora do pico. No pico, chega-se aos 300 Mbps na rede móvel. Mas ainda é só no pico. Se todo mundo acessar um vídeo 4K em uma mesma célula, temos um problema. Por isso ainda precisamos explorar novas soluções para melhorar a capacidade e o desempenho das redes móveis. Voltando à limitação do tamanho da tela. Recentemente temos visto os testes com realidade virtual que usam o celular. Se você testar o Google Cardboard, que usa lentes para ampliar a imagem, em um aparelho com resolução de 1080p, verá que essa imagem não é boa o suficiente. Veremos surgir nos próximos anos os dispositivos com resolução de pelo menos 2K, o que deve mudar a experiência. Mas, o desafio da realidade virtual vai além. A latência também impacta a experiência. Se você se movimentar e a tela responder devagar, então pode dar enjoo. Por isso há muito por vir ainda.

Você enxerga a realidade virtual como uma nova fronteira em dados? As pessoas vão aderir em massa a essa tecnologia?
Tang – Há muito barulho sobre isso na indústria no momento. Não acho que ainda seja algo próximo de acontecer. Qualquer coisa que nos exija um acessório adicional para utilizarmos, é difícil de decolar. É algo no horizonte, que devemos observar com cuidado e nos preparar com antecedência. Neste momento, eu diria que o importante é se preparar para o 4K, que trará oportunidades reais de retorno nos próximos dois anos.

As telcos estão se preparando para competir com Netflix no 4K, ou para atender a demanda pelo serviço da OTT?
Tang – Essa é uma boa pergunta. Inicialmente, as telcos viam os OTTs usando a rede das telcos para entregar um serviço concorrente. Aí se perguntaram, ‘podemos cortá-los?’. Claro, não é permitido, então foi preciso abraçá-los. Nos EUA, o Netflix é grande, e haveria problemas interromper o serviço. Mas no resto do mundo, o Netflix precisa da ajuda das telcos para crescer, precisa ganhar volume. É muito fácil para as operadoras fecharem um acordo nesse sentido. A British Telecom incluiu o Netflix como parte de seu portfólio de serviços, , o que mostra que pode haver uma colaboração ganha-ganha. Deutsche Telekom e Telecom Italia estão tendo conversas similares.

Ideal é impulsionar o OTT?
Tang – Os donos dos tubos estão percebendo que podem ter um serviço de vídeo próprio. A E-Plus [operadora da Alemanha] que pode entregar vídeo de maneira superior, alavancando os ativos de rede. O Netflix demanda conexão de menos de 15 Mbps para entregar 4K. A compressão é muito grande, de qualidade mais baixa. Ainda é a resolução de 4K, mas os quadros por segundo (Fps, em inglês) e a qualidade da cor não são, necessariamente, os melhores. As telcos conseguem transmitir esportes a 60 Fps, que é o ideal. Ou seja, não necessariamente vão competir, mas vão oferecer algo melhor mesmo. Netflix traz principalmente programas de TV. Os esportes e eventos ao vivo podem ser a especialidade das telcos, pois exigem mais das redes. O mercado do Netflix é apenas um pedaço do mercado de conteúdo, e as operadoras ainda podem deter a outra parte. O mais importante é que é preciso primeiro oferecer uma experiência melhor ao cliente. Segundo, ser dono do ponto de entrada para o mundo do vídeo digital.

Há dados que revelam qual a capacidade das operadoras, mundo afora, para adotarem o 4K?
Tang – Fisicamente, é preciso muita banda larga, o acesso precisa ser mais trabalhado. A agregação e o data center, também precisa de reformas. Supondo que você fature 5 libras de cada usuário por mês, e que você tenha penetração de 1%, não deve ser muito complicado financiar isso.

Quanto a Huawei está investindo em 4K?
Tang – Muito do nosso investimento é compartilhado. É difícil dar um número e dizer que isso é exatamente em 4K. O que posso dizer é que estamos ajudando muitas operadoras a entregar 4K fim a fim. Quem quiser construir uma rede com pontuação uVMOS 4, precisa pensar em toda a infraestrutura. Investimos mais de 10% de nossa receita em P&D todo ano.

Você falou em compressão. Atualmente o codec mais recente é H.265…
Tang – Sim, que já se tornou padrão [publicado pela UIT em 2013]. Mas sua adoção ainda é um problema. Vemos o codec funcionando no mercado este ano. Temos chipsets que conseguem trabalhar com este codec, sejam em set-top boxes, sejam em smartvs. Acho que então haverá uma forte adesão na Ásia, e logo em seguida, na Europa. Mas há padrões concorrentes em função do licenciamento. O Google tem seu próprio codec. Eu acho que já temos padrões de compressão suficientes, e também suficientemente bons, para popularizar o 4K este ano. Aí o problema do usuário será onde colocar TVs tão grandes, como são as 4K [risos]. Outro desafio é a cobertura da rede doméstica. O WiFi nem sempre é muito estável, e é preciso lidar com isso. A alternativa ainda é recorrer ao PLC [internet via rede elétrica] ou cabo. Mas não há solução perfeita para resolver isso.

Atualmente, a qualidade de vídeo mais usada no mundo é o 1080p? Quando o 4K se tornará um padrão e vai se transformar no formato mais consumido de vídeo?
Tang – Sim, o 1080p é o mais comum hoje. Há dois tipos de vídeo. Acredito que o vídeo das OTTs ficará um passo atrás em relação à qualidade do vídeo das telcos, pois as operadoras conseguem arquitetar sua rede fim a fim localmente. E é muito mais complicado o Netflix construir uma rede entre Brasil e Estados Unidos. Em cinco anos veremos os canais premium em 4K, mas ainda não vejo um acervo 4K maior que o SD ou HD, porque não é possível remasterizar tudo para 4K. Talvez, em cinco anos, 30% a 40% do conteúdo transmitido já seja disponível também em 4K. A questão é o lado da produção. Para se ter ideia, é preciso inclusive que as produtoras repensem a tecnologia por trás das maquiagens, pois qualquer falha se torna visível. Outra abordagem é ter mais conteúdo simultâneo. Na Coreia do Sul, por exemplo, estão cogitando soluções em que se mostram três ou quatro janelas de vídeo na mesma tela. O usuário poderá escolher qual câmera acompanhar. Uma tela grande dá liberdade para brincar com a interface do usuário e com o uso de câmera. Uma coisa que vejo acontecendo é a transmissão de duas partidas de futebol ao mesmo tempo.

Qual é a melhor qualidade para o 4K?
Tang – Para conseguir a pontuação de 4.0 no uVMOS será preciso uma conexão de no mínimo 100 Mbps, com perda mínima de pacotes e latência razoável, de 50 ms, e 50 Fps. Muitas vezes é muito difícil entregar 1 Mbps para todas as casas ao mesmo tempo. Então estamos pensando em uma solução que sacrifique isso, em que se tem a pontuação máxima em 95% do tempo, e nos outros 5% do tempo, uma qualidade de imagem de 1080p – que depois de um minuto retorna ao 4K.

*O repórter viajou a convite da Huawei

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Rafael Bucco

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