Mercado cresce com a pandemia
[O Tele.Síntese vai publicar ao longo das próximas semanas as reportagens publicadas no Anuário Tele.Síntese de Inovação 2020, editado no final do ano passado e que pode ser baixado na íntegra e gratuitamente aqui]
Embora tenha impactado negativamente alguns segmentos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), a pandemia do coronavírus representou, para outros, uma oportunidade excepcional de expansão dos negócios. Pesquisa realizada no segundo trimestre do ano pela Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) para medir os impactos da Covid-19 no setor TIC mostrou que cerca de 45% das empresas tiveram baixo impacto; 37% registraram impacto moderado; e cerca de 7%, nenhum impacto.
De acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), o setor de TIC foi o segundo que mais contratou em maio, depois da agropecuária. Sérgio Paulo Gallindo, presidente da Brasscom, diz que pelo menos quatro áreas foram aceleradas: soluções de colaboração, ferramentas de segurança, redes de telecomunicações e a transformação digital das empresas, especialmente para o comércio eletrônico. Ele destaca a massificação do uso de plataformas de videoconferência, que têm sido a principal ferramenta de sustentação dos negócios, especialmente serviços.
“Houve um esforço das empresas em aumentar sua participação de mercado. A Cisco e a Microsoft se movimentaram, e a Zoom está se estruturando no Brasil. A forma de trabalhar mudou para sempre. A maior parte das empresas sinalizou manutenção ou aumento de produtividade com o trabalho remoto”, ressalta Galindo.
Na Zoom, o número de usuários saltou de 10 milhões de participantes diários em dezembro de 2019 para 300 milhões em abril deste ano. A empresa cresceu 169% em receita no primeiro trimestre de 2020, em comparação ao mesmo período do ano passado, e teve um aumento de 354% no número de empresas usuárias, mais um reflexo da implementação global do home office.
Derek Pando, diretor internacional de marketing da Zoom, conta que a empresa foi fundada em 2011, em San José, no Vale do Silício, na Califórnia, para ser a nova geração de videoconferência. Destacou-se entre os concorrentes pela facilidade de uso e inovações, como permitir a exibição de até 49 pessoas na tela, oferecer fundos de tela (backgrounds) virtuais e suportar a participação de até 100 pessoas numa única videoconferência na licença básica gratuita.
“As outras empresas não estavam inovando. Temos focado em tornar a plataforma muito confiável e o mais fácil possível de usar”, diz Pando. Ele acredita que muitos que experimentaram a plataforma na pandemia devem continuar usando-a quando tudo voltar ao normal. Para a Zoom, o mercado brasileiro é estratégico por ser muito grande e com uma população que usa bastante tecnologia. “Temos escritório em São Paulo e uma rede de parceiros locais, e estamos ouvindo os clientes no Brasil para sermos a melhor opção”, diz Pando.
A Cisco liberou o acesso gratuito ao Webex por três meses a partir do início do isolamento social. Adriano Gaudêncio, diretor de arquiteturas da Cisco, comenta que empresas e sociedade foram para uma digitalização forçada, mas a tecnologia servirá como base de recuperação após a pandemia. Em nível global, o Webex atingiu 25 bilhões de minutos em maio, ante 10 bilhões de minutos em fevereiro.
“Tivemos um crescimento de 300% em número de usuários, atingindo mais de 535 milhões de pessoas. Somente em um dia de maio, houve mais de 4,2 milhões de reuniões. Tudo isso ajudou as empresas a se manterem funcionando. No Brasil, o Judiciário pôde funcionar graças ao Webex. Em parceria com a IBM, treinamos professores. Na saúde, fornecemos ferramentas de colaboração aos hospitais de campanha. Com isso, tivemos um crescimento de receita de dois dígitos”, elenca Gaudêncio.
Impacto positivo
Fernando Lemos, diretor de tecnologia da Microsoft, diz que a empresa acompanhou o crescimento da pandemia pelo mundo desde o começo na China. E experimentou um grande crescimento na plataforma Teams e nos serviços na nuvem da plataforma Azure, cujos data centers tiveram de ser recapacitados. A empresa aproveitou para anunciar novas funcionalidades do Teams a fim de tornar as interações virtuais mais naturais, engajadoras e humanas.
O modo Juntos usa segmentação de Inteligência Artificial (IA) para colocar digitalmente os participantes em um plano de fundo compartilhado, fazendo parecer que o usuário está sentado na mesma sala com todos os outros membros da reunião ou aula. O Teams também oferece filtros para o usuário ajustar sua imagem e, em breve trará emojis para ele expressar suas emoções.
