Mobricce Nunes: Possível caminho para construção de consenso entre TCU e ANATEL
**Por Guilherme Luiz Mobricce Nunes – Certamente a atual discussão entre a Agência Nacional de Telecomunicações (“ANATEL”) e o Tribunal de Contas da União (“TCU”) sobre a reversibilidade dos bens vinculados às concessões de telefônica fixa é um dos temas mais sensíveis na pauta do setor de telecomunicações.
As atuais concessões de Serviço Telefônico Fixo Comutado (“STFC”) possuem vigência até o final de 2025 e, em vista do iminente término das concessões, a ANATEL publicou, ainda em 2021, a Resolução n.º 741, de 08 de fevereiro de 2021, que aprovou um regulamento estabelecendo a possibilidade de adaptação das concessões do STFC para o regime de autorização, e a Resolução n.º 744, de 08 de abril de 2021, que estabeleceu o Regulamento de Continuidade da Prestação do STFC em Regime Público (“RCON”).
Tais regulamentos da ANATEL encontram-se no epicentro das discussões entre o TCU e a Agência, sendo que, para fins do presente artigo, focaremos somente na reversibilidade da posse ou da propriedade dos bens reversíveis das concessões do STFC.
A ANATEL, por meio do Acórdão n.º 122, de 08 de abril de 2021, que aprovou o RCON, decidiu, por maioria dos votos dos Conselheiros, que, com base nas regras previstas na Lei Geral de Telecomunicações (art. 102), os bens vinculados às concessões do STFC devem ter sua posse revertida à União ao final do prazo da concessão, e não a sua propriedade. Ou seja, findo o prazo, reverteria à União o direito de possuir e utilizar os bens afetos à prestação do STFC em regime público, mantendo o então concessionário a propriedade sobre tais bens.
Não obstante a decisão da ANATEL, a reversibilidade ainda se encontra em discussão no TCU, tendo a área técnica do Tribunal entendimento diverso, no sentido de que, finda a concessão, reverteria à União a propriedade dos bens reversíveis e não somente a posse. Nesta interpretação, a Lei Geral de Telecomunicações, ao prever a reversão automática da posse sobre os bens reversíveis, o teria feito com o intuito de garantir a manutenção da prestação do serviço em regime público pela União, sem prejuízo da reversão da propriedade.
Nesse contexto, merece destaque recente decisão proferida pela ANATEL sobre a substituição de bens reversíveis vinculados ao STFC pelo direito de uso de bens de terceiros em que houve determinação de que “de forma excepcional, e em deferência ao trabalho em trâmite no Tribunal de Contas da União – TCU” todos os valores recebidos em decorrência da alienação dos bens reversíveis substituídos sejam depositados em uma conta bancária específica, que não poderá ser movimentada até decisão futura da ANATEL, observadas certas exceções (cf. Despacho Decisório n.º 14/2023/COUN/SCO). Em outras palavras, até que haja um alinhamento de entendimentos sobre a reversibilidade da posse ou da propriedade dos bens vinculados às concessões de STFC junto ao TCU.
Tendo em vista a existência de diversas discussões importantes envolvendo a Corte de Contas e Agências Reguladoras, o TCU, por meio da Instrução Normativa nº 91, de 22 de dezembro de 2022 (“IN 91/2022”), instituiu, no âmbito do Tribunal, procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
Conforme exposto por Bruno Dantas, presidente do TCU, em entrevista concedida em 19 de janeiro de 2023, a implementação da cultura da solução amigável é uma das prioridades de gestão do Tribunal.
Da IN 91/2022 extrai-se que, como regra, serão objeto do procedimento as controvérsias relevantes entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal em que haja dificuldades para se alcançar uma solução.
O procedimento pode ser iniciado mediante solicitação formulada pelo dirigente máximo de Agência Reguladora Federal, pelo relator do processo junto ao TCU ou pelas autoridades públicas com legitimidade para formular consultas perante o Tribunal (art. 264 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União). Uma vez iniciado, após uma análise prévia de admissibilidade pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos, cabe ao Presidente do TCU decidir sobre a conveniência e a oportunidade de admissibilidade de solicitação de solução consensual, a qual, caso admitida, resultará na formação de uma Comissão de Solução Consensual responsável pela elaboração de proposta de solução para o conflito, da qual um representante da Agência que solicitou a solução consensual fará parte. Em seguida, a proposta de solução deverá ser apreciada pelo Ministério Público junto ao TCU e, a seguir, pelo Plenário do Tribunal, que poderá sugerir alterações na proposta, acatá-la integralmente ou recusá-la. Havendo consenso, a solução será formalizada por meio de termo a ser firmado pelo Presidente do TCU e pelo Conselheiro Presidente da Agência.
Tendo sido inaugurado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT em discussões envolvendo a Malha Sul e a Malha Paulista, cumpre salientar que o procedimento para solução amigável de controvérsias disciplinado pela IN 91/2022 poderia, inclusive, ser utilizado pela ANATEL como instrumento para a resolução da discussão sobre a reversibilidade da posse ou da propriedade dos bens vinculados às concessões do STFC.
Espera-se que a implementação de tal procedimento seja um caminho para a construção de consensos entre o órgão de controle externo e agências reguladoras, em geral, e com a ANATEL, em especial, garantindo maior segurança jurídica aos agentes dos diversos setores de infraestrutura e aos investidores.
** Guilherme Luiz Mobricce Nunes – Advogado. Associado sênior da equipe de Direito Público e Regulatório do Stocche Forbes Advogados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).