Muito além da conexão
[O Tele.Síntese vai publicar ao longo das próximas semanas as reportagens publicadas no Anuário Tele.Síntese de Inovação 2020, editado no final do ano passado e que pode ser baixado na íntegra e gratuitamente aqui]
Há muitos anos há um debate no mercado de telecomunicações sobre a necessidade de as operadoras irem além da oferta de conectividade para seus assinantes. Na área corporativa, elas seguiram esse conselho e possuem uma série de ofertas de pacotes com valor agregado a seus clientes.
Agora, há um movimento mais recente direcionado para a entrega de serviços digitais aos consumidores pessoa física, com um leque de aplicativos, planos com parcerias e até marketplace. Boa parte desse esforço foi construído a partir de suas próprias experiências com a transformação digital, com equipes internas e com a colaboração de startups. A próxima etapa dessa disputa deverá se dar nos serviços financeiros.
A Vivo avançou na sua proposta de se tornar one stop shopping, que pode ser traduzido para a oferta de todas as necessidades digitais do cliente em um só lugar, conhecido como marketplace.
A Loja Vivo tem centenas de produtos digitais ligados à tecnologia de marcas nacionais e internacionais. Estão entre seus parceiros, por exemplo, Samsung, Electrolux, Sony e Xiaomi, e muitas outras sendo negociadas.
A loja está dividida em quatro categorias: Casa Conectada; TV e Áudio; Smartphones e Informática. Segundo projeção da empresa, ela absorverá cerca de 60 milhões de visitas em canais oficiais da companhia. Essa é mais uma iniciativa do projeto denominado Digitalizar para Aproximar que vem sendo conduzido pela operadora.
E muito mais está por vir. “Os serviços digitais são o tema estratégico central da nossa proposta de valor tanto para B2B quanto para B2C”, comenta Rodrigo Gruner, diretor de Serviços Digitais e Inovação. Segundo o executivo, a Vivo passou por uma grande reformulação de portfolio, analisando o perfil de serviços que poderiam continuar e colocando outros com parcerias em áreas de mais demanda.
Isso chegou também aos planos, como reforça Gruner. Ele cita como exemplo o plano Selfie no qual o cliente pode escolher sua app de preferência entre Netflix, Spotify, Premiere de futebol, ou o Rappi Primer, onde não paga pelas entregas. Esse plano, na verdade, é para a empresa um ponto de partida para outros que tragam mais ofertas cruzadas com parceiros.
Gruner salienta que tem na Wayra, o hub de inovações da Vivo, um grande parceiro para toda essa movimentação. “Nós temos um time olhando para dentro da Vivo enquanto a Wayra tem o olhar para fora”, observa. No processo interno, ela criou há dois anos o Programa Discovery, que tem como objetivo promover a inovação aberta dos grupos de desenvolvimento com startups. Mesmo na experiência de transformação digital da própria Vivo a busca de inovação tem sido observada, como o uso do software Guppy, que utiliza Inteligência Artificial e é voltado para o RH.
Nova jornada
A Oi apresentou recentemente uma nova estratégia para completar a sua oferta de conectividade com a entrega de serviços e conteúdo, gerando mais valor para o assinante e para a companhia. Seu projeto também passa por um marketplace de produtos ligados à conectividade, mas tem ainda um clube de vantagens e um agregador de conteúdo de entretenimento.
Abrigados na ClientCo, nova unidade voltada para o consumidor final, a primeira fase desse projeto ainda está na ampliação da base de assinantes do Oi Fibra, com a tecnologia FTTH (Fiber to the Home). “Nós tivemos um crescimento expressivo no número de clientes, atingindo um milhão de assinantes em abril e com a perspectiva de ultrapassar dois milhões em dezembro”, aposta Bernardo Winik, vice-presidente de Clientes.
Para o executivo, os lançamentos representam uma nova jornada para a Oi, transformando a empresa em uma marca de produtos de consumo relacionados à conectividade. O Oi Place conta inicialmente com cerca de 3 mil produtos de parceiros como Nokia, Samsung, Motorola, D-Link, Intelbras e Multilaser. “Mas temos um trabalho diário para expandir o número de produtos”, garante Roberto Guenzburger, diretor de marketing.