“No Brasil, ajudamos hospitais, escolas, serviços financeiros. Só para a Universidade Estácio, colocamos mais de um milhão de alunos em aula, em duas semanas. Com a Rede D´Or, fizemos uma aplicação para visitas virtuais de pacientes com Covid-19. O Teams chegou a ter 200 milhões de participantes em reuniões num único dia, totalizando quase 4,1 bilhões de minutos”, enumera Lemos.
Estudo realizado em maio pela Accenture com consumidores de 12 países, incluindo Brasil, mostra que, mesmo após a fase de distanciamento, 74% das pessoas esperam manter o contato com
amigos e familiares virtualmente. Para 90% dos entrevistados, a banda larga é um serviço essencial, que se provou ainda mais importante com a crise. Isso teve um impacto positivo nas operadoras de telecomunicações devido à necessidade de manutenção da estabilidade da rede, uma vez que
a demanda cresceu exponencialmente. Gallindo, da Brasscom, diz que houve, inclusive, um trabalho conjunto entre as carriers e os fornecedores de plataforma de colaboração para fazer uma calibragem a fim de evitar que a rede entrasse em colapso. “Isso foi um movimento exitoso porque não houve nenhum apagão”, destaca Gallindo.
Georgia Sbrana, vice-presidente para assuntos corporativos da Ericsson, informa que, num primeiro momento, os investimentos foram postergados, mas a pandemia da Covid-19 teve um impacto limitado na receita operacional da empresa. A Ericsson chegou a registar um crescimento de 4% nas vendas no segundo trimestre, resultado para o qual a operação brasileira contribuiu bastante.
“Além do crescimento de 30%, o tráfego no Brasil mudou, movendo-se para a borda da rede, devido ao aumento da demanda nos lares. O último relatório Ericsson Mobility Report ouviu 11 mil pessoas em 11 países, revelando que a mudança de hábito foi extrema. A maior parte informou que o 5G poderia atender ainda melhor”, diz Sbrana.
Com o distanciamento social, grande parte da população desenvolveu novos hábitos. Um levantamento da RankMyAPP – empresa focada em inteligência e performance mobile com base em análise de aquisição de usuários para apps – revelou que o número de downloads de aplicativos relacionados a fitness cresceu 76%, e os de streaming, 75%. A empresa apura dados de todo o Brasil coletados com recursos de IA das lojas de aplicativos e tem como clientes os principais bancos, empresas de varejo e de plataformas.
“Em maio, as instalações de aplicativos de e-commerce, especialmente de moda, cresceram 169% em relação a maio de 2019. O volume total superou em 74% o obtido durante a Black Friday, em novembro de 2019. Nos cinco primeiros meses de 2020, as instalações de apps de e-commerce chegaram a 26 milhões, o que representa 68% do total de instalações efetuadas durante todo o ano de 2019”, conta Leandro Scalise, CEO do RankMyAPP.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o faturamento do varejo digital cresceu 56,8% de janeiro a maio deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Embora o tíquete médio tenha reduzido de R$ 420,78 para R$ 398,03, o número de transações efetuadas cresceu 65,7%, passando de 63,4 bilhões para 105,6 bilhões nos cinco primeiros meses de 2020. O destaque no período foi o segmento de beleza e perfumaria, que apurou receita 107,4% maior do que no ano passado e atingiu um faturamento de R$ 2,11 bilhões.
“Com o fechamento do comércio de rua e dos shoppings, houve um aumento de compras por quem já consumia on-line e o ingresso de novos consumidores. Isso levou vários negócios a experimentar os canais on-line. A resposta do setor foi fantástica. O e-commerce fortaleceu-se e tornou-se ainda mais necessário”, afirma Rodrigo Bandeira, vice-presidente da ABComm.
Vitor Magnani, presidente da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O) – entidade que reúne as plataformas digitais – diz que, nos primeiros dois meses de isolamento, houve um crescimento de 48% no comércio eletrônico e um aumento de 32% de novos clientes nas plataformas digitais. “Elas conectam ecossistemas em rede e representam a segunda geração do comércio eletrônico”, explica Magnani.
São plataformas que escalaram rapidamente nos últimos anos, fazendo a ponte entre os mundos físico e digital nas áreas de transporte (Uber, 99, Cabify), alimentação (iFood, Rappy,Uber Eats), imobiliário (Quinto Andar) e comércio eletrônico (Mercado Livre, Amazon). “A vantagem das plataformas é que elas já têm um tráfego de consumidores, enquanto os sites precisam de um esforço para atrair tráfego. A plataforma investe em marketing, beneficiando todos os parceiros que a utilizam”, ressalta Magnani.
A Clique e Retire, empresa de logística para o comércio eletrônico baseada em smart lockers (armários) espalhados pelo país, registrou aumento de 101% na procura pelo serviço, de abril a julho, em virtude também das compras pela internet. A empresa tem parceiros como Metrô RJ, BR Distribuidora, B2W, BR Malls, Dafiti e DHL, e usa tecnologia da gigante chinesa Pakpobox, que está em 14 países, respondendo pela logística dos correios em sete deles.
