Moisés Moreira defende repasse ao Tesouro Nacional da sobra do dinheiro do leilão do 4G
Em últimos dias na direção da Anatel, o conselheiro Moisés Moreira encerra o ciclo de cinco anos mantendo a postura de não tergiversar quanto às suas convicções. E, embora não tenha mais o poder do voto, não se furta de expressar posição quanto à nova polêmica setorial, que começou hoje, 17, com a portaria do Ministério das Comunicações, que definiu possíveis novos gastos para a sobra de recursos do leilão do 4G. ” O conselho diretor da Anatel irá decidir a questão, e, se ainda estivesse nele, votaria para a devolução do dinheiro ao Tesouro Nacional”, afirmou.
Mas, porque ele prefere que os milhões que estão sobrando – estima-se que já são R$ 380 milhões – deveria entrar no caixa do Tesouro ao invés de ser aplicado em projetos do próprio setor? ” Para mostrar a seriedade do processo”, defende. Seriedade essa, explica, que se confirma com o cumprimento de todas as obrigações do edital. Para ele, quanto mais tempo forem mantidas as estruturas criadas – a empresa Seja Digital, ou EAD, e o Gired, grupo que decidia as diretrizes a seguir – mais riscos há de essa iniciativa ficar desacreditada.
E exemplifica: ” não é possível determinar para as operadoras de telecom fazerem a manutenção das emissoras de TV que foram doadas às prefeituras”. Acha ainda que será bem complicado justificar que o dinheiro do leilão de 2014 poderá ser gasto para o desenvolvimento de tecnologia para a TV 3.0.” Não é dinheiro para pesquisa e desenvolvimento”, alfineta, referindo-se a dois dos programas listados na portaria publicada hoje.
Moreira é contrário a esses programas com o mesmo ardor com que defendeu o setor de radiodifusão, há três anos, quando assumiu a presidência do Gired. Naquela época, a Anatel tinha que decidir o que fazer com a sobra de R$ 1,4 bilhão do leilão do 4G, e ele posicionou-se para que a maioria dos recursos fosse destinada à digitalização das emissoras de TV do interior do país. “A radiodifusão está muito bem contemplada agora”, completa, assinalando que, além da digitalização das TVs, também foi destinado recurso para a construção da primeira infovia de banda larga da região Norte. ” Esse projeto foi todo desenvolvido na Anatel”, assinala.
Balanço
Moisés Moreira liderou também o processo de cumprimento das obrigações do leião do 5G, quando foram criados a empresa Fique Antenado e o Gaispe, grupo que define as diretrizes. O montante de recursos é bem maior: R$ 6,3 bilhões. ” Já fizemos uma grande parte das obrigações e continuamos com R$ 6,3 bilhões”, assinala. Isso se deve, explica, porque o dinheiro é administrado pela empresa privada, que tem mais agilidade na contratação e pode aplicar os recursos no mercado financeiro.
Moreira lembra que vai deixar a Anatel com a antecipação de quase dois anos das metas de limpeza da faixa de 3,5 GHz estabelecidas no edital, mas assinala que o início do processo não foi fácil. ” Enfrentávamos a crise dos semicondutores, o lock down na China, a falta de escala da indústria para produzir os equipamentos. Foi um trabalho tenso, de muitas dúvidas, tínhamos que trocar a roda com o carro andando”, recorda.
E o mais importante, ressalta, era também evitar a politização do processo. Politização que foi tentada desde antes do lançamento do edital, quando, por exemplo, o ex-ministro Fábio Farias quis incluir a da rede de segurança pública do governo Federal. ” Defendi à época que só dava para ter rede privativa do governo no edital se houvesse uma política pública para isso. E, durante esse diálogo, defendi também a necessidade da construção dos backbones de banda larga para a região Norte”, lembra.
Para ele, a Anatel deve ficar sempre vigilante e não se deixar manipular politicamente, pois a pressão é constante. ” Devemos defender com afinco a autonomia e independência da agência”, diz.
Moisés Moreira deixa o cargo na próxima semana com a satisfação de ter ampliado a fiscalização contra a pirataria. ” Hoje, somos o único país da América Latina que faz o bloqueio de IP do conteúdo pirata, para não degradar a rede de telecom”, diz.
Outro tema pelo qual dedicou três anos de seu mandato, não conseguirá, no entanto, ver concluído: o do compartilhamento dos postes de energia elétrica. ” Mas todo o tempo de dedicação deverá dar bons resultados”, acredita.
Votos
Em seu legado, deixa dois votos já concluídos, antes mesmo de os processos acabarem: para o Regulamento Geral de Telecomunicações e para a anuência do acordo Winity/Vivo. No primeiro, deixou o voto manifesto porque entende que as operadoras devem investir melhor o dinheiro em outras formas de atendimento ao cliente, e não mais nas lojas físicas.
No segundo caso, votou pelo estabelecimento de um grande número de condicionantes ao acordo por entender que, do jeito que está, fere as regras do edital. Por fim, diz também que os órgãos de controle sabem de seu voto contrário à perpetuação das TVAs. “A minha consciência está muito tranquila sobre qualquer assunto. A ausência de interesse público está prevalecendo no caso das TVAs, que estão retomando seus espectros, que têm grande valor. Eu não votei assim”.