O Oi Place está dividido em cinco categorias que são Casa Inteligente (cerca de 170 produtos); Games (mais de 400 produtos); Eletrônicos em geral, onde até drones estão na oferta (270 produtos); Informática e Conectividade (480) e, por fim, smartphones e acessórios (perto de 360 produtos). Segundo o diretor de marketing, a curadoria dos produtos que serão incluídos é rigorosa para evitar problemas com os consumidores.
O Oi Play oferece tanto Video on Demand (VoD) quanto canais ao vivo. Ele conta com cerca de 5 milhões de clientes. “Registramos um grande aumento desde maio, de 58% no número de usuários, 175% no número de plays, 161% no tempo de uso e 87% na contribuição para a receita”, afirma.
Agora, em nova fase, fará parte de dois planos da operadora, um com conteúdo de terceiros e 10 canais lineares, e o outro, com 15 canais lineares agregando mais oferta de programação de grandes estúdios. Winik acredita que esse conteúdo possa ser reforçado à medida que há interesse de programadores no mercado de até 2 milhões de assinantes da empresa. Por fim, o Oi+Alegria foi criado em parceria com a Easy Live e oferece benefícios aos clientes. Eles se referem a várias áreas, entre as quais estética, healthcare, shows e outras programações.
Os serviços digitais também ganharam um laboratório na Oi Soluções, o Oi Lab. Ele é dedicado a projetos de cocriação na área corporativa levando em conta quatro etapas do processo de transformação digital que seus clientes atravessam. Além do portfolio da Oi Soluções, as empresas também contam com um ecossistema de parceiros estratégicos da operadora e equipes multidisciplinares.
Logo nos primeiros dias do anúncio das medidas de restrição de mobilidade por conta da pandemia, uma equipe de crise foi formada na Claro para saber que medidas seriam tomadas internamente. Rodrigo Duclos, chief digital officer (CDO), tranquilizou a todos, lembrando que o processo de transformação digital que vinha sendo adotado há mais de dois anos na empresa, com uso de ferramentas inovadoras e computação em nuvem, era a solução. Em uma semana todos os funcionários da empresa estavam em home office sem que qualquer problema tenha sido registrado.
Para o executivo, essa reorganização interna digitalizando a empresa trouxe benefícios inclusive na forma de valorizar a experiência do cliente e permitir o desenvolvimento de várias soluções. As várias plataformas digitais distribuídas em áreas diferentes foram integradas e começaram a trabalhar no conceito “agile” onde cada time tem sua responsabilidade por um produto, com liberdade e autonomia, mas sob uma coordenação geral.
A operadora também adotou o conceito de inovação aberta trabalhando com startups que possam auxiliar nesse processo. “Por isso trouxemos para o Brasil a Pug Play ”, diz Duclos. Ela se tornou parceira fundadora da aceleradora no país de uma das maiores aceleradoras do Vale do Silício e que tem no seu currículo nomes de startups que investiu, como Google e Dropbox.
A Claro também mergulhou no seu portfolio de serviços para saber quais ainda atendiam expectativas do assinante. Ele foi enxugado drasticamente e totalmente renovado com muito mais conteúdo direcionado para públicos diversos. Entre os mercados que estão no seu radar está, por exemplo, os gamers já tendo lançado, inclusive, uma plataforma exclusiva para essa área, a Claro Gaming.
Duclos lembra que o aplicativo Minha Claro, que traz uma nova experiência para o cliente interagir com a empresa, ganhou o prêmio da categoria de Design da Fast Ccompany, publicação americana que premia soluções inovadoras em várias categorias mundialmente.
Para o 5G, a operadora já procura estar alinhada com as possíveis aplicações, além do mercado corporativo, que deve concentrar as primeiras iniciativas dessa tecnologia. Prova disso foi a apresentação de um show com a 5G DSS do músico Lucas Lima onde o uso de realidade aumentada permitia aos expectadores se sentirem no palco.