No Mercado Livre, os itens mais vendidos nos primeiros meses de isolamento social foram notebooks, celulares, PC games, consoles de jogos e máscaras descartáveis. A empresa registou a entrada de 2,6 milhões de novos compradores no primeiro trimestre, um aumento de 28% em relação a 2019. O número de pedidos cresceu 39% entre 24 de fevereiro e 3 de maio, em relação ao mesmo período no ano anterior. Os destaques foram as categorias de Saúde (+300%), Bens de Consumo (+164), Casa e Decoração (+84%), Entretenimento & Fitness (+61%) e Computação (+55%).
Crescimento de dois dígitos
A demanda por equipamentos de informática explodiu. Em maio, o mercado de computadores teve um crescimento de 89% comparado ao mesmo período do ano passado, somente em compras on-line. Germano Couy, general manager da Acer para a América Latina, informa que o segmento tem experimentado, de forma não planejada, taxas de crescimento de dois dígitos no mundo inteiro desde março, com pico de vendas em abril.
“As pessoas se deram conta de que seus equipamentos não eram adequados, com pouca disponibilidade de memória, câmara ruim e tela inadequada para videoconferência. Então, houve uma demanda inicial por upgrades ou PC-refresh. Além disso, os filhos passaram a ter aulas em casa, e o ambiente doméstico passou a ser um grande escritório. Houve uma grande demanda de consumer e de pequenas e médias empresas. No corporativo, os bancos, que usam muito desktop, compraram grandes lotes de notebooks, que, no geral, têm sido muito vendidos”, elenca Couy. Ele observa que o momento de alta contrastou com o cenário de falta de componentes, que só normalizou a partir de junho.
“Na América Latina, os países cujas vendas cresceram menos tiveram aumento de 10% a 20%; mas houve países com crescimento de mais de 35%. No Brasil, tivemos um aumento de vendas, sobretudo on-line, de 60% só em notebooks no mês de junho. Outra forte demanda foi de desktop para games, setor no qual temos 60% de market share”, afirma Couy Richard Cameron, presidente da Nvidia Brasil, informa que o isolamento impulsionou o mercado de videogames levando a um crescimento de 70% no número de horas jogadas semanalmente por pessoa e de 40% no número de jogadores. Ele destaca que é mais barato atualizar o computador que já se tem em casa com placas de vídeo do que investir em uma nova plataforma de jogos.
“O home office acelerou um processo de transformação digital que esperávamos para daqui a anos. A Nvidia GeForce é líder mundial em processadores gráficos (GPUs). Após um ótimo 2019, houve um forte crescimento em 2020, principalmente em março, na nossa linha de entrada com placas de vídeo baseadas numa arquitetura que traz aumentos de desempenho de até 100% em comparação com a arquitetura anterior”, diz Cameron. Apesar do aumento da demanda, a pandemia impactou todo o sistema de logística mundial.
“Muitos de nossos produtos são embarcados por carga aérea. Com a diminuição dos voos comerciais, importadores tiveram que utilizar formas alternativas, como carga marítima. Isso impactou o custo da operação logística”, lamenta Carmeron.
Os meios de pagamento também foram impactados positivamente. Desde o primeiro trimestre, a plataforma PayPal registrou aumentos recordes ao processar, aproximadamente, 3,3 bilhões de transações de pagamento (+15% ano sobre ano) e adicionar 20,2 milhões de novos usuários, encerrando o trimestre com 325 milhões de contas ativas, expansão de 17% em relação a igual período de 2019. Desse total, aproximadamente, 25 milhões são de contas de lojistas.
“Já no segundo trimestre, 100% impactado pelos efeitos da pandemia, foram acrescentadas 21,3 milhões de contas de forma orgânica”, diz Thiago Chueiri, diretor de desenvolvimento de negócios do PayPal Brasil.
Outro setor de grande crescimento foi o de certificação digital. Júlio César Mendes, diretor comercial e de marketing da Soluti – autoridade certificadora de primeiro nível –, informa que houve um crescimento acima da média em março e abril, devido ao fechamento de canais físicos de emissão de certificados, como sindicatos e cartórios.
“Temos uma rede mais empreendedora formada por parceiros, que permaneceram abertos. No decorrer da pandemia, cresceu muito a demanda por certificados para pessoa física. A maior procura foi por parte de médicos para prescrição de medicamento com garantia de autenticidade, devido à redução do atendimento presencial. Tínhamos mais de 15 mil assinaturas digitais de prescrição eletrônica antes da pandemia. Esse número subiu para 3 milhões”, destaca o diretor da Soluti.