Meio de pagamento acessível para todos

Desenvolvido para ajudar pessoas com deficiência visual a realizar transações em meios eletrônicos com segurança, o aplicativo Pay Voice foi lançado em março pelo CPqD. Em agosto, mais de mil downloads já haviam sido realizados.

O Tele.Síntese está publicando as reportagens do Anuário Tele.Síntese de Inovação 2018. Abaixo, veja o caso do Pay Voice, produto desenvolvido pelo CPqD, vencedor do Prêmio Anuário Tele.Síntese de Inovação na categoria Fornecedores de Software e Serviços.

Meio de pagamento acessível para todos

Por Patrícia Cornils

Em 2016, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) foi procurada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, então preocupada com a proliferação de máquinas de pagamento com telas de toque – que impediam pessoas com deficiência visual de realizar transações e digitar suas senhas em segurança. Não foi uma conversa sobre poucas pessoas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os brasileiros e brasileiras com deficiência visual eram, no Censo de 2010, 35 milhões. As pessoas com deficiências visuais graves eram 6,5 milhões – e mais de 50% não usavam tecnologias móveis.

Esse encontro levou a associação a criar um Grupo de Trabalho de Acessibilidade para buscar maneiras de garantir maior autonomia, no uso de meios de pagamento, a essa parcela da população. Foi assim que se incorporou à atuação da Abecs o conceito de que novas tecnologias, desenvolvidas para gerar mais acesso a comunicação, serviços e informação, não podem ser uma ferramenta de exclusão. Em 2017, a associação entrou em contato com o CPqD em busca de uma solução para que pessoas com deficiência visual pudessem, no momento de realizar pagamentos com cartões, checar se os preços e as condições de pagamento estavam corretos. Daí nasceu o Pay Voice.

O aplicativo para smartphones iPhone e Android é integrado às ferramentas de acessibilidade TalkBack (para Android) e VoiceOver (para iOS) existentes nos aparelhos. É capaz de fazer a leitura das informações disponíveis na tela de finalização de transações (tela em que a máquina de pagamentos, ou POS, solicita a senha de autenticação), utilizando a câmera dos smartphones. Antes de digitar a senha, o usuário aponta a câmera do celular para a tela da máquina de pagamento e a aplicação recita os dados registrados pelo atendente. Assim, as pessoas não precisam completar suas compras sem ter certeza de que o valor e a forma de pagamento (crédito, débito, parcelas, alimentação e voucher) estão corretos. Para chegar a esta solução, o CPqD usou várias tecnologias cognitivas, como visão computacional e reconhecimento óptico de caracteres (Optical Character Recognition, OCR).

Visão computacional é a tecnologia das máquinas que enxergam – são sistemas que obtêm informação de imagens. No Pay Voice, a visão computacional é usada para orientar o usuário, em tempo real, sobre o posicionamento da câmera de seu celular. A aplicação, por meio de síntese de fala, conduz o usuário com comandos de voz: “Aproxime”, “Afaste”, “Para a Direita”, “Para a Esquerda”, “Para Frente”, “Para Trás”. Todo o processo de posicionamento da câmera e reconhecimento das informações não pode exceder dez segundos, porque na maioria das máquinas de cartão a tela na qual se digita a senha sai do ar, por segurança, em 30 segundos. E a pessoa precisa de tempo para poder digitar a senha com tranquilidade. Esse tempo foi um dos desafios do desenvolvimento.

Outro desafio foi criar uma solução que funcionasse na maior parte das máquinas de cartão em uso no Brasil. São cerca de 4,5 milhões, somente no varejo, de acordo com dados do Banco Central usados pelo CPqD. E são muitos modelos. Somente uma das 12 redes de meios de pagamento associadas à Abecs possui 58 diferentes máquinas em uso, com os mais variados tipos de tela.

A variedade de modelos de smartphones foi outro desafio. A equipe de pesquisadores teve que otimizar os processos para que os algoritmos rodassem adequadamente em modelos mais simples, com 1 Giga de memória RAM e processador Dual Core, da mesma maneira que nos smartphones top de linha, que chegam a 8 Giga de memória e processadores hepta-core ou deca-core. O CPqD usou como padrão mínimo as estimativas da Google sobre o market share no parque Android no Brasil. Nesses modelos, a operação de habilitar a câmera, orientar seu posicionamento, processar as informações em tempo real leva cinco segundos. Nos celulares mais parrudos, somente um segundo.

O uso da visão computacional superou as dificuldades colocadas pela variedade de dispositivos envolvidos. O Pay Voice funciona, hoje, em 90% das máquinas de pagamento em uso, com 86% de acerto real. Quando o aplicativo não identifica o padrão da tela do POS é por questões ambientais, como reflexos de luz na máquina. Agora está em desenvolvimento uma versão para máquinas pin-pad, aquelas em que as informações sobre a transação saem direto dos sistemas usados nos caixas.

A primeira versão do Pay Voice, a 1.5.0, foi lançada no 12º Congresso de Meios Eletrônicos de Pagamento, em março de 2018. Em agosto, mais de mil downloads da aplicação haviam sido realizados. O CPqD desenvolve soluções de acessibilidade desde 2003 – telefones para surdos, leitores de tela para desktops são exemplos. A aplicação CPqD Alcance, um leitor de tela simplificado para smartphones lançado há quatro anos, já teve mais de 40 mil downloads. “Está em nossa missão”, explica Claudinei Martins (foto), pesquisador de Inovações Tecnológicas na equipe de Gerência de Tecnologias de Fala, Imagem e Mobilidade do centro, que lida com tecnologias cognitivas como reconhecimento e síntese de fala. “Transformar conhecimento em bem-estar para a sociedade é o nosso objetivo.”

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