O marketplace também entrou nos planos da TIM, mas atendendo em primeiro lugar o mercado corporativo. Mais especificamente reunindo soluções de Internet das Coisas (IoT) para as áreas de agropecuária, cidades inteligentes, indústria 4.0 e utilities. Pela sua forte atuação em agro, esse setor predomina entre os primeiros parceiros onde estão empresas como Seal Telecom, Agrosmart, Prime Systems, Enginering, Maxtrack, M2M Telemetria e Tractian. A proposta é aumentar as parcerias e conexões com hubs de inovação.
“A tecnologia é o habilitador mas é preciso pensar em transformá-la em liberdade para o cliente ter a melhor experiência”, comenta Marco di Constanzo, diretor de Engenharia de Redes da operadora. Ele cita a recente parceria com a Fiat Chrysler para levar tecnologia aos carros da fabricante de veículos.
A TIM vai usar um eSim, que será embutido nos modelos que serão lançados pela montadora no próximo ano. Ele proporciona um Wi-Fi nativo para o uso da internet no carro e permite a interação com outros sistemas, como o das concessionárias.
“Essa é uma tecnologia super avançada que utiliza um chip físico com um protocolo de segurança enorme que é o que exige o carro conectado”, observa. Esse promete ser um mercado bem disputado onde a Claro está presente com uma parceria com a GM e a Vivo lançou no ano uma solução que permite a conexão no automóvel e um rastreador veicular.
Constanzo também ressalta que há várias iniciativas para lançar novos serviços ao cliente, entre os quais a integração com carteira digital. Em julho a operadora anunciou a parceria com o C6 Bank envolvendo inicialmente os clientes do plano Controle e posteriormente os assinantes dos planos pós-pago TIM Black e TIM Black Família. Ela oferece bônus de internet, roaming e outros serviços para aqueles que abrirem conta no banco e também aos que pagarem a fatura na instituição financeira.
“Esse é um serviço inédito em telecom”, observa o diretor. Três meses após lançar a parceria o C6 Bank registrou 800 mil novas contas adicionadas por clientes da operadora. Esse desempenho pode acelerar a entrada da TIM como sócia do C6 Bank que, de acordo com o contrato, está baseada em resultados. A oferta de serviços financeiros, por sinal, promete ser a próxima fronteira na disputa entre as operadoras de telecom. Guenzburger diz que está nos planos da Oi o lançamento de uma carteira digital. “Nós temos algumas iniciativas internas que trabalham com essa possibilidade”, observa. Essa área definitivamente está no roadmap da companhia, completa Winik. A empresa chegou a realizar pilotos com a Conta Zap.
A Claro tem demonstrado grande interesse em parcerias com fintechs para oferecer vários serviços financeiros. Ela já lançou o SmartCred em parceria com o banco Inbursa, de propriedade de Carlos Slim, principal acionista da América Movil, controladora da operadora.
A Vivo não fica atrás. Ela também tem uma operação de crédito com o Vivo Money, o primeiro passo da empresa no mercado de serviços financeiros. Com isso, o cliente pode conseguir um empréstimo de R$ 1 mil a R$ 30 mil totalmente de forma digital. Mas essa é uma das áreas onde a operadora quer avançar rapidamente.
Além de ser um mercado promissor, o interesse das teles na área financeira ficou mais evidente pelo acelerado processo de digitalização nessa área ocorrido durante a pandemia. Nesse período, aproximadamente 60 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial através de apps e do site desenvolvido pela Caixa Econômica Federal, o que lhes deu uma proximidade com a tecnologia. Para os executivos das telcos, esse é um processo importante que fica como legado.
Soma-se a isso o fato de que aproximadamente 45 milhões de pessoas no país estão na conta dos chamados desbancarizados. Desses, cerca de 60% têm celular com acesso à internet e podem se transformar em clientes das teles em contas de baixo custo.
Em um estudo realizado para apontar as tendências no mercado de telecom europeu em 2025, na era 5G, o IDC considera que as teles se transformarão em parte integrante da cadeia de criação digital, renovando seus negócios e operações. A consultoria estima que isso irá mudá-las internamente (como elas operam suas redes e como inovam) mas também como elas desenvolvem e vendem novos serviços, como se envolvem e dão suporte aos clientes e como se posicionam dentro de um complexo ecossistema para lidar com oportunidades tanto nas áreas B2B quanto B2